O mundo do automobilismo está a ser palco de um intenso debate sobre transparência e democracia, impulsionado pela ação judicial movida por Laura Villars contra a Federação Internacional do Automóvel (FIA). Este caso levanta questões cruciais sobre a integridade do processo eleitoral da organização, com potenciais repercussões significativas para o futuro da governação desportiva global.

Quem é Laura Villars?

Laura Villars, uma piloto suíço-italiana de 28 anos, é uma figura notável no desporto motorizado, tendo anteriormente desempenhado funções como comissária na Fórmula 1. Em setembro de 2025, Villars anunciou a sua candidatura à presidência da FIA, prometendo uma abordagem renovada e mais transparente à liderança da federação.

O problema: uma eleição sem oposição de facto

As eleições para a presidência da FIA estão agendadas para 12 de dezembro de 2025. Contudo, o que se esperava ser um processo democrático com múltiplas candidaturas, transformou-se numa situação peculiar onde apenas Mohammed Ben Sulayem, o atual presidente oriundo dos Emirados Árabes Unidos, parece reunir as condições para concorrer.

A regra dos Vice-Presidentes e o impasse

A raiz do problema reside nas regras eleitorais da FIA, que exigem que cada candidato à presidência apresente uma lista de sete vice-presidentes, representando diferentes regiões globais: dois da Europa, e um de cada das regiões Ásia-Pacífico, Médio Oriente/Norte de África, América do Norte, América do Sul e África.

A dificuldade surge na região da América do Sul. De acordo com a lista oficial de 29 membros do Conselho Mundial, existe apenas uma candidata viável para a posição de vice-presidente da América do Sul: Fabiana Ecclestone, casada com Bernie Ecclestone, antigo chefe da Fórmula 1.

Fabiana Ecclestone, no entanto, já se encontra inscrita na lista de Mohammed Ben Sulayem. Esta situação, de facto, inviabiliza que qualquer outro candidato consiga formar a sua própria lista eleitoral, criando um cenário de eleição sem oposição efetiva.

Reações e retiradas de candidatura

A perceção de um processo eleitoral comprometido levou a reações fortes por parte de outros potenciais candidatos. Tim Mayer, um ex-comissário e filho do antigo chefe da McLaren, Teddy Mayer, retirou a sua candidatura há duas semanas. Mayer acusou publicamente a FIA de promover uma “ilusão de democracia” e de violar princípios éticos fundamentais.

Nas suas críticas, Mayer afirmou: “Na América do Sul, apenas uma pessoa se candidatou ao Conselho. Na África, apenas duas. Todos estão ligados ao atual presidente. O resultado é simples: ninguém além do presidente atual pode concorrer dentro do sistema da FIA.”

Ação judicial de Laura Villars

Perante este cenário, Laura Villars tomou uma medida drástica: interpôs um processo no Tribunal Judicial de Paris com o objetivo de suspender as eleições agendadas para 12 de dezembro de 2025. A primeira audição deste caso está marcada para 10 de novembro de 2025.

A base legal para a ação de Villars assenta no Artigo 1.3 dos estatutos da FIA, que compromete a organização a manter “os mais altos padrões de governação, transparência e democracia”. Uma vez que a FIA é uma associação sujeita à lei francesa e tem a sua sede em Paris, o tribunal francês possui jurisdição sobre o assunto.

O argumento de Villars é claro e incisivo: “Esta ação é responsável e construtiva para salvaguardar a transparência, ética e pluralismo. Não ajo contra a FIA; ajo para a proteger. A democracia não é uma ameaça à FIA; é a sua força.”

Possíveis resultados da ação judicial

O desfecho desta ação judicial poderá ter consequências profundas para a FIA:

Se Villars ganhar: As eleições de dezembro poderão ser suspensas, aguardando uma investigação aprofundada e potenciais reformas de governação. Se a investigação se estender para além de dezembro, Mohammed Ben Sulayem permaneceria num “mandato de gestão” (caretaker), sem a capacidade de tomar decisões significativas.

Se a FIA ganhar: As eleições prosseguiriam em 12 de dezembro, com Ben Sulayem como o único candidato. No entanto, a legitimidade e a natureza “democrática” do processo eleitoral da FIA permaneceriam sob escrutínio e questionamento.

Contexto de tensão na FIA

O caso de Laura Villars não é um incidente isolado, inserindo-se num contexto mais amplo de tensões e críticas à governação da FIA. David Richards, presidente do órgão britânico de automobilismo, já tinha ameaçado com ações legais contra a federação, citando uma “erosão da responsabilização” sob a liderança de Ben Sulayem.

Richards foi inclusive excluído de reuniões por se recusar a assinar novos acordos de confidencialidade (NDAs), que ele descreveu como “ordens de silêncio”.

Conclusão

A ação de Laura Villars é um marco significativo que expõe falhas estruturais graves na governação da FIA. A audição de 10 de novembro de 2025 é, portanto, um momento crítico. Se o tribunal de Paris aceitar os argumentos de Villars, poderemos estar à beira de uma reformulação importante da organização.

Caso contrário, a questão inquietante persistirá: como pode a maior federação de automobilismo mundial operar com um processo eleitoral que, na prática, exclui toda a oposição – seja ela qual for – e mina os princípios democráticos que se propõe a defender?

A integridade das instituições desportivas é fundamental para a sua credibilidade e para a confiança dos seus membros. A forma como a FIA irá lidar com estes desafios de governação e transparência será determinante para a sua reputação e para o futuro do automobilismo global. Este caso sublinha a importância de mecanismos de controlo e equilíbrio, mesmo em organizações aparentemente monolíticas, para garantir que os princípios de justiça e igualdade prevaleçam.