Sim, Bohemian Rhapsody era tão complicada de gravar como parece. Segundo o produtor Roy Thomas Baker, falecido em abril deste ano, foi a loucura total, mas uma em que não paravam de rir de cada vez que acrescentavam mais uma parte. Sentado ao mesmo piano C. Bechstein em que Paul McCartney terá gravado Hey Jude, Freddie Mercury conduzia as operações, acrescentava mais um “Galileo”, mais uma ideia. Limitados pela tecnologia de então aos gravadores de 24 pistas, foram necessárias muitas misturas, muito corta-e-cola, muitos overdubs, diferentes sítios e diferentes equipamentos para gravar diferentes secções, mas, no fim, estava feita a obra (tão complexa que, na verdade, nunca a conseguiriam tocar ao vivo na íntegra, com a parte da ópera a ter de ser sempre assegurada por um playback – assumido).

Lançada em single a 31 de outubro de 1975, levando no lado B I’m in Love with My Car, depressa faria desaparecer os receios da EMI: chega a número um do top de vendas do Reino Unido e por lá fica durante nove semanas, coisa que não se (ou)via desde o Diana de Paul Anka, 18 longos anos antes. Por lá passa o Natal, vende um milhão de cópias naqueles dois breves derradeiros meses de ‘75 e só é destronada já no ano novo, curiosamente por Mamma Mia, dos Abba (bem que Mercury canta “Oh, mamma mia, let me go”. E ela, pelos vistos, deixou). Com o tempo, tornar-se-ia na única canção de sempre a passar dois Natais na liderança do top britânico, quando, depois da morte de Mercury em novembro de 1991, regressasse ao topo das vendas e por lá ficasse mais cinco semanas, num total de 14, só igualado ou ultrapassado por cinco outras canções ao longo da história: I Believe, de Frankie Laine, 18 semanas em 1953, (Everything I Do) I Do It For You, de Bryan Adams, 16 semanas em 1991, Love is All Around, dos Wet Wet Wet, 15 semanas em 1994, One Dance, de Drake, 15 semana sem 2016, e Shape of You, de Ed Sheeran, em 2017.

Teve nova vida em 1992, quando Mike Myers insistiu em levá-la para dentro de Wayne’s World e transformá-la no momento mais memorável do filme, transplantando-a diretamente para a geração MTV enquanto, com Dana Carvey e os amigos, a curtiam ao ritmo do headbanging típico dos metaleiros de fim de século:

E ainda outra quando, em 2018, deu nome ao filme de Bryan Singer, protagonizado por Rami Malek, que ganharia quatro óscares e se tornaria o biopic musical mais rentável de sempre: qualquer coisa como mil milhões de dólares em receitas de bilheteira globais (e já agora, em que, numa boa piscadela de olho à história, Mike Myers encarna o executivo da EMI que fica chocado com a duração da faixa e garante que jamais os miúdos sacudirão a cabeça ao som daquilo):

Um número incontável de artistas aventurou-se a tocá-la e reinterpretá-la ao longo de meio século, incluindo os Marretas, cuja versão de 2009 conta até hoje com o modesto número de 192 milhões de views no YouTube:

Bohemian Rhapsody é hoje o terceiro single mais vendido da história do Reino Unido, só batido pela versão de Candle in the Wind lançada por Elton John depois da morte da princesa Diana, e Do They Know it’s Christmas, do projeto solidário Band Aid. Mas muito mais do que isso: é a canção do século XX mais ouvida de sempre nas plataformas de streaming (quase 3 mil milhões de audições só no Spotify) e o mais antigo videoclip a ultrapassar o milhar de milhão de visualizações no YouTube (hoje, à beira dos dois mil milhões). Em 2012, os leitores da Rolling Stone elegeram-na como a melhor performance vocal da história do rock – e há vídeos de Kanye West nessa admirável internet a provar isso mesmo.

Quer isto dizer que, ultrapassados os receios da EMI, Bohemian Rhapsody foi um caso de aclamação instantânea? Oh, não. Nada disso. Não se esqueça dos críticos. Já havia críticos em 1975.