O candidato presidencial Gouveia e Melo afirma que Mário Soares é o seu modelo de Presidente, destaca o contributo de Ramalho Eanes para a democracia, mas demarca-se dos chefes de Estado militares não eleitos no pós-25 de Abril.
“O Presidente [da República] de que mais gostei e que me revejo nele por diversas coisas, até como ser humano, é Mário Soares”, afirma o ex-chefe do Estado-Maior da Armada, em entrevista à agência Lusa. Henrique Gouveia e Melo considera que Ramalho Eanes foi também “importantíssimo” numa fase da democracia – e que sem Eanes e Soares não teria a democracia que possui hoje.
Em relação a Jorge Sampaio, Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa, o almirante considera que “foram já uma sequência”. “Se calhar por serem uma sequência já não lhes dei tanto benefício da dúvida. Mas o meu modelo, se tivesse que escolher um, seria Mário Soares. Tenho mesmo admiração pelo doutor Mário Soares”, acentuou.
Em contraponto, Henrique Gouveia e Melo demarca-se totalmente dos primeiros chefes de Estado da democracia portuguesa, António de Spínola e Costa Gomes, ambos militares. “Entraram para a Presidência [da República] através de um golpe militar, ou em resultado de uma revolução militar – e eu tenho uma diferença absoluta em relação isso. O próprio general Ramalho Eanes, quando foi eleito pela primeira vez, era um militar no activo, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e estava no Conselho de Revolução”, assinala.
A seguir, procurou vincar diferenças em relação à sua situação actual como candidato na corrida a Belém. “Sou um civil, tenho muito orgulho no meu passado militar e não me envergonho de nada. Pelo contrário, entendo que é uma mais-valia. Mas sou um civil com os direitos cívicos de todo o cidadão”, declara.
Gouveia e Melo, neste contexto, diz mesmo que a tese sobre a existência de perigos por ser militar o “aborrece”. “Não estou aqui porque se está a fazer um golpe militar, ou porque os militares de onde eu saí disseram vai para lá para fazer um golpe militar. Os militares, se calhar, até preferiam que eu ficasse lá. Estou aqui como cidadão com os mesmos direitos liberdades e garantias e com os mesmos deveres de qualquer outro cidadão”, frisa.
Queixa-se, também, de perguntas que lhe faziam sistematicamente antes de formalizar a sua candidatura a Belém, questões que, na sua perspectiva, tinham subjacente uma espécie de chantagem. “Perguntavam-me: O senhor o que vai fazer no futuro? Vai ser político? Se dissesse sim teria de sair imediatamente das minhas funções. Se dissesse não, queriam que isso ficasse marcado. Isso era uma chantagem que me faziam todos os dia – e eu comecei a dizer nim”. E explicou porquê.
“Não me quis submeter a essa chantagem. Ninguém tem o direito de limitar a opção futura de qualquer pessoa, porque isso não é um direito exigido na Constituição ou na lei portuguesa a qualquer militar”, acrescenta.
Nesta entrevista, Gouveia e Melo relativiza as sondagens, apontando que a verdadeira só será feita em 18 de Janeiro próximo. Recusa que a sua candidatura tenha sofrido um desgaste nos últimos meses e justifica alguma quebra pela circunstância de haver agora candidatos presidenciais “de todos os partidos, praticamente”.
“O facto de aparecer um candidato para cada faixa partidária obriga a dividir os votos. Naturalmente, baixei nas sondagens mais por esse efeito do que por efeito de desgaste”, defende.
Questionado sobre se teme ficar apenas com o eleitorado marginal de cada um dos principais partidos, o almirante rejeita essa perspectiva, alegando que “a lealdade partidária hoje não é o que era há 20 anos”. “Os partidos não são donos das suas áreas de incidência ideológica”, advoga.
Do ponto vista político, Henrique Gouveia e Melo afirma colocar-se ao centro e diz que não mudará de estratégia consoante o seu adversário numa eventual segunda volta das presidenciais. “Não há nenhuma estratégia específica. Eu estou ao centro. Naturalmente, um candidato de direita que vá comigo [à segunda volta] vai ter de combater o centro e a esquerda, porque a esquerda não vai votar num candidato de direita. E um candidato de esquerda que vá comigo vai ter de combater o centro e a direita. Todas as sondagens mostram que venço na segunda volta, mesmo a pior das sondagens”, realça.
