Em entrevista ao programa Today da BBC, Tedros Ghebreyesus realçou que a população da Faixa de Gaza “enfrenta fome, ferimentos graves, um sistema de saúde em colapso e surtos de doenças agravados pela destruição das infraestruturas de água e saneamento”. “Além disso, [há] acesso restrito à ajuda
humanitária. Esta é uma combinação muito fatal, o que torna [a situação]
catastrófica e indescritível”, acrescentou.

Para o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), “se se combinar a fome com um problema de saúde mental que vemos ser generalizado, a situação torna-se uma crise para as gerações futuras”.

Na terça-feira, o Programa Alimentar Mundial da ONU informou que camiões com mais de 6.700 toneladas de alimentos tinham entrado em Gaza desde 10 de outubro, mas este número ainda estava consideravelmente abaixo da meta de duas mil toneladas por dia.



Seiscentos camiões de ajuda humanitária precisam de chegar a Gaza por dia
, mas a média situa-se entre os 200 e os 300, disse o responsável da OMS, ao pedir às autoridades israelitas que “desvinculem” a ajuda humanitária do conflito em geral.Ajuda não deve ser transformada em arma



Tedros Ghebreyesus defende que “a ajuda não deve ser transformada numa arma” e apelou a Israel para que não imponha condições à entrega de apoio humanitário.”Deve haver acesso total, não deve haver qualquer
condição, especialmente depois de todos os reféns vivos terem sido
libertados e uma boa parte dos restos mortais ter sido transferida. Não
esperava que houvesse restrições adicionais”.

O Hamas comprometeu-se a devolver os corpos, mas até ao momento apenas transferiu 15 dos 28, afirmando não ter conseguido recuperar os restantes.

Vinte reféns israelitas vivos foram libertados pelo Hamas na semana passada em troca de quase dois mil prisioneiros e detidos palestinianos nas prisões israelitas.


Para a OMS, “todas as travessias disponíveis” são necessárias para levar ajuda suficiente a Gaza e pediu a Israel que permita que os grupos humanitários regressem ao território. “Não é possível ter uma resposta alargada sem aqueles que podem ajudar no terreno”, sublinhou.

Sobre o facto dos materiais destinados à recuperação do sistema de saúde de Gaza terem sido confiscados na fronteira pelas autoridades israelitas que consideram que poderiam ter uso militar, Tedros Ghebreyesus frisou que se “se vai construir um hospital de campanha, precisa da lona e dos pilares [para tendas]”.

“Portanto, se os pilares forem removidos, com a desculpa de que poderiam
ter uma dupla utilização, não será possível ter uma tenda”.

A ONU estimou anteriormente que custaria mais de 60 mil milhões de euros para reconstruir Gaza. Tedros Ghebreyesus frisou que cerca de dez por cento deste valor teria de ser gasto no seu sistema de saúde gravemente danificado.

“Paz é o melhor remédio”

A entrevista acontece numa altura em que os EUA tentam reforçar o cessar-fogo que ajudaram a intermediar após um surto de violência no fim de semana.

O acordo foi descrito pela Casa Branca como a primeira fase de um plano de paz de 20 pontos que inclui um aumento da quantidade de ajuda que entra em Gaza e de mantimentos distribuídos “sem interferência” de ambos os lados.

Na entrevista à BBC, Tedros Ghebreyesus realçou que acolheu favoravelmente o acordo de cessar-fogo, mas afirmou que o aumento da ajuda humanitária subsequente foi inferior ao esperado.Israel permitiu que mais material médico e outro
tipo de ajuda entrassem em Gaza desde que um cessar-fogo com o Hamas
entrou em vigor a 10 de outubro, mas o diretor-geral da OMS considera
que os níveis estão abaixo do necessário para reconstruir o sistema de
saúde do território.

Há muito tempo que dizemos que a paz é o melhor remédio”, recordou, para acrescentar que “o cessar-fogo que temos é muito frágil e algumas pessoas morreram mesmo depois do cessar-fogo, porque foi quebrado algumas vezes”.

Para o diretor-geral da OMS, “o que é muito triste é que muitas pessoas estavam a celebrar nas ruas porque estavam muito felizes com o acordo de paz. Imaginem, [algumas] dessas mesmas pessoas estão mortas depois de lhes terem dito que a guerra tinha acabado”.