O antigo CEO da Stellantis Carlos Tavares acaba de lançar um novo livro, no qual contraria as teses sobre a sua saída, afirma que as operações do grupo em França, Itália e EUA podem ter de seguir caminhos separados se a fabricante não conseguir resistir às pressões de várias partes interessadas nas suas bases de origem e vaticina que a indústria automóvel chinesa será a “salvadora” de fábricas e empregos europeus — mas que isso representará a morte de alguns fabricantes ocidentais.
“Estou preocupado que o equilíbrio entre Itália, França e os EUA se rompa” dentro da Stellantis, diz Tavares num livro publicado na quinta-feira em França e citado pela Bloomberg. De acordo com o gestor português, de 67 anos, a sobrevivência do grupo como empresa independente dependerá da atenção “diária” da administração à unidade, dado o risco de ser puxado em várias direcções.
A Stellantis foi formada pela fusão da Fiat Chrysler e da PSA, acordada em 2019 e estabelecida dois anos depois, resultando numa espécie de império de 14 marcas, entre as quais Alfa Romeo, Citroën, Jeep, Opel, Peugeot ou Maserati. Mas, aponta Tavares, o facto de haver vontades e realidades tão distintas dentro do mesmo bolo faz com que a sua gestão seja complexa, sobretudo numa altura em que a procura de automóveis parece estagnar, os fabricantes chineses se tornam mais agressivos e as tensões geopolíticas aumentam.
Tavares demitiu-se em Dezembro, após perdas acentuadas de quota de mercado nos EUA e na Europa. Mas não foram apenas os lucros a ditar a saída: sob a sua liderança, a Stellantis transferiu operações de produção e engenharia para países de baixo custo, o que provocou a oposição dos sindicatos e irritou sobretudo o Governo italiano — o que até acabou por determinar a mudança de nome de um modelo da Alfa Romeo (de Milano para Junior).
Além disso, avalia a Bloomberg, o foco exclusivo na redução de custos, nomeadamente no corte de postos de trabalho, levou a erros em termos de qualidade, preços e gamas de produtos. Mas, no livro, Tavares contesta a descrição dos acontecimentos que levaram à sua saída da empresa. E os representantes da Stellantis recusaram-se a comentar o seu livro.
Autor: Carlos Tavares
Editora: Plon
Data de lançamento: 23/10/2025
Francês, 240 pág.
“Com a minha saída, não tenho a certeza de que os interesses franceses que sempre tive no coração — acreditem ou não — serão tão bem defendidos”, diz Tavares no livro. Certo é que, já sob a gestão de Antonio Filosa, que assumiu o comando em Junho após uma busca de meses, a Stellantis suspendeu temporariamente, neste mês, a produção em várias fábricas na Europa, sem sinais optimistas: Filosa disse aos sindicatos italianos que serão necessárias regras mais flexíveis da União Europeia sobre a redução de emissões antes que a produção local possa mostrar sinais de recuperação. E, paralelamente, tendo de lidar com as consequências das tarifas do Presidente dos EUA, Donald Trump, já descartou alguns investimentos europeus e prometeu investir 13 mil milhões de dólares (11.145 milhões de euros) nos EUA, lembra a Bloomberg.
China, herói sem capa
As medidas anunciadas por Filosa geraram preocupações entre os sindicatos em França e Itália, sobretudo por as nomeações executivas do novo CEO virem principalmente das fileiras da antiga Fiat Chrysler, com experiência na América Latina, onde Filosa trabalhou por anos.
Mas, para Carlos Tavares, a Europa pode acalentar a esperança de ver as suas fábricas a laborar e os empregos salvos. Isto porque, segundo elaborou em entrevista ao Financial Times, os fabricantes de automóveis chineses acabarão por ser os “salvadores”, numa aquisição gradual que acelerará o fim de alguns fabricantes ocidentais.
Numa espécie de futurologia pouco abonatória para os grupos automóveis europeus, que enfrentam regulamentações rigorosas sobre emissões, a guerra comercial global e mudanças nas políticas de electrificação, Tavares considerou que, nos próximos dez a 15 anos, os fabricantes de automóveis chineses farão novas incursões na Europa, acumulando participações de capital ou comprando fábricas à beira do encerramento.
“Há muitas janelas interessantes a abrir-se para os chineses”, disse Tavares ao jornal económico. “No dia em que um fabricante de automóveis ocidental estiver em sérias dificuldades, com fábricas à beira do encerramento e manifestações nas ruas, um fabricante de automóveis chinês virá e dirá: ‘Eu fico com isso e mantenho os empregos’, e eles serão considerados salvadores.”