O Presidente de El Salvador, Nayib Bukele, garantiu a aprovação de uma reforma constitucional que poderá permitir que se mantenha no poder indefinidamente.
Na quinta-feira, a Assembleia Legislativa de El Salvador, dominada pelo partido de Bukele, o Nuevas Ideas, votou que fosse eliminado do texto constitucional uma norma que proíbe a reeleição presidencial imediata.
Na prática, esta alteração dá ao actual Presidente a possibilidade de se recandidatar sempre e, ganhando as eleições, perpetuar-se no poder.
Bukele, que vai no segundo mandato, chegou ao poder em Junho de 2019 e recebeu a alcunha de “Presidente millennial”, por ter apenas 37 anos quando foi eleito.
Conseguiu ser reeleito no ano passado – graças a um golpe palaciano no Tribunal Constitucional – e, ao que tudo indica, pretende recandidatar-se nas próximas eleições, que inicialmente estavam previstas para 2029, mas que agora poderão realizar-se em 2027.
É que a alteração constitucional agora aprovada também prevê que o actual mandato seja encurtado para que as eleições presidenciais possam coincidir com as legislativas, ou seja, em 2027.
Além disso, estende os mandatos presidenciais de cinco para seis anos. Isto permite que Bukele seja reeleito para um mandato mais longo com dois anos de antecedência.
A reforma também retira da Constituição a necessidade de realização de uma segunda volta, pelo que a presidência será ganha por maioria simples na primeira volta.
A Associated Press (AP) explica que as alterações propostas pela deputada Ana Figueroa, do Nuevas Ideas, passaram com 57 votos a favor e apenas três votos contra. Figueroa defendeu que as alterações dão “poder total ao povo salvadorenho” porque, historicamente, a possibilidade de uma reeleição sempre esteve prevista “para quase todos os cargos eleitos pelo povo”, com excepção da presidência.
De acordo com a Euronews, a deputada Marcela Villatoro, da Aliança Republicana Nacionalista (Arena), que, entre outros, votou contra a reforma, criticou o facto de ter sido aprovada a correr e sem consulta, e declarou, no final da votação, que “hoje a democracia morreu em El Salvador”.
“Vocês não percebem o que a reeleição indefinida traz: traz uma acumulação de poder e enfraquece a democracia… Há corrupção e clientelismo porque o nepotismo cresce e impede a democracia e a participação política”, disse Villatoro aos demais deputados.
Outro deputado da Arena, Francisco Lira, comparou a reforma aos processos de concentração de poder observados em países como o Peru de Alberto Fujimori e a Venezuela de Hugo Chávez, e considerou-a a inconstitucional.
O El País nota que, durante o seu primeiro mandato, Bukele negou em diversas ocasiões que tivesse a ambição de uma reeleição, que estava proibida constitucionalmente. Mas tudo mudou no Verão de 2021.
Depois de o seu partido ter ganho a maioria no Congresso, votou a destituição de juízes do Tribunal Constitucional e elegeu novos magistrados.
Foram estes que emitiram uma decisão que permitiu a Bukele concorrer a um segundo mandato consecutivo em 2024. Mudando-se a Constituição, deixam de ser necessárias quaisquer manobras e o direito à reeleição passa a estar consagrado na lei.
Luta contra os gangs
Bukele, que já se autodenominou “o ditador mais fixe do mundo”, é muito popular entre os salvadorenhos, principalmente devido à sua luta contra os violentos e poderosos gangs de rua, como os Barrio 18 e os MS-13 (Mara Salvatrucha), embora os seus métodos sejam muito criticados por organizações de direitos humanos, como a Human Rights Watch ou a Amnistia Internacional.
Esse foi o principal trunfo que usou nas eleições de 2024, em que foi eleito com cerca de 85% dos votos válidos (numa eleição com uma abstenção de 47,4%,), apesar de a oposição ter denunciado várias irregularidades na contagem de votos e ter pedido, sem sucesso, a anulação do processo eleitoral.
A AP salienta que, perante a diminuição drástica do número de homicídios no país, os eleitores preferiram ignorar as evidências de que o seu Governo, tal como outros antes dele, optou por primeiro negociar com os gangs antes de declarar, em Março de 2022, o estado de emergência, que ainda está em vigor e que suspendeu alguns direitos constitucionais, permitindo às autoridades encarcerar dezenas de milhares de pessoas.
Essa declaração aconteceu depois de um dia particularmente sangrento em que morreram 62 pessoas devido aos confrontos entre grupos rivais. Bukele recebeu dos legisladores poderes especiais para lidar com esta crise: a possibilidade de realizar detenções sem mandados e sem acesso dos detidos a advogados e autoridade para interceptar comunicações.
A megaprisão Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot), inaugurada em Janeiro de 2023, em Tecoluca, tornou-se o símbolo da política de guerra do Presidente contra os membros dos gangs, dando-lhe uma enorme popularidade entre os salvadorenhos, mas também fora do país.
O Cecot é a base do recente e controverso acordo entre Bukele e a Administração Trump, que aceitou pagar cerca de seis milhões de dólares por ano a El Salvador para que receba e mantenha detidos nesta megaprisão 300 deportados dos Estados Unidos – em condições que várias organizações denunciam como sendo de abuso sistemático dos direitos dos detidos.