
O consumo de bacalhau em Portugal pode estar em risco devido às sanções económicas aplicadas a Moscovo pela UE, e à redução da quota de pescado. Diz-se que o bacalhau que nos chega à mesa vem da Noruega, mas na realidade a Rússia é a principal origem mundial de bacalhau.
O bacalhau, produto emblemático da gastronomia portuguesa e presença obrigatória nas mesas natalícias, pode tornar-se um luxo inacessível para muitas famílias este Natal.
As sanções económicas impostas nos últimos anos pela União Europeia à Rússia estão a provocar uma crise sem precedentes na indústria bacalhoeira nacional, colocando em risco não apenas o abastecimento, mas também centenas de postos de trabalho.
A situação, que já no ano passado ameaçou esta tradição natalícia, agravou-se significativamente desde janeiro de 2024, altura em que entraram em vigor novas tarifas de 12% sobre a importação de bacalhau congelado russo.
Porém, o golpe fatal chegou em maio, com o 17º pacote de sanções da UE, que incluiu na lista negra duas empresas pesqueiras russas fundamentais para Portugal: a Norebo JSC e a Murman Sea Food. A primeira assegurava cerca de 60% do bacalhau exportado para o nosso país.
Jorge Camarneiro, vice-presidente da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME), explica à Euronews que “cerca de 90% de todo o bacalhau que Portugal importava para a indústria de transformação era proveniente da Rússia”.
Esta dependência remonta aos anos 90, quando o Canadá impôs uma moratória à pesca comercial na Terra Nova e Labrador, forçando a indústria portuguesa a reorganizar-se e a encontrar na Rússia uma alternativa viável.
Também a superioridade técnica russa no sector é incontestável. “A Rússia tem navios de maior porte, nos quais pescam, descabeçam, limpam e congelam a bordo”, explica Camarneiro. “São os únicos que têm matéria-prima para os portugueses. Ninguém tem os barcos de congelação, nem a capacidade de fazer isto que os russos fazem.”
As sanções europeias justificam-se por alegadas atividades de espionagem. Segundo a UE, as embarcações das empresas sancionadas participavam numa “campanha de vigilância patrocinada pelo Estado russo“, pairando suspeitamente junto a infraestruturas críticas no Mar do Norte e Mar Báltico.
Atualmente, Portugal depende principalmente da Noruega para o abastecimento, mas numa posição desvantajosa.
A Noruega, não sendo membro da UE, continua a negociar com empresas russas, comprando ao país matéria-prima, que transforma e revende a preços elevados. “Os industriais noruegueses compram a matéria-prima russa, transformam e vendem ao preço que quiserem”, denuncia Camarneiro.
As consequências são dramáticas para os consumidores portugueses. Nos últimos três anos, o preço do bacalhau disparou mais de 50%.
Segundo a Deco Proteste, 50 euros já só permitem adquirir três quilos do produto. Para Camarneiro, o bacalhau está a transformar-se no “bife da vazia” dos peixes – um produto premium inacessível à maioria das famílias.
Recentemente, numa reunião com o secretário de Estado das Pescas e do Mar, Salvador Malheiro, a CPPME apelou à criação de um regime de exceção para a importação de bacalhau. “Se muitos países têm regimes de exceção em relação ao petróleo e gás, no caso do bacalhau não há”, argumenta a confederação.
Com a aproximação do Natal, período tradicionalmente de maior consumo, a situação promete agravar-se, e os portugueses poderão ser forçados a fazer escolhas mais humildes: optar por postas mais finas — ou pelas badanas, prevê Camarneiro.