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Se está a ler esta notícia no conforto de uma cadeira, temos más notícias — e boas notícias. Segundo um novo estudo, conduzido pela investigadora portuguesa Catarina Rendeiro, os flavanóis do cacau protegem as artérias dos danos causados por permanecer sentado sem interrupção.
No nosso mundo moderno, a cadeira tornou-se o nosso habitat principal. Estamos ancorados às nossas secretárias, aos nossos carros e aos nossos sofás.
Isto não é saudável, e sabemo-lo. Contudo, tendemos a pensar neste problema como algo que acontece gradualmente, e cujos efeitos no nosso corpo se manifestam lentamente.
Um novo estudo, conduzido pela investigadora portuguesa Catarina Rendeiro e publicado na quarta-feira na revista The Journal of Physiology, revela que a verdade é muito mais imediata.
Estudos anteriores determinaram que apenas duas horas sentado sem interrupção são suficientes para prejudicar significativamente a função do revestimento vital das suas artérias, uma condição que é um precursor direto de doenças cardiovasculares.
Mas o novo estudo encontrou uma defesa notável e bastante prática contra os danos causados pelo excesso de tempo no sofá: as suas artérias podem beneficiar de um composto natural encontrado no cacau.
As suas artérias quando está sentado
As pessoas permanecem sentadas em média cerca de 8 horas por dia, e os nossos corpos não gostam mesmo nada disso. Este tempo sentado é um factor de risco para um grande número de doenças cardiovasculares, alertam os investigadores.
“Mesmo que não estejamos a mover o nosso corpo, continuamos a colocá-lo sob stress. Encontrar formas de mitigar o impacto que estar sentado por períodos ininterruptos tem no sistema vascular pode ajudar-nos a reduzir o risco de doenças cardiovasculares”, afirma Catarina Rendeiro, em comunicado.
A melhor coisa a fazer é evitar estar sentado por períodos prolongados, mas a equipa liderada pela investigadora portuguesa, formada no IST e professora de Ciências da Nutrição na Universidade de Birmingham, procurou algo mais. E se houvesse algo que pudesse comer ou beber que pudesse ajudar?
A equipa concentrou-se numa coisa chamada endotélio, o revestimento, com uma única camada celular, que cobre todos os vasos sanguíneos que temos.
O endotélio controla o fluxo sanguíneo e, em resposta, liberta uma molécula de sinalização crítica: o óxido nítrico (NO). Este gás diz ao músculo liso da parede arterial para relaxar, fazendo com que a artéria se alargue, ou “dilate”.
Esta resposta saudável e flexível é o que mantém a sua tensão arterial controlada e garante que o sangue rico em oxigénio pode chegar onde precisa de ir, explica o ZME Science.
Quando se senta, o fluxo sanguíneo para as suas pernas torna-se lento. Sem esse fluxo saudável, o centro de comando do endotélio fica silencioso. Para de produzir esse óxido nítrico vital. As suas artérias tornam-se rígidas, não respondem e tornam-se disfuncionais.
Este efeito pode ser medido, e foi nisso que os investigadores se concentraram: decidiram testar se o cacau pode ajudar.
Porquê o Cacau?
Estudos anteriores mostraram que dietas ricas em flavonóides, a classe de compostos a que o cacau pertence, reduzem o risco de doenças cardiovasculares.
Especificamente, alimentos ricos em flavonóides como o cacau, os frutos vermelhos e os citrinos demonstraram melhorar a função endotelial — a saúde do revestimento arterial.
No seu estudo, os investigadores recrutaram 40 homens jovens saudáveis e dividiram-nos cuidadosamente em dois grupos distintos: um grupo em muito boa forma física e um grupo mais amigo do sofá.
O estudo foi um ensaio “aleatorizado, duplamente cego, e cruzado“, padrão que segue as melhores práticas de evidência clínica.
Isto significa que cada participante foi testado duas vezes, servindo como o seu próprio controlo. Num ensaio, recebe a intervenção real, e noutra, um placebo. Nem o participante nem os investigadores sabiam qual era qual até ao final.
O teste placebo envolveu uma bebida de cacau “pobre em flavonóides”. Foi especialmente concebida para saber como cacau normal mas continha virtualmente nenhum (apenas 5,6 mg) dos compostos ativos.
