À medida que envelhecemos, tendemos a ter mais dores e doenças. Pesquisadores acreditam que algumas dessas condições podem estar relacionados à inflamação persistente.
Em inglês isso é chamado de “inflammaging”, ou seja, inflamação relacionada à idade, que está presente mesmo na ausência de lesão ou doença.
Trata-se de uma característica do envelhecimento marcada por uma “inflamação crônica, latente e de baixo grau”, diz Vishwa Deep Dixit, professor de patologia e imunobiologia e diretor do centro de pesquisa do envelhecimento de Yale.
Essa condição crônica e latente está associada a uma série de problemas de saúde, mas novas pesquisas sugerem que nem todos sofrem esses efeitos. Alguns povos indígenas parecem não ter inflamação ligada ao envelhecimento, na comparação com cidadãos de países industrializados.
De qualquer forma, os pesquisadores estudam como conter este tipo de inflamação para evitar seus efeitos na saúde.
O inflammaging “prepara o ambiente” para potenciais doenças neurodegenerativas, como demência ou Parkinson, afirma Juan Pablo de Rivero Vaccari, professor associado de neurocirurgia na Miller School of Medicine da Universidade de Miami, que estuda resposta imune há 20 anos.
Compreender esse tipo de infalamação é crucial para entender a biologia do envelhecimento e o que “podemos fazer para atrasar as doenças degenerativas que emergem do inflammaging”, diz Dixit.
Normalmente, a inflamação é importante para que nossos corpos montem uma estratégia de defesa quando temos uma infecção ou lesão, que é desligada quando a ameaça passa.
Com o inflammaging, no entanto, a inflamação persiste mesmo quando não há infecção para combater. Dixit, afirma, contudo, que “o propósito dessa inflamação ainda não é claro”.
Uma fonte principal dos sinais inflamatórios latentes parecem ser células estressadas e danificadas que liberam proteína indicando que “algo não vai bem”, afirma Alan Cohen, professor associado de ciências da saúde ambiental na Universidade Columbia.
“À medida que envelhecemos, nossos estressores internos aumentam. Isto é mais ou menos inevitável. Algo não está indo bem. Em qualquer espécie que envelhece, algo já não funciona tão bem com a idade.”
Inflamação e saúde
O inflammaging tem sido fortemente associado a várias condições de saúde relacionadas à idade, como aterosclerose, doenças cardiovasculares, diabetes, fragilidade, demência e morte.
A inflamação pode ser o “predecessor” de muitas dessas doenças, diz Vaccari. Por exemplo, acredita-se que a doença de Alzheimer —o tipo mais comum de demência —comece até 20 anos antes que as mudanças cognitivas se tornem aparentes, e há evidências crescentes de que uma resposta inflamatória subjacente já esteja presente durante esse tempo, diz Vaccari.
Fatores de risco conhecidos para a inflamação ligada ao envelhecimento incluem o aumento da gordura visceral, que envolve os órgãos internos, e níveis descontrolados de açúcar no sangue, acrescenta Vaccari.
Os pesquisadores estão trabalhando para desvendar os mecanismos específicos do inflammaging para um diagnóstico mais precoce e um tratamento mais direcionado.
Estudos descobriram que citocinas específicas —proteínas secretadas por células que coordenam respostas imunes e inflamatórias —como IL-6 e IL-1β estão consistentemente implicadas na inflamação.
“Seguindo em frente, o que vai ser realmente emocionante é entendermos quais dessas vias são adaptativas e quais são mal-adaptativas”, diz Dixit.
Estilo de vida industrializado
Em um estudo recente, Cohen e seus colegas descobriram que o inflammaging —pelo menos como é comumente medido com citocinas— não é universal e parece corresponder a um estilo de vida industrializado.
Os pesquisadores compararam dados de marcadores imunológicos de pessoas que vivem em dois países industrializados, Itália e Cingapura, com dados de povos indígenas que vivem em duas regiões não industrializadas, os tsimane da Amazônia boliviana e os orang asli de partes da Malásia.
Entre os italianos e singapurianos, os fatores de inflamação geralmente coincidiam e estavam associados à idade e a doenças crônicas relacionadas à idade, como a doença renal crônica.
Porém, quando os pesquisadores analisaram os tsimane e orang asli, nenhuma das populações seguiu o padrão de inflamação das pessoas dos países industrializados à medida que envelheciam. Eles também não tinham o perfil de doenças crônicas que normalmente surge com a idade em países industrializados.
“Ficou realmente claro que eles não estão fazendo nada parecido com o que as populações industrializadas estão fazendo”, disse Cohen, autor sênior do estudo.
Isto não quer dizer que as pessoas das regiões não industrializadas não tinham inflamação. Pelo contrário, para os tsimane na Bolívia, a inflamação permanecia alta ao longo de suas vidas, provavelmente por causa de infecções comuns. Cerca de 66% dos tsimane têm pelo menos uma infecção intestinal parasitária, enquanto 70% dos orang asli têm uma infecção prevalente, incluindo respiratória e fúngica, a qualquer momento.
Cuide-se
Entre italianos e singapurianos, os padrões de inflamação não eram exatamente os mesmos. A citocina IL-6, muitas vezes considerada um indicador-chave do inflammaging, não se correlacionou com a idade na população singapuriana.
Pode haver subjacentes comuns ao envelhecimento imunológico, mas como eles se manifestam pode depender do contexto, disse Cohen, que escreveu uma revisão recente.
“Não devemos pensar na inflamação como um problema em si mesmo”, disse Cohen, que a compara a um alarme de incêndio. O alarme de incêndio pode não ser agradável, mas muitas vezes indica que “algo não está indo bem no edifício”, ele diz. Mas “nada disso significa que você não quer o sistema de alarme de incêndio instalado ou que você quer desativá-lo”, diz Cohen.
Como controlar a inflamação associada ao envelhecimento
Um estilo de vida mais saudável em seus anos mais jovens o beneficiará em seus anos mais velhos. “A vida é interessante porque às vezes ela começa a te enviar uma conta pelas coisas que você fez 20 anos antes”, diz Vaccari.
Pessoas mais velhas que já têm inflamação alta poderiam adotar medidas mais direcionadas para as causas principais da inflamação, diz Cohen. Vaccari cita como exemplos controlar a pressão arterial, reduzir a gordura visceral e gerenciar os níveis de açúcar no sangue.
Há sabedoria em seguir “a mesma coisa que sua avó e minha avó disseram, que é: ‘faça as coisas com moderação, não coma muito e exercite-se mais‘”, diz Dixit.
Não há evidências suficientes para recomendar uma dieta específica, afirma Dixit, mas controlar a ingestão calórica pode ser útil porque a restrição calórica está ligada à longevidade e à saúde. Em um estudo recente, que ainda não foi revisado por pares, Dixit e seus colegas relataram que reduzir a ingestão calórica em 14% poderia reduzir um marcador imunológico importante para a inflamação.
Mantenha-se nutrido, mas “não dói, de vez em quando, sentir fome”, diz Vaccari. Não tome o sono como garantido, porque ele “ajuda o cérebro a se livrar de toxinas”, acrescenta ele.
Ao mesmo tempo, não fique excessivamente ansioso com o inflammaging em si, porque isso significa “que você provavelmente está tentando microgerenciar algo para o qual não temos conhecimento suficiente”, diz Cohen.
Este texto foi originalmente publicado em The Washington Post.