Quando se olha para os resultados de umas eleições, há um sem número de hipótese de análise. Os partidos que perderam tentam agarrar-se ao melhor que conseguiram e os vencedores procuram realçar os seus feitos. Mas há dados que são indesmentíveis: além da vitória do PSD, que conseguiu mais câmaras, 136, mas apenas 78 sozinho, o PS conseguiu 126 autarquias de formas isolada, só tendo vencido em parceria em Felgueiras, com o Livre, e em Coimbra, com o PAN e o Livre.

Para os menos familiarizados com as ‘confusões’ políticas, diga-se que há partidos que quase desapareceram nestas eleições, como é o caso do BE, que nem concorreu a alguns distritos, tendo conseguido resultados desastrosos, mas há outros partidos que emergiram das trevas, pelo menos nos resultados oficiais. Peguemos no caso do PPD/PSD e das ‘boleias’ que deu. O principal beneficiado foi o CDS que ‘alinhou’ em 44 vitórias, num casamento a dois. Já com um casamento mais aberto, tendo o Iniciativa Liberal feito parte do ‘arranjo’, as conquistas ficaram-se pelas quatro, realçando-se a de Lisboa.

Mas o PPD/PSD não é muito fiel e foi fazendo casamentos vários, um dos quais só com o Iniciativa Liberal, tendo conquistado a Câmara de Santa Comba Dão – a terra de Salazar é sempre uma caixinha de surpresas. Andando mais para trás, no que diz respeito às alianças, a AD, formada pelo PPD/PSD, CDS/PP e PPM, ganhou em quatro concelhos, embora o PPM não tenha tido direito a sentar-se à mesa do ‘banquete’ da capital. Mostrando uma abertura assinalável, revelando vários uniões de facto, o PSD também se ‘casou’ com o CDS, o Iniciativa liberal, o Nós Cidadãos, o PPM, o Volt Portugal e o Partido da Terra (MPT), mas a mistura não funcionou e não conseguiram ganhar a câmara. O mesmo se passou na ‘mistura’ PSD/CDS/PPM/MPT e, imagine-se, o Reagir Incluir Reciclar (R.I.R), o tal que foi fundado por Tino de Rans.

Já a aliança com o CDS e o Volt Portugal foi mais profícua, ganhando a câmara de Torres Vedras. Por fim, a união com o CDS o MPT e o PPM deu duas câmaras.

Mostrando que as eleições autárquicas são muito diferentes das Legislativas, o denominado Grupo Cidadãos ganhou 20 câmaras, destacando-se, obviamente, Oeiras, o território Isaltistão. Isaltino Morais teve o apoio do PSD, mas concorreu sem a sigla da seta nos seus cartazes. Já Santana Lopes concorreu com o seu lema, mas liderou a coligação do PSD e do CDS. Alguns dos presidentes camarários ‘independentes’ tinham já concorrido por um partido, mas divergências várias levaram-nos a optar por concorrer de forma independente, com ou sem apoio de outro partido. O caso mais flagrante foi o de Maria das Dores Meira, antiga presidente comunista de Setúbal, que depois de atingir o limite máximo de três mandatos, tentou Almada, ainda com o apoio do PCP, sem grande sucesso. Depois de se afastar dos comunistas, Meira foi visada em várias notícias que questionavam os seus gastos enquanto autarca setubalense. As investigações decorrem, mas Maria das Dores Meira volta à cadeira presidencial de Setúbal, apoiada pelo PSD e o CDS.

A CDU, outra das grandes derrotadas, passou de 19 câmaras para 12 (ver págs. 8-9), enquanto o Livre, o Iniciativa Liberal e o PAN mostraram, mais uma vez, que as autárquicas não são propriamente a sua praia. o CDS ganhou seis câmaras, embora reivindique uma sétima, Mêda, que ganhou em coligação com o PSD. O Chega, e já lá vamos, ficou-se pelas três autarquias, quando tinha gritado que ia limpar a Amadora, pôr Sintra na Linha, libertar Oeiras, tornar Faro grande outra vez ou endireitar Cascais. A intenção era forte, mas ficou longe do objetivo. A grande vitória foi Albufeira.

O Nós, Cidadãos ganhou a Câmara de Belmonte e a de Soure, e numa coligação com o PPM, a Guarda. Já o Juntos Pelo Povo (JPP) conquistou Santa Cruz, na Madeira. E assim se contabilizam os 308 concelhos e respetivos presidentes.

Autárquicas versus Legislativas
Uma das grades incógnitas do dia 12 era saber se o Chega conseguiria transpor a ‘onda’ que se criara nas Legislativas, quando teve mais de um milhão e quatrocentos votos, tendo varrido o Algarve e entrado a fundo no Alentejo. André Ventura bem fugiu enquanto pôde a colocar uma fasquia, mas acabou por se ‘descair’ ao insinuar que 30 câmaras seria um número aceitável. Ficou muito longe, como se sabe, mas se as contas de comparação se limitarem às autárquicas de 2021, então Ventura até pode esboçar um ligeiro sorriso, pois passou de cerca de 208 mil para 653 mil votos. Só que as contas não podem ‘anular’ os resultados de 18 de maio, do corrente ano, quando nas Legislativas o Chega teve mais de um milhão e quatrocentos mil votos.

