Figueiredo, de 47 anos, faz parte uma equipa de seis pessoas da organização “UK Antarctic Heritage Trust” (UKAHT) que vão viver e trabalhar na ilha de Goudier, cuja área equivale a um campo de futebol. A partida está prevista para segunda-feira. “Obviamente, há sempre um grau de apreensão, mas é uma daquelas oportunidades únicas. Estou muito entusiasmado e a contar os dias. Eu considero-me um enorme sortudo”, afirmou à agência Lusa.
Para Tiago Figueiredo, esta vai ser uma experiência completamente nova e muito diferente da profissão de consultor empresarial. Natural de Lisboa, Figueiredo vive no Reino Unido desde 2012, onde o fascínio pela época dos descobrimentos portugueses, nos séculos XIV e XV, levou-o a interessar-se pelos feitos de exploradores britânicos dos séculos XIX e XX, como Ernest Shackleton e Robert Scott. “Eu nunca aprendi sobre nada disto na escola. Comecei a ler muito sobre o assunto, a pesquisar e a desenvolver um desejo distante de um dia lá ir”, contou.
A oportunidade surgiu após a mulher, Raquel, lhe reencaminhar um anúncio de emprego invulgar. O UKAHT é uma organização filantrópica britânica responsável por vários locais na Antártica, incluindo Port Lockroy, uma antiga base militar estabelecida em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial. Todos os anos, uma nova equipa é enviada para inventariar a colónia de mais de mil pinguins-gentoo na ilha, sobretudo dos ovos e das novas crias.
A missão coincide com o período do verão austral e do degelo natural, aproveitado pelas aves para o processo de reprodução. O estudo tem como objetivo avaliar a qualidade de vida e de sobrevivência dos pinguins.
O posto de correio mais a sul do planeta e o museu são essencialmente visitados pelo número limitado de turistas transportados por cruzeiros e autorizados a entrar na ilha. Ainda assim, são enviados de Port Lockroy dezenas de milhares de cartas e postais.
Os membros da equipa da UKAHT têm também a responsabilidade de ir a bordo dos navios para fazer palestras sobre a história da ilha, sobre a sua missão e sensibilizar para a importância do trabalho de conservação da Antártica.
Tendo em conta que o acesso a água, energia e comunicações será limitado, Figueiredo espera aproveitar aquelas ocasiões “para tomar um banho quente, porque na ilha não há água corrente, e para ter uma refeição sem ser de lata”.
O português teve formação de sobrevivência, no caso de acidente ou intempérie, e de primeiros socorros, incluindo fazer reanimação, dar injeções ou fazer um cateterismo.
Aprendeu também a operar o posto de correios e a manusear artefactos históricos guardados no museu, nomeadamente objetos usados pelos ocupantes ao longo de oito décadas.
Na loja, vendem-se lembranças como t-shirts, canecas ou ímans para o frigorífico, com a particularidade de ser “talvez o único sítio onde se pode comprar alguma coisa na Antártica”.
As receitas são importantes para financiar o funcionamento e a manutenção dos edifícios.
Deixar a família para trás, da qual vai estar afastado na época natalícia, será difícil para Figueiredo, que só aceitou depois de ser “autorizado” pela mulher e duas filhas.
O trabalho vai ser remunerado e as viagens e despesas pagas, mas, para o lisboeta, esta é, sobretudo, a “concretização de um sonho”.
Além de muitas fotografias de pinguins e da paisagem inóspita, no regresso, Tiago Figueiredo está preparado para compensar pela ausência. “Tenho perfeita noção que, quando voltar, vou ter que fazer o que me mandarem e pronto”, graceja.
Figueiredo será o primeiro português a integrar uma missão da UKAHT, que este ano inclui vários membros repetentes e Amanda Barry, cujo pai esteve ali destacado em 1948. Três dos membros serão substituídos no final de dezembro. No início de janeiro vão juntar-se três carpinteiros para realizar trabalhos de reparação da estrutura dos edifícios de madeira pela água e neve. Também estão previstas intervenções na infraestrutura elétrica e de comunicações.
Figueiredo é um dos poucos estreantes e vai permanecer a temporada inteira. “Eu preferi ficar, já que a viagem de 14 mil quilómetros é longa. Pensei, já que vou, mais vale ficar o tempo todo. Espero não me arrepender”, disse.
Leva na mala roupas e calçado quentes para aguentar as temperaturas negativas, alguns livros, chocolates, “café do bom”, fotografias da família e material para fazer presentes de Natal para os companheiros de aventura.