Depois sentaram-se, sem interrupção, durante 2 horas. Sem se mexer, sem pausas para caminhar. Após apenas 120 minutos na cadeira, tanto o grupo em muito boa forma como o grupo em má forma viram a sua função endotelial deteriorar-se drasticamente.
Não importava se os participantes estavam em forma ou não, as suas artérias tinham sofrido da mesma forma.
Agora as boas notícias
As boas notícias vieram na segunda parte da experiência, durante a qual os participantes receberam uma bebida de cacau rica em flavonóides, repleta de 695 mg de flavanóis totais, incluindo 150 mg de um particularmente potente chamado (-)-epicatequina.
Estes são os compostos antioxidantes que ocorrem naturalmente e que conferem ao cacau escuro, chá verde, maçãs e bagas a sua reputação de alimentos saudáveis. A bebida estava perfeitamente equilibrada em sabor e calorias, tornando-se indistinguível do placebo.
Neste caso, os danos nas suas artérias praticamente desapareceram. A bebida rica em flavanóis tinha prevenido completamente o declínio da função endotelial induzido pelo estar sentado, tanto no grupo de boa forma física como no má forma.
“O nosso estudo mostra que consumir alimentos e bebidas ricos em flavonóides durante períodos passados sentados é uma boa forma de reduzir parte do impacto da inatividade no sistema vascular”, explica Rendeiro.
Isto não significa que se possa ficar sentado tanto tempo quanto se queira, se se comer ou beber alguns flavanóis. Continua a não haver substituto para o exercício físico — ou, pelo menos, para um niquinho de movimento que seja — mas aparentemente alguns dos danos podem ser prevenidos desta forma.
Mas…
Bem, agora que estamos todos excitados e ansiosos por ir a correr ao supermercado comprar bebidas de cacau, a caminho do sofá para mais uma maratona de series, vamos ter calma — por dois motivos.
Em primeiro lugar, o cacau protegeu as principais artérias (macro-vasculatura), mas não preveniu a disfunção nos minúsculos micro-vasos no interior profundo dos músculos das pernas.
Em segundo lugar, uma ressalva importante: a dose. O estudo usou uma dose muito elevada e específica de flavanóis (695 mg). Não se consegue isto a partir da típica barra de chocolate de leite, ou mesmo da maioria dos chocolates escuros.
Porquê? A maior parte do cacau comercial é “holandês” ou “alcalinizado”, um processo que o torna menos amargo e mais escuro, mas que também destrói a maioria dos flavanóis saudáveis. A bebida placebo do estudo era, na verdade, um pó de cacau alcalinizado padrão.
Para obter esta dose protetora, seria necessário encontrar pós de cacau especializados e ricos em flavanóis (frequentemente chamados “naturais“) ou consumir outros alimentos ricos em flavanóis como bagas, maçãs e chá verde ou preto.
Mas há mais uma boa notícia: não deve ser demasiado difícil atingir esta dose, diz Alessio Daniele, estudante de doutoramento da Universidade de Birmingham e co-autor do estudo.
“Na verdade, é bastante fácil adicionar alimentos ricos em flavanóis à dieta. Há produtos de cacau disponíveis em supermercados e lojas de produtos naturais que são processados através de métodos que preservam os níveis de flavanóis”, realça o investigador.
“Se o cacau não for a nossa cena, há frutas como maçãs, ameixas e bagas, frutos secos, e chá preto e verde — são todos ingredientes comuns na cozinha e estão facilmente disponíveis”, conclui Daniele.
Há ainda uma ressalva final a fazer: se gosta de fazer batidos com frutos ricos em flavonóides, não lhes junte banana.
Segundo um estudo publicado em 2023 na revista Food & Function, a enzima Polifenoloxidase contida numa só banana é suficiente para afetar dramaticamente a capacidade do nosso corpo de absorver os flavonóides que o seu batido deveria fornecer-lhe.
Ou seja, coma bananas, que são ricas em potássio, magnésio e outros nutrientes importantes, e coma frutos ricos em flavonóides. Mas não os junte.
Por isso, vá lá, levante-se dessa cadeira e sirva-se de uma boa chávena de cacau. Ou então, tome um chá. As suas artérias vão agradecer-lhe.