Uma noite que teve de tudo: houve reviravolta histórica, festejos, abraços, choro, uma presidente a invadir a conferência e um Abel condecorado como “o melhor da história” do clube de São Paulo. Tudo pela mão do Abel que o próprio Abel lembra que “nunca foi o melhor aluno da escola, que nunca foi o melhor jogador de futebol, que não é o melhor treinador”

O Palmeiras está na final da Libertadores, onde vai defrontar os rivais do Flamengo. Mas antes disso houve uma “noite histórica”, daquelas que nos relembram que 22 homens a correr atrás de uma bola é bem mais do que isso.

Para que se perceba o contexto, é preciso regressar-se à passada sexta-feira, o dia em que o Palmeiras foi ao Equador para ser quase humilhado pelo LDU Quito e regressar com uma derrota por 3-0 na primeira-mão da meia-final da competição.

Para estar a ler este artigo já deve ter percebido o que aconteceu. Minuto 20 e Ramón Sousa marca o primeiro do Palmeiras, minuto 45 foi Bruno Fuchs e, as 68’ e 81’, houve bis de Raphael Veiga. Tal qual uma tragédia grega, depois da abismal desilusão, o impensável aconteceu e houve apoteose entre os adeptos verde e brancos brasileiros nas bancadas do Allianz Parque.

Após o apito final, Abel Ferreira começou a aperceber-se daquilo que o Palmeiras havia acabado de fazer. Um jogador abana-o e abraça-o, o técnico parece ainda não acreditar até que, de repente, desata a correr em direção à sua equipa técnica. Houve mais abraços, muitos abraços, até que Abel desabou em lágrimas enquanto é filmado pela transmissão televisiva em grande plano.

Na conferência após o jogo, Abel explicou a emoção com o “alívio”. “Não consigo desfrutar das vitórias, porque sinto que todos os dias tenho de estar a provar o lugar que eu mereço”, explicou o técnico, reconhecendo que “não tem de provar nada a ninguém”, mas: “Todos os dias tenho de o provar a mim mesmo, ao meu grupo de trabalho, aos meus jogadores, que sou bom o suficiente para estar no cargo onde estou e representar um clube com 16 milhões de adeptos que esperam e que depositam todas as expectativas nas minhas mãos para que possam viver noites como estas”.

“Chorei e estou a chorar agora e não gosto de mostrar a minha parte fraca, mas é isso mesmo, esse alívio”, desabafa Abel Ferreira.

Em 90 minutos, Abel tornou-se rei e senhor no clube de São Paulo. Tudo, porque – qual Santiago Barnabéu – “90 minutos no Allianz Parque é muito tempo”, como avisou o técnico na conferência de imprensa não de pós, mas de pré-jogo.

“90 minutos é muito tempo no Allianz Parque.”
 

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— MANUAL DO JOGADOR RUIM (@oficialmanualjr) October 31, 2025

Contudo, houve um outro momento que sobressaiu – talvez por ser algo muito raro no futebol português. Depois do “vou embora” ainda no Braga, Abel Ferreira teve uma nova conferência de imprensa que promete ficar para a história, mas por motivos completamente dispares. Depois de falar durante 15 minutos, o treinador português olha para a sua direita e não controla o sorriso que fazia antever o que aí vinha.

“Posso interromper um minutinho…”, ouve-se na transmissão. A voz é de uma mulher. Abel responde: “Pode”. A voz conclui: “… este momento histórico, mágico e que tem de ser documentado?”, questiona Leila Pereira, a presidente do Palmeiras.

O técnico levanta-se para um abraço, um beijo e um “parabéns Abel”. “Ele sabe o que ele faz”, começa por dizer Leila Pereira, agora já diretamente para as câmaras: “Ele falou ‘Leila, hoje será uma noite histórica, mágica’, e foi realmente”.

“Abel, obrigada. É o maior técnico da história do Palmeiras, sem dúvida absolutamente nenhuma”, diz a presidente do histórico emblema brasileiro, lembrando que o português já sabia que era assim que o via e que “sempre, sempre apoiou nos momentos positivos e nos momentos difíceis”.

Leila Pereira interrompeu a coletiva de Abel Ferreira para agradecê-lo pela classificação a final da Copa Libertadores.

“O maior técnico da história do Palmeiras. Realmente você tinha razão: foi uma “noite mágica.”
 

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“Agora estou a falar como presidente do Palmeiras e como Leila Pereira. A gratidão que eu tenho pelo seu trabalho, pela pessoa que você é e por tudo o que você proporcionou a mim e a milhões de torcedores… isso não tem preço. Seremos eternamente gratos”.

“Desculpa, gente, mas eu não aguentei e tive de entrar aqui”, culmina Leila Pereira, presidente do Palmeiras, após invadir a conferência de imprensa.

Já sem jeito, envergonhado e sem saber se se senta ou fica em pé, Abel responde: “Obrigado e até já, Leila”.

Na imprensa brasileira, a noite perfeita de Abel está em destaque e a ser descrita como uma “Virada histórica!”, pelo Lance!. A Globo, depois da reviravolta quase impossível,  diz que o “Palmeiras fez magia para golear LDU e ir à final”, enquanto a ESPN fala numa “vitória épica”.

E o que diria o Abel ao Abel ‘moleque’ que chegou ao Brasil?

Abel sorriu com a “boa pergunta” que lhe fizeram na conferência após o jogo. A questão transformou-se no reviver de meia década. Abel começou por lembra que “pai não acreditava que fosse sair de Portugal”, porque o Abel ‘moleque’ também já era muito apegado à família. A ideia inicial era ir “experimentar” durante “cinco meses”, mas depois apareceu o conselho do mítico Jesualdo Ferreira.

“Jesualdo Ferreira disse-me: ‘Pá, vem, vais gostar. O futebol brasileiro tem uma paixão diferente. As pessoas são doidas por futebol’. E a verdade é que eu sou muito grato”, recorda.

Abel lembrou a “escada que teve de subir” para chegar ao Palmeiras. “Eu não cheguei aqui como o Guardiola, não é?”, riem-se os jornalistas na sala de imprensa. “Eu vim – ninguém sabia quem eu era -, mas eu sabia quem eu era e que precisava de algo, porque para ser um bom piloto não chega teres um bom carro”. Em São Paulo, Abel Ferreira encontrou o carro, a oficina e até o melhor combustível, o que é o mesmo que dizer “os valores do clube, os valores do treinador, a filosofia do clube, a filosofia do treinador”.

Abel Ferreira recua à pergunta: “O que eu dizia a esse moleque?” Ao moleque “que nunca foi o melhor aluno da escola, que nunca foi o melhor jogador de futebol, que não é o melhor treinador”, dir-lhe-ia: “Luta pelos teus sonhos sempre, porque nós somos os nossos próprios limites. Não deixes que tu mesmo sejas o teu bloqueio. Vai, experimenta”.

E, hoje, Abel acrescentava ainda: “Parabéns pela ousadia. Parabéns pela crença. Parabéns por desafiares os teus próprios limites. Vai para um país especial e, enquanto lá estiveres, aproveita, porque o Brasil e o futebol brasileiro são especiais.”