Os óculos vermelhos, a t-shirt de Miles Davis, as sapatilhas coloridas. Tudo em Carlos Teófilo Morais Furtado de Oliveira apela à irreverência, não obstante os 74 anos, ou qualquer mazela que o AVC lhe tenha deixado. “Tenho 74 anos mas não pratico”, começa por avisar, com um sentido de humor tão apurado que quase nos esquecemos de como é dramático viver com os efeitos de veias que entopem o cérebro.

Foi advogado e professor e, nas horas vagas, sempre se dedicou à comunidade, à intervenção cívica e associativa. Há dias, esteve atarefado com a organização do CineEco — Festival Internacional de Cinema Ambiental da Serra da Estrela, que se realizou entre 10 e 18 de outubro.

No dia 26 de janeiro de 2023 acordou às seis da manhã para ir nadar. Mal se levantou, sentiu que se desequilibrava. Voltou a deitar-se e a dormir mais um pouco mas, quando acordou de novo, mantinha-se o sintoma. Percorreu então a odisseia entre hospitais relatada pela mulher. Na Guarda, chegou a dizer à médica que “de certeza tinha tido um AVC”. Ela ignorou-o. Mas depois voltou atrás e perguntou-lhe por que dizia isso. “Porque eu toda a vida fui de esquerda, e agora caio para a direita.”

Quando finalmente chegou ao Hospital da Universidade de Coimbra era já de noite. Tinham passado mais de 12 horas desde os primeiros sintomas, inviabilizando o sucesso da reversão do trombo — que deve acontecer nas primeiras horas. Feito o diagnóstico correto, Carlos Teófilo ficou alguns dias nos cuidados intensivos, depois no internamento. “Fiz muita fisioterapia, depois natação — e na tacinha, porque nunca deixei de beber o meu copo de vinho”, sublinha. De resto, explica sempre a toda a gente que é portador do “kit Teófilo: queijo, pão e vinho do Dão”. Mas deixou de fumar, faz hoje um controlo da diabetes que não fazia e, mesmo com os excessos que o caracterizam, tem algum cuidado.

A convalescença na UCCI foi o que mais lhe custou, “por causa das regras”. “Aquilo havia horas para tudo, não pode fazer isto, temos de fazer aquilo. Ora, eu só estive preso uma vez, antes do 25 de Abril, não podia sentir-me preso novamente”, relata. “Eu estava lá para fazer fisioterapia, mas estava com os velhinhos todos. Como se fosse um Lar”, acrescenta, ele que passou a receber as visitas dos amigos “na capela, entre anedotas ‘picantes’”. Na verdade, demorou-se lá pouco mais de um mês. Reconhece a importância da fisioterapia — que continua a fazer — mas aponta o dedo “às regras, sobretudo para pessoas que estão lúcidas, como era o meu caso”.

“Estive sempre bem-disposto, nunca me senti deprimido. Nunca fui dado a isso, e mentalizei-me que tinha mesmo de me recuperar, para ter a minha autonomia de volta.” Na Santa Casa da Misericórdia ainda hoje se lembram do feito inédito: Carlos chegou em março, dois dias antes do Dia Internacinoal da Mulher. “Perguntaram-me se queria fazer umas flores, tipo trabalhos manuais. E fiquei escandalizado. Ora eu, que toda a vida comprei flores para oferecer, encomendei flores de verdade na florista. Eram túlipas, para dar às 42 mulheres que ali trabalham.”

Carlos Teófilo continua a apreciar nas pequenas coisas a beleza da vida. A casa da quinta onde mora é sempre uma porta aberta para os amigos. No escritório amontoam-se livros e discos a perder de vista, pósteres de cinema, e retalhos da (sua) vida, como ela é.

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