A provedora do Exército de Israel, Yifat Tomer-Yerushalmi, anunciou esta sexta-feira a sua demissão na sequência da divulgação de um vídeo que mostra militares israelitas a levar um prisioneiro para um canto e, escondendo-se atrás de escudos antimotim, a torturá-lo durante 15 minutos.

O caso, divulgado no Verão do ano passado, levou a que os militares envolvidos fossem detidos para serem questionados. Indignada com a situação, uma multidão, que incluiu deputados e pessoas armadas, levou a cabo uma invasão desse centro de detenção e de uma outra base militar para tentar evitar a detenção dos soldados.

O prisioneiro teve de ser sujeito a tratamento hospitalar com lesões graves, suspeitando-se de que tivesse sido sodomizado com um objecto. Tinha sete costelas partidas, um pulmão perfurado, o recto lacerado e hemorragias internas, tendo sido sujeito a cirurgia e uma colostomia.

Cinco reservistas estão a ser acusados de terem dado pontapés e pisado o detido, arrastando-o pelo chão, dado choques com uma taser, incluindo na cabeça, enquanto ele estava algemado e de olhos vendados. Na acusação não estão mencionadas as suspeitas de violação.

No Parlamento, o caso deu origem a uma discussão sobre se, quando questionado, seria aceitável atacar um detido, por exemplo, “inserindo um objecto no seu recto”, e em que um deputado do Likud, Hanoch Milwidsky, respondeu: “Sim. Se for Nukhba [unidade de elite da ala militar do Hamas], é legítimo fazer tudo. Tudo.”

A investigação passou das autoridades militares para civis e centrou-se entretanto em quem teria passado o vídeo ao canal 12 da televisão israelita. O vídeo tinha sido divulgado uma semana depois das invasões das bases militares em apoio dos soldados.

Esta sexta-feira, Yifat Tomer-Yerushalmi (cujo cargo, de provedora geral, ou auditora, não tem equivalente nas Forças Armadas portuguesas) declarou, na sua carta de demissão, que ela própria aprovou a divulgação do material, “numa tentativa de contrariar a propaganda falsa dirigida contra as autoridades legais”.

A questão tinha-se tornado num motivo de tensão política entre o establishment militar e jurídico e os líderes de direita que defendem os soldados acusados, descreve o site Ynews, do diário Yediot Ahronot.

O Haaretz sugere que, com base neste novo desenvolvimento, membros do círculo do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, estão a preparar um ataque em grande escala ao sistema judicial para obter vários objectivos interligados: consolidar a base na preparação das legislativas do próximo ano, enfraquecer os juízes e procuradores no processo judicial contra o primeiro-ministro e continuar os esforços para afastar a procuradora-geral, Gali Baharav-Miara.

Campo de tortura sádica

O centro de detenção de Sde Teiman, no Negev, foi um centro até dada altura secreto. Denúncias de médicos israelitas a trabalhar lá trouxeram-no à atenção pública.

Era nesta base que eram feitos os primeiros interrogatórios aos palestinianos que o Exército israelita prendeu na Faixa de Gaza desde 7 de Outubro. E era um local de tortura, onde os palestinianos perdiam “tudo o que faz deles humanos”, como disse um médico que trabalhou no local.

Com algemas tão apertadas que, não raras vezes, havia amputações, muitos detidos estavam confinados a uma cama, com fraldas e olhos vendados. “Qualquer pessoa que tenha estado em Sde Teiman sabe que é um campo de tortura sádica. Os detidos entravam vivos e saíam em sacos [de cadáveres]”, disse, em Maio, um reservista ao diário Haaretz.

A investigação deste caso focou-se no alegado acto de sodomia, mas o “inferno” que este local é vai muito para além disso. “Vi pessoas entrarem lá com ferimentos de guerra e ficarem semanas à fome sem qualquer tratamento”, contou. “Muitos não eram combatentes da Nukhba, eram pessoas de Gaza que foram detidas para interrogatório, e libertadas depois de abusos graves, quando se percebia que eram inocentes.”

“Não é de admirar que pessoas morressem ali. O que é de admirar é que sobrevivessem”, concluiu.

O Haaretz sublinha que não houve quaisquer conclusões das investigações “bastantes limitadas” às condições de detenção de palestinianos em bases militares e nos serviços prisionais de Israel desde 7 de Outubro de 2023.

“Não houve medidas disciplinares ou criminais contra os envolvidos, apesar de fortes provas dadas pelos próprios prisioneiros e relatórios de organizações internacionais”, escreve o diário israelita, recordando que, segundo fontes palestinianas, morreram pelo menos 80 prisioneiros sob custódia de Israel durante a guerra em circunstâncias suspeitas, a maioria logo no início da guerra.