Contas à moda do freguês
É óbvio que as misturas valem o que valem, mas parece evidente que os eleitores votam de uma maneira nas Legislativas e de outra nas autárquicas e regionais. Olhemos, por exemplo, para a votação das legislativas de 18 de maio último e concretamente para o Algarve. Nessa noite, o Chega ficou à frente em 11 concelhos e o PSD/CDS em cinco. O PS não contou para esse campeonato. Menos de cinco meses depois, os eleitores foram chamados de novo a votar, agora para as autárquicas, e como votaram? O PS ganhou 11 concelhos, o Chega um, o PSD/CDS dois, a CDU um, e os independentes um também. O que terá mudado em apenas cinco meses? O tipo de eleições e os candidatos representarem verdadeiramente os eleitores locais?

Mas se quisermos comparar autárquicas com autárquicas, já as leituras podem ser bem diferentes. Peguemos outra vez no caso algarvio. Em 2021, o PS ganhou 12 concelhos, agora ‘ficou-se’ pelos 11, e perdeu eleitores, de cerca de 72 mil passou para 69 mil. Já o Chega, que não tinha chegado aos 11.500 votos, agora passou os 37 mil. Como facilmente se vê, as leituras cruzadas dão para tudo. Ah! Outro grande exemplo foi dado nas regionais madeirenses, onde o Juntos Pelo Povo se tivesse repetido a votação nas legislativas teria, seguramente, elegido mais do que um deputado.

O afundanço do BE
Todos os dados aqui descritos podem ser comprovados no site do Ministério da Administração Interna, e no item Distrito, podemos fazer as contas. Em Viana do Castelo, o PS ficou à frente, mas as várias alianças do PSD dão-lhe o primeiro lugar. O Chega em 2021 tinha conseguido 2.895 votos, chegando agora aos 14.922. Já o PCP passou de 6.951 para 3.796. O BE tinha tido 2.564 e ficou-se pelos 1.151. Em Braga, e estamos a falar do distrito, o PSD e o CDS ganharam com alguma margem, mas na capital de distrito a vitória do PSD foi bem renhida, apenas 276 votos de diferença, falando-se até numa recontagem de votos (ver pág. 8-9).O Chega subiu de 19.245 para 45.732. O PCP desceu dos 17.894 para os 11.404. E o BE? De 10.371 para 3.105.

No distrito do Porto, mais uma vez, o PS está no pódio dos sozinhos, mas depois as alianças do PSD fazem-no cair para o segundo lugar, a capital foi ganha pela aliança PSD/CDS e IL. O PCP passou de 39.939 para 28.064. O BE cai mesmo a pique: de 31.943 para 8.143. O Chega passa de 27.616 para 98.181.

Em Vila Real, a história repete-se, no que diz respeito aos dois primeiros lugares, e aos restantes. O Chega sobe de 2.580 para 10.709, o PCP, em sentido inverso, de 2.510 para 1.648. O BE, qual Titanic, de 1000, número certo, para 243.

Em Bragança, as contas também, não são diferentes, sendo que aqui o PS ganhou a capital de distrito. O Chega deixa os 1.652 votos e sobe para 4.094. O PCP substituiu os 1.145 votos por 746. Já o BE nem se apresentou a jogo, em 2021, no distrito tinha conseguido 317 votos.

Os resultados não são muito diferentes no país, ver mapas, mas o BE, mostrando a sua fragilidade nem foi a jogo em Aveiro. Em 2021 tinha tido 1.124 votos. Na Guarda, O Nós, Cidadãos e o PPM ganharam a capital de distrito, mas o resto é tudo igual. O BE, mais uma vez, nem a jogo foi. Em 2021 tinha alcançado 378. Em Coimbra, idem, idem, sendo que aqui a coligação do PS com o Livre e o PAN conquista a capital de distrito. A grande novidade é que o BE só passa de 2.431 para 2.377. Digamos que Coimbra tem outro encanto para os bloquistas. No distrito de Castelo Branco nada de novo, com mais uma vitória socialista na capital, e em Leiria a mesma coisa, sendo que o PS esmaga na capital de distrito. Em Santarém, mais do mesmo. O PS fica em primeiro, mas os vários PPD’s ficam destronam os socialistas para o segundo lugar. A capital foi ganha pelo PSD com a ajuda do CDS. BE e Livre concorreram junto nalguns concelhos. Já em Portalegre, ambos os partidos não se apresentaram a jogo.

Em Lisboa, Moedas ganhou a capital e houve mais alianças do que pedidos na AIMA para naturalização. Daí ser pouco credível comparar números. Em Setúbal, o PS ganha o distrito, mas a cidade do choco frito foi reconquistada por Dores Meira, agora sem a foice e o martelo, mas com setas.
Em Évora, o ex-eurodeputado Carlos Zorrinho travou a força laranja, e o PCP, apesar de ter perdido a capital de distrito, no total viu voar menos de dois mil votos. Em Beja, nova derrota comunista com vitória laranja, uma seta em África. No Algarve, onde o Chega sonhava com meia dúzia de câmaras, no mínimo, ficou apenas com Albufeira. O PS foi o grande vencedor do distrito de Faro.

Na Madeira, o PS continua em queda livre o que obriga Paulo Cafofo a abandonar o barco, a tarde e más horas. O JPP deu um ‘bigode’ nos socialistas. Nos Açores, se a música for a solo, ganha o PS que conseguiu oito câmaras, contra sete do PPD, mas o PSD ganhou mais duas em coligações. Ah! Em Lisboa cidade, o Chega conseguiu mais votos para a Assembleia Municipal do que para a Câmara, e não concorreu a três juntas de freguesia: Alvalade, Belém e Santo António.