Investigadores descobriram que um gene extraído de supercentenários conseguiu reverter danos cardíacos associados à síndrome de progeria em modelos animais. O estudo abre caminho a novas abordagens terapêuticas para esta doença rara de envelhecimento acelerado em crianças.

Uma equipa de cientistas da Universidade de Bristol e do IRCCS MultiMedica desvendou um possível novo caminho para travar os estragos da progeria, essa doença rara e fatal que condensa uma vida inteira de envelhecimento em pouco mais de uma década. A descoberta, que salta à vista na revista Signal Transduction and Targeted Therapy, assenta na ideia de contra-atacar os efeitos de uma proteína tóxica com a genética própria de quem vive para lá dos cem anos.

A síndrome de Hutchinson-Gilford, ou progeria, é um desses acasos genéticos brutais. Uma simples mutação no gene LMNA desencadeia a produção desregrada de progerina, uma proteína que acelera o relógio celular de forma dramática. O núcleo das células — a sua central de comando — fica deformado, e o coração é um dos primeiros a mostrar sinais de cansaço extremo. A maioria dos jovens não ultrapassa a adolescência, vítima de complicações cardiovasculares. Sammy Basso, que se tornou num rosto conhecido da luta contra a progeria, conseguiu chegar aos 28 anos, mas a sua morte no final do ano passado veio lembrar a urgência de encontrar respostas.

A terapia atualmente aprovida, o lonafarnib, tenta travar a acumulação de progerina. Há até uma nova ronda de testes clínicos a combinar este fármaco com outra substância, o Progerinin. Mas o grupo de Bristol e MultiMedica decidiu virar a mesa. Em vez de atacar a progerina, será que o corpo pode ser armado com defesas naturais contra os seus estragos?

A aposta recaiu sobre o gene LAV-BPIFB4, uma variante genética detetada em centenários e associada a um sistema cardiovascular mais resistente ao desgaste do tempo. A experiência, conduzida em ratinhos geneticamente modificados para desenvolver progeria, mostrou que uma única injeção do gene foi suficiente para melhorar a função cardíaca, em particular a fase de diástole, em que o coração relaxa e se enche de sangue. Os tecidos exibiram menos fibrose — esse espessamento cicatricial que compromete o músculo cardíaco — e registou-se um recuo no número de células já marcadas pela senescência. Como bónus, o tratamento pareceu fomentar o crescimento de novos vasos sanguíneos minúsculos, uma espécie de rede de abastecimento extra para manter o coração nutrido.

Quando a equipa repetiu a experiência em células humanas de doentes com progeria, os resultados mantiveram-se. A introdução do gene LAV-BPIFB4 atenuou os sinais de envelhecimento precoce e fibrose, mas sem interferir diretamente com os níveis de progerina. Isto sugere que o mecanismo de ação não é eliminar a causa, mas sim fortalecer as células contra as suas consequências.

Yan Qiu, investigador honorário do Bristol Heart Institute, sublinha que o trabalho “identificou um efeito protetor de um ‘gene da longevidade de supercentenários’ contra a disfunção cardíaca da progeria”. E avança: “Os resultados alimentam a esperança de um novo tipo de terapia; uma baseada na biologia natural do envelhecimento saudável, e não no bloqueio da proteína defeituosa. Com o tempo, esta abordagem poderá ajudar também a combater as doenças cardíacas associadas ao envelhecimento normal.”

Do lado italiano, Annibale Puca, líder do grupo no MultiMedica e decano da Faculdade de Medicina da Universidade de Salerno, corrobora. “Este é o primeiro estudo a demonstrar que um gene associado à longevidade pode contrariar os danos cardiovasculares provocados pela progeria”, afirma. E adianta que, no futuro, a administração do gene por terapia genética poderá ser complementada ou substituída por métodos de entrega baseados em proteínas ou RNA. “Estamos a realizar numerosos estudos para explorar o potencial do LAV-BPIFB4 em diversas patologias, com o objetivo de transformar estas descobertas experimentais num novo fármaco biológico.”

Fica assim aberta uma nova frente de batalha contra uma doença até aqui implacável, não através do confronto direto, mas emprestando ao corpo as armas daqueles que melhor resistem à passagem do tempo.

NR/HN/AlphaGalileo

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