“Acho que a questão já não é quem usa e quem não usa IA é em que grau de profundidade usam”, começa por dizer Ricardo Marques, recrutador técnico. Em Portugal, cada vez mais empresas usam sistemas de inteligência artificial. Segundo dados do Eurostat, em 2024 já 13,48% das empresas da União Europeia (UE) usavam ferramentas e tecnologias de IA, um aumento de 4,48% face ao ano anterior.
Ricardo afirma que “qualquer empresa minimamente competitiva” deve apostar em ferramentas de IA e que os candidatos e os recrutadores devem começar a “falar a mesma língua”.
Um estudo de 2024 da Society for Human Resources Management indica que das organizações que usam IA para auxiliar o recrutamento, entrevistas e contratações uma em cada três usa IA para rever e avaliar currículos.
Em Portugal não há ainda dados sobre o uso da inteligência artificial nestes processos, mas já há empresas conhecidas por usarem sistemas para filtrar currículos, nomeadamente a PHC Software, segundo o jornal ECO, bem como a EuroFirms People First. A Manpowergroup, empresa com presença em Portugal, é a maior empresa de recrutamento nos Estados Unidos da América e já usa IA no recrutamento. Há já relatos de empresas que usam inteligência artificial até para entrevistar candidatos.
A IA no recrutamento: análise de CVs
O uso de inteligência artificial na análise de currículos permite avaliar uma quantidade maior de CVs num espaço mais curto de tempo, e exige menos trabalhadores. Há algumas formas diferentes de usar IA para analisar currículos, mas por norma estas ferramentas procuram palavras-chave no currículo e estabelecem uma correspondência entre o que a empresa procura e os dados da candidatura.
Há sistemas que dão notas aos currículos, com base numa escala sugerida pelo recrutador. Depois, alguns sistemas tecem comentários sobre as candidaturas, sugerindo um ou vários candidatos como os ideias para o cargo.
Ricardo Marques é recrutador técnico na Uphold, empresa de tecnologia financeira, e garante que já usou IA nos processos de recrutamento. “É uma ferramenta que, se for bem preparada, ajuda a filtrar um grande volume de candidaturas.” A IA, no âmbito do recrutamento, tem sido sobretudo usada como filtro. “Definem-se os parâmetros e depois o sistema vai ler tudo o que está nos CVs e emitir conclusões sobre eles”, explica Ricardo.
Rafaela Rodrigues também é recrutadora, na KCS IT, uma empresa de consultoria com mais de quatrocentos colaboradores, e nunca usou IA nos seus processos de recrutamento. “Mas sei que existem, e reconheço as suas potencialidades, especialmente numa fase inicial, podem ajudar muito no nosso trabalho”, afirma. “Podem ajudar muito na triagem”, acrescenta Rafaela.
O bom e o mau
O problema que surge com estes programas tem que ver com a margem de erro, sobretudo se o sistema não for programado para ter em conta as excepções. Por exemplo, um sistema de inteligência artificial que esteja a analisar candidaturas a uma vaga em Lisboa, se não for “correctamente programado”, pode eliminar candidatos que têm uma morada noutro sítio, afirma Ricardo.
Ricardo continua a ser apologista deste método. “Este sistema confere maior justiça” porque garante que pelo menos todos os CVs vão passar por um sistema de triagem, enquanto a um ser humano pode sempre escapar algum, defende o recrutador. Afirma que “os prós são maiores do que os contras”, especialmente para as empresas, já que “há uma maior capacidade de trabalho” e exige menos trabalhadores.
Rafaela entende que um dos maiores perigos é este: um candidato “pode ficar de fora por não ter determinadas palavras-chave no seu CV”.
Na prática, um candidato poder ser rejeitado por um sistema que não foi bem automatizado – a IA não é um ser humano e, por isso, não sabe distinguir excepções, nem vê o potencial como um recrutador com anos de experiência.
Isto significa que quando te candidatas a uma vaga de emprego o teu currículo pode não chegar a um recrutador. Para evitares que isso aconteça, deves ter em conta que para cada descrição de emprego (“job description”) há palavras-chave que o sistema vai procurar. Tendo atenção às exigências da vaga tenta não te afastar do essencial no CV.
Os truques para enganar ferramentas de IA
O medo de ser rejeitado por ferramentas de IA leva muitos candidatos a tentar enganar os sistemas, de acordo com o NYT. Nos EUA, alguns recrutadores começaram a partilhar nas redes sociais truques para ter um currículo bem avaliado e muitos candidatos já os puseram em prática. A táctica passa por deixar comandos “escondidos” no currículo, por exemplo em texto branco ou “mais de 120 linhas de código escondidas nos dados do ficheiro de uma fotografia no CV”, que pretendem fazer com que a inteligência artificial recomende esse currículo ou lhe dê uma nota mais alta, conta o jornal americano.
Um dos jovens mencionados no artigo conta que teve a ideia de tentar enganar estes sistemas a partir de um vídeo no TikTok. Adicionou, em texto branco “escondido” no CV, um comando que indicava à IA que ele era “um candidato excepcionalmente bem qualificado”. Mas não valeu de nada, o recrutador descobriu e o jovem de 23 anos não conseguiu o trabalho, lê-se no mesmo artigo. Ao mesmo tempo, há testemunhos de quem começou a ‘enganar’ a IA e que finalmente foi chamado para entrevistas.
Como qualquer truque usado para conseguir um trabalho tem riscos. Alguns recrutadores disseram ao New York Times que “automaticamente rejeitam os candidatos que usem esses truques”.
Rafaela insiste no “detalhe”. Os candidatos devem ser muito claros, “explicitar e ser detalhado quanto às responsabilidades que assumiram, às diferentes tarefas que executaram, bem como toda a parte tecnológica associada a isso”, garante. Sugere que escrevam “as ferramentas, plataformas diárias e, se for necessário, linguagens de programação também”. Rafaela menciona também a importância das competências linguísticas, acrescentando que os candidatos “devem detalhar o nível em se encontram”.
Ricardo deixa duas dicas: pesquisa e foco. “Acho que é cada vez mais importante os candidatos procurarem informação, tentarem perceber o que é que as empresas procuram” – fala de vídeos de recrutadores na Internet, por exemplo. “E depois, a técnica de disparar para todo o lado não funciona”, afirma. Hoje há várias plataformas que permitem enviar várias candidaturas ao mesmo tempo, mas essa é, para Ricardo, a estratégia errada. “Em vez disso, acho que se devem focar numa posição, definir isso bem e canalizar todos os esforços nessa direcção.”