Luis Augusto Paim Rohde, da UFRGS, será homenageado em cerimônia nesta sexta-feira (24) nos Estados Unidos.Jeff Botega / Agencia RBS
O professor de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Luis Augusto Paim Rohde, 60 anos, receberá nesta sexta-feira (24) à noite um dos prêmios internacionais mais prestigiados da saúde mental.
Ele é um dos poucos latino-americanos reconhecidos com o Outstanding Achievement Prize, que homenageia trajetórias de realização excepcional em pesquisa na área, concedido pela Brain & Behavior Research Foundation, dos Estados Unidos, instituição de referência internacional.
Rohde ganhou o Prêmio Ruane de psiquiatria da infância e adolescência, uma das quatro áreas do Outstanding Achievement, que também contempla esquizofrenia, transtornos de humor e neurociência cognitiva.
Criado em 2000 pelos filantropos Joy e William Ruane, o prêmio reconhece importantes avanços na compreensão e no tratamento de transtornos mentais e comportamentais de início precoce. O valor é de US$ 50 mil (o equivalente a R$ 269 mil), e o vencedor é homenageado no International Awards Dinner, realizado em Nova York. As homenagens incluem a apresentação de um resumo da trajetória de pesquisa em um seminário.
Quem é Luis Augusto Paim Rohde
Além de professor de Psiquiatria na UFRGS, Rohde é coordenador-geral do Programa de Transtornos de Déficit de Atenção/Hiperatividade no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), vice-coordenador do Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento para Crianças e Adolescentes (INPD) e presidente da Associação Internacional de Psiquiatria Infantil e Adolescente e Profissões Afins.
É também professor da pós-graduação em Psiquiatria na Universidade de São Paulo (USP) e organizador de nove livros sobre saúde mental de crianças e adolescentes, somando 58 mil citações e mais de 450 artigos científicos publicados.
Rohde também participou do grupo de trabalho para definição dos critérios diagnósticos de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e Transtornos Disruptivos do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5). Em diversas ocasiões, sendo a última em 2023, figurou entre os pesquisadores mais citados do mundo.
Reconhecimento ao Sul Global
A homenagem premia o conjunto da obra de Rohde em psiquiatria do desenvolvimento, com foco principal na área de TDAH. Para o psiquiatra, o prêmio é um reconhecimento aos pesquisadores do chamado Sul Global e ao trabalho de formação de novos profissionais em saúde mental com relevância internacional.
— É o reconhecimento de que é possível fazer ciência de ponta, equiparável ao que é feito fora, ao que é feito em países desenvolvidos, no Brasil, na América Latina, com repercussão em termos de impacto internacional e de impacto nacional também — avalia.
Rohde é coordenador-geral do Programa de Transtornos de Déficit de Atenção/Hiperatividade no Hospital de Clínicas de Porto Alegre.Jeff Botega / Agencia RBS
Diversas contribuições significativas, por meio de pesquisas inovadoras, levaram ao reconhecimento. Um estudo, por exemplo, demonstrou que as diferenças de prevalência de TDAH entre países eram devidas a fatores metodológicos dos estudos, e não a questões culturais — tornando-se um dos mais citados a respeito do transtorno no PubMed. Em outro estudo, a equipe mostrou que a prevalência não sofreu alterações em 30 anos, e sim a procura por atendimento.
— As pessoas estão reconhecendo mais o TDAH — pontua.
Outras contribuições científicas envolvem o mapeamento das trajetórias do TDAH, mostrando a possibilidade de início tardio (na adolescência ou idade adulta) em cerca de 20% dos casos; e o desenvolvimento de uma calculadora de risco para predizer a persistência do TDAH na idade adulta.
Excesso de diagnósticos, aumento de transtornos mentais
Em relação à saúde mental de crianças e adolescentes, as principais preocupações do psiquiatra envolvem o grande aumento nos diagnósticos de transtorno do espectro autista (TEA) – resultado da expansão dos critérios, o que suscita questões sobre a dificuldade em delimitar quando há, de fato, transtorno, bem como sobre o risco da banalização do diagnóstico. Embora a expansão tenha permitido fornecer atendimento a pessoas que necessitavam, o professor defende a necessidade de definir melhor os critérios.
Há também uma séria preocupação com o grande aumento de quadros de ansiedade, depressão e uso de substâncias em jovens no período pós-pandemia. Os transtornos mentais, em geral, representam a maior carga de doenças em jovens.
— Hoje sabemos que os transtornos mentais são doenças crônicas dos jovens. Cerca de 75% ou 80% dos transtornos mentais de adultos têm início na infância e adolescência — ressalta.
Em relação ao TDAH, o pesquisador gaúcho entende que a multiplicação de avaliações clínicas apressadas e superficiais tem levado à banalização do diagnóstico, pois não conseguem verificar se os sintomas são frequentes e causam prejuízo funcional.
Outro desafio relevante é a qualidade da informação que chega à população, principalmente por meio das redes sociais — menos de 50% do conteúdo sobre TDAH em plataformas como TikTok é preciso.
Novas perspectivas de trabalho
O foco do pesquisador, agora, está voltado a intervenções para TDAH. Um estudo com universitários busca determinar se de fato há eficácia em acomodações acadêmicas, como tempo extra para provas, para estudantes com TDAH, e qual seria o tempo ideal.
Outra pesquisa investiga o uso do exercício físico aeróbico, de forma gamificada e com óculos de realidade virtual, como possível estratégia para melhorar a atenção e a função executiva em pacientes com TDAH.
Como presidente da Associação Mundial de Psiquiatria da Infância e Adolescência e Profissões Afins, Rohde está envolvido no desenvolvimento de um instrumento global, gratuito, para padronizar a avaliação de saúde mental de crianças e adolescentes, já que há instrumentos diferentes em uso em cada país.
O grande passo que demos em termos de pesquisa foi estabelecer projetos colaborativos.LUIS AUGUSTO PAIM ROHDE
Professor de Psiquiatria da UFRGS
A criação e a avaliação de intervenções digitais para enfrentar o aumento de quadros de ansiedade e depressão também estão entre as prioridades da entidade. A associação tem buscado, ainda, desenvolver programas educacionais em saúde e ciência para que influenciadores que abordam o assunto possam transmitir informações corretas e confiáveis.
Outras áreas de pesquisa do grupo no qual o professor está inserido incluem a genética molecular do TDAH (genes de suscetibilidade) e intervenções não farmacológicas, como neuroestimulação, além do acompanhamento da coorte (conjunto de pessoas monitoradas em um estudo) de alto risco para transtornos psiquiátricos brasileira para estudar a trajetória dos transtornos mentais.
— O grande passo que demos em termos de pesquisa foi estabelecer projetos colaborativos. Trabalhar com quem trabalhava em excelência em pesquisa aqui. E, a partir daí, com os times de excelência no mundo — frisa. — Hoje, não se faz ciência sozinho. Ciência se faz em cooperação. Então, é saber trabalhar cooperativamente que te faz conseguir ter resultados que realmente impactem a realidade das pessoas.