Contra “tortura lenta” em processos judiciais
Questionado sobre o caso da antiga empresa familiar do primeiro-ministro, Luís Montenegro, a Spinumviva, Gouveia e Melo mostrou-se indignado com situações em que os visados são mantidos “em lume brando”, para “quando der jeito” serem reabertos os processos.
Para o antigo chefe do Estado-Maior da Armada, quando existe uma suspeita relativamente a um actor político, o processo “deve andar o mais rapidamente possível” para se perceber se ele deve ou não continuar no activo. “Não é prolongar o processo, tipo uma tortura lenta que tortura duas coisas: não tortura só o político como tortura o sistema político porque desacredita o sistema político”, sustentou.
Gouveia e Melo apontou em concreto o caso do ex-ministro socialista das Infra-Estruturas João Galamba, que terá estado sob escuta durante quatro anos sem que lhe tenha sido instaurado qualquer processo, e em relação ao qual manifestou o seu desagrado.
“Ou ele cometeu qualquer coisa, é apanhado e é-lhe instaurado um processo-crime, vai a tribunal e é condenado ou não. Ou então passamos a ter um sistema, de forma indirecta, de vigilância de pessoas. De suspeita permanente. E nós vamos vigiando, vigiando, vigiando a pessoa até que ela cometa qualquer coisa. Isso é perigosíssimo para a democracia. Verdadeiramente perigoso para a democracia”, argumentou.
Gouveia e Melo disse que gostaria de ver “uma justiça que é constante ao longo do tempo, que não tem altos e baixos mediáticos em função de períodos eleitorais ou outros períodos políticos”. “Gostaria de ver uma justiça rápida, eficaz e eficiente. Infelizmente, isso não acontece. Há coisas que me desagradam enquanto ser humano, enquanto cidadão”, comentou.
Para contrariar este estado de coisas, o almirante defendeu que o Presidente tem uma “palavra muito importante” que tem que ver com a sua magistratura de influência.
Mendes vai ficar com dívida ao PSD e será cobrada
Gouveia e Melo defende que Portugal precisa de um Presidente da República realmente isento e não de um “Cavalo de Tróia” de um partido.
“Esse cavalo de Tróia pode fazer duas coisas: Está lá para validar tudo o que o partido faz; ou está lá para, na primeira oportunidade, encontrar uma situação para deitar abaixo uma governação. A isenção é muito difícil de ter quando devemos muitas lealdades, não só pelo nosso percurso, mas até pelos apoios que temos no momento da eleição”, adverte.
Neste ponto, o ex-chefe do Estado Maior da Armada vai mais longe: “O doutor Marques Mendes pode dizer que não é do PSD, que é independente, etc. Sem o PSD não seria eleito. Portanto, ele vai ficar com uma dívida ao PSD. E essa dívida vai ser-lhe cobrada”, acusa.
Para Gouveia e Melo, “não há moderação sem isenção”. “A moderação que Marques Mendes fala é uma moderação natural de qualquer pessoa minimamente inteligente, com bom senso, adulta. Por outro lado, o Presidente não é só o moderador do regime, é também um árbitro e um verificador. E, quanto a dizer-se que eu não tenho experiência política, eu não tenho é experiência político-partidária”, contrapõe.
Já confrontado com a possibilidade de o discurso contra os imigrantes render votos, o ex-chefe do Estado-Maior da Armada responde: “Então vou perder votos.”
Citando estudos económicos, o almirante na reserva indica que Portugal, para chegar ao topo dos países europeus, “precisa de crescer no mínimo a 3% ao ano, isto se a Europa crescer entre 1 e 1,5%”. “E nós estamos a crescer 1,5% ou menos por ano”, assinalou, acrescentando: “A economia portuguesa tem que se desenvolver e nós precisamos dos imigrantes para desenvolver essa economia”, declarou, apontando os contributos fundamentais dessa comunidade também para o equilíbrio do saldo da Segurança Social e para que se possam continuar a pagar pensões.
“Nós precisamos dos imigrantes para nos desenvolvermos. A imigração não é um problema, é uma oportunidade”, acentuou.