Andrej Karpathy é uma rockstar da Inteligência Artificial (IA). Foi diretor do projeto Autopilot da Tesla e cofundador da OpenAI. Recentemente, participou no “Dwarkesh Podcast”, que convido desde já o leitor a ouvir. Recomendo também um episódio anterior, com Richard Sutton, outra figura incontornável em IA. Sutton foi recentemente galardoado com o prémio Turing, o “Nobel” das Ciências da Computação.
Algo que tanto Karpathy como Sutton partilham é a convicção que os Large Language Models (LLMs), os modelos que alimentam plataformas como o ChatGPT, são “um beco sem saída”. Relembro que o ChatGPT é uma plataforma de interação com um LLM por detrás, Na versão original do ChatGPT, interagimos com o GPT-3.5 (ou a família de variantes deste modelo). Hoje em dia é possível escolher algumas variantes, sendo o modelo mais recente o GPT-5. As declarações de “beco sem saída” de duas figuras tão importantes na área poderiam ter sido a estocada final que faz a temida mas provável bolha da IA rebentar. No entanto, como em tudo na vida, a realidade é mais complicada.
O sucesso viral do ChatGPT deve-se à sua interface simples, gratuita, e à capacidade de produzir respostas similares às de um humano, com uma boa dose de factor novidade, claro. Nos seus primeiros dois meses, o ChatGPT chegou aos 100 milhões de utilizadores, tornando-se o website com o crescimento mais rápido da história. A esta distância, as razões para o sucesso parecem simples, estando a facilidade de uso em relevo. Mas este sucesso em larga escala ainda não se manifestou num contexto empresarial. Um estudo do MIT conclui que 95% dos projetos piloto de IA em empresas falham. O número poderá parecer elevado, mas não é. Deve-se esta percentagem de falhanço à qualidade dos LLMs? Também não, na sua larga maioria. Vamos por partes.
Karpathy e Sutton têm razão quando dizem que os LLMs são um beco sem saída, mas apenas se estivermos a falar do caminho para a Inteligência Artificial Generalizada (AGI). Uma AGI é uma inteligência similar à humana: capaz de aprender, compreender o mundo e pensar de modo simbólico. Os LLMs, por seu lado, são arquiteturas extraordinárias, mas estão longe de serem considerados AGI. Assim como a máquina de escrever acelerou a escrita, a calculadora trouxe precisão e rapidez aos cálculos e a folha de cálculo permitiu o processamento de um volume de dados impensável, os LLMs abriram a porta a uma nova era de ferramentas de processamento de informação. Mesmo com uma bolha no horizonte que poderá destruir o modelo de negócio das Big Tech nesta área, ainda está quase tudo por fazer no contexto empresarial e estatal, e há sem dúvida projetos onde os LLMs aportariam valor. No entanto, sendo os LLMs condição necessária para esta nova era de informação, não são suficientes por si só. Para tirar verdadeiro proveito das capacidades dos LLM, é preciso algo que poucas empresas possuem: infraestrutura. É necessário, acima de tudo, capital humano qualificado. É fundamental que exista uma cultura sólida de governo de dados e de modelos de IA, para nos assegurarmos que as respostas dos modelos são fiáveis, seguras, e éticas. Crucial também será ter fluxos de informação bem definidos, dados catalogados, acessíveis e estruturados, e em conformidade com legislação como o RGPD e o EU AI ACT. Além disso, é preciso dominar a automação em larga escala. Eu posso colocar meia dúzia de documentos no ChatGPT e obter uma análise em minutos. Mas transformar isso num produto capaz de processar milhares de documentos de modo automático requer uma arquitetura de software complexa, segura e escalável. O LLM não é o bolo… é a cereja. O recheio é a infraestrutura de dados, a automação, e as pessoas que tornam a infraestrutura possível. Sem estes ingredientes, qualquer ideia promissora nasce condenada.
Se a bolha rebentar, as consequências económicas serão sérias e não é minha intenção menosprezá-las. Mas o pós-bolha, ou melhor, a fase de correção, já começa a desenhar-se, e não é necessariamente má. A história mostra que grandes bolhas tecnológicas costumam deixar legados profundos. Herdámos da bolha das dot-com a infraestrutura que hoje sustenta o nosso estilo de vida digital. Serviços de streaming, comércio eletrónico, e redes sociais talvez não existissem sem ela.
Há também o impacto educacional. O projeto Apollo, por exemplo, teve um impacto duradouro mas difícil de quantificar nas áreas de STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). O boom recente da IA pode estar a ter um efeito semelhante, inspirando uma nova geração de engenheiros e programadores. Outro legado imediato é a melhoria na qualidade do desenvolvimento de software. Projetos como a LangChain, uma biblioteca de código aberto que simplifica o desenvolvimento de aplicações baseadas em LLMs, mostra como os padrões de integração, controlo e fiabilidade evoluíram rapidamente. A fasquia subiu, e muito.
Talvez, no rescaldo desta nova bolha, surja uma geração de engenheiros capazes de realizar projetos numa escala que hoje ainda não conseguimos sequer imaginar. Mesmo que a bolha rebente, já estamos a construir a infraestrutura do futuro. O beco sem saída da inteligência artificial é o início da próxima revolução.