Uma reportagem publicada pelo Substack Sports Politika, do jornalista Karim Zidan, reconstrói uma das histórias mais insólitas envolvendo a arte moderna: o roubo de O Grito, obra de Edvard Munch, realizado por um ex-jogador.

O museu Munch, em Oslo, abriga mais de 1.200 pinturas, 18.000 gravuras, seis esculturas, além de 500 pratos, 2.240 livros e diversos outros itens em 13 andares. É considerado um dos maiores acervos dedicados a um único artista do mundo.

“As várias versões de O Grito — uma pintura, um desenho e uma gravura — estavam guardadas em uma sala própria e mal iluminada no museu. Como Munch havia criado cada versão em papelão ou papel, elas eram mais frágeis do que pinturas a óleo sobre tela. Portanto, as obras se alternavam a cada 30 minutos; uma estava sempre visível, enquanto as outras duas permaneciam na escuridão”, conta Zidan.

Um vilão improvável

Em 1994, durante os Jogos Olímpicos de Inverno de Lillehammer, dois homens invadiram a Galeria Nacional de Oslo e, em 50 segundos, levaram a pintura. Deixaram um bilhete debochado: “Obrigado pela péssima segurança”. A coincidência com a abertura das Olimpíadas transformou o episódio em um escândalo internacional, obrigando a Noruega a pedir apoio da Scotland Yard para recuperar a obra.


O responsável pelo assalto era um nome improvável. Pål Enger, ex-jogador do clube Vålerenga, havia sido o autor do delito. Depois, foi descoberto que mesmo enquanto atuava como atleta, Enger cometia pequenos furtos.

Sua fascinação por O Grito nasceu durante uma excursão escolar, quando o jovem reconheceu na pintura o reflexo do trauma que o acompanhava desde a infância, marcada pelo ambiente opressivo em que cresceu e pela violência sofrida nas mãos do padrasto.

Furto por engano

Antes de roubar a obra-prima, como conta Zidan, Enger tentou furtá-la em 1988, mas acabou levando outra pintura de Munch, Vampiro. Ele a escondeu no teto de um salão de bilhar frequentado por policiais. “Eles não sabem que está pendurado a apenas um metro deles”, contou, anos depois, no documentário The Man Who Stole The Scream. O disfarce durou pouco: foi preso após a delação de um cúmplice e passou quatro anos planejando o crime que o tornaria célebre.

Quando o plano de levar O Grito foi executado, em 1994, Enger coordenou o roubo à distância. Enquanto o mundo assistia à abertura das Olimpíadas, um morador de rua contratado por ele levou a obra. “Senti o poder”, confessou.

O caso foi resolvido apenas após uma operação internacional, quando um agente britânico se disfarçou de negociante de arte. Enger acabou preso e condenado a seis anos e meio de prisão, a pena mais longa aplicada na Noruega por um crime desse tipo.

A pintura foi devolvida e exposta novamente, até ser roubada pela segunda vez em 2004, junto com Madonna e outra obra de Munch. Enger voltou a ser interrogado, mas não teve participação comprovada. As pinturas foram recuperadas no fim daquele ano e, hoje, uma das versões de O Grito está protegida no novo Museu Nacional de Oslo, com vista para o mar.

Após cumprir pena, Enger se reinventou como celebridade, participou de documentários e se tornou pintor. Morreu em 2024, aos 57 anos. Em sua última entrevista, no documentário de 2023, resumiu seu legado: “Fiz história, e é uma história legal”.