Todas as semanas, publicamos um conto ficcional sobre o amor, a partir de um caso real

Chamo-me Fábio, tenho quase 23 anos, e desde que me lembro o futebol foi o centro de tudo. A bola era — e continua a ser — o meu mundo. Desde miúdo que é ela a razão por que acordo cedo, por que digo não a tudo o resto. Enquanto os outros rapazes falavam de festas, de raparigas, de carros ou saídas à noite, eu só pensava em treinar. Queria ser o melhor. Sempre quis. O cheiro da relva molhada nas manhãs frias, o som das chuteiras a bater na terra, o peso da bola nos dias de chuva — tudo isso fazia parte de mim. Havia uma pureza naquele tempo, uma espécie de fé cega na ideia de que o esforço traz sempre recompensa. E foi essa fé que me guiou desde o campo pequeno do clube da terra até às luzes intensas de um grande estádio em Lisboa.

Quando cheguei ao clube, senti que tudo o que tinha sonhado se tornava real. Lembro-me do primeiro treino, do nervosismo a queimar-me o estômago e da vontade de provar que merecia estar ali. Quatro anos depois, continuo a vestir a mesma camisola, a viver o mesmo sonho — mas também a lidar com o preço dele: a solidão. O futebol é paixão, mas é também isolamento. Vive-se para o treino, para o jogo, para o corpo, para a disciplina. E, no meio de tanta exigência, sobra pouco espaço para o resto. Tive namoradas, algumas relações curtas, distrações de passagem. Mas a verdade é que nada disso me prendeu. Sempre fui distante, sempre guardei o melhor e o pior de mim para dentro. Nunca deixei que ninguém chegasse verdadeiramente perto.

Até que esta época começou.

Chegaram cinco reforços ao plantel e, entre eles, o Raposo. Tinha vinte anos, um miúdo ainda, mas com um talento que chamava a atenção de todos — daqueles que tocam na bola e fazem tudo parecer simples. Desde o primeiro treino percebi que era diferente. Não pelo que dizia, mas pela forma como vivia o jogo. Era sério, metódico, disciplinado. Como eu. Havia nele uma concentração que me era familiar, uma maneira de encarar o futebol quase como um ritual. Era dos primeiros a chegar, dos últimos a sair. Não se deixava distrair por nada: nem pelas redes sociais, nem pelo brilho dos carros, nem pelos olhares das pessoas. Tinha uma maturidade que me intrigava.

Aos poucos, começámos a aproximar-nos. Primeiro dentro de campo, em treinos e aquecimentos. Depois, nas pequenas rotinas fora dele. Partilhávamos conselhos, trocávamos truques de recuperação, ficávamos a bater bolas depois dos treinos, em silêncio, só a repetir gestos até à exaustão. Com o tempo, aquilo tornou-se natural. Íamos juntos ao ginásio, falávamos sobre nutrição, sobre o corpo, sobre a pressão que o futebol impõe. Falávamos pouco, mas entendíamo-nos bem. Era raro encontrar alguém que visse o jogo como eu via: como um compromisso total. Com ele, senti-me compreendido de uma forma nova — e talvez tenha sido isso que começou a mexer comigo.

Comecei a perceber que pensava demais nele. No que fazia, no que dizia, no que o fazia rir. Era uma ligação silenciosa, impossível de nomear. Havia algo ali que me tirava o chão, um tipo de energia que me deixava inquieto. Não era paixão, não era amizade, ou talvez fosse um pouco das duas coisas. Era algo entre nós, algo que escapava à razão e me apanhava desprevenido. Pela primeira vez, o futebol não era o único centro da minha vida. E isso assustou-me.

Tentei afastar-me, recuperar o foco. Disse a mim próprio que precisava de voltar a ser o Fábio de sempre — o profissional frio, o rapaz disciplinado que não se deixa distrair. Mas quanto mais tentava fugir, mais me perdia. Comecei a falhar passes, a hesitar em campo, a treinar sem concentração. Fui chamado à atenção. Acabei no banco. O Raposo notou a distância, perguntou-me se estava tudo bem, e eu, incapaz de dizer a verdade, calei-me. Ele afastou-se também, e, de repente, aquilo que tínhamos — a cumplicidade, a rotina, o olhar cúmplice antes dos jogos — desapareceu. A época tornou-se longa, pesada, feita de silêncios e de uma ausência que não sabia como preencher.

No final do campeonato, o Raposo foi transferido para Espanha. No dia em que se despediu, trocámos apenas um abraço rápido, daqueles que querem dizer mais do que se pode dizer em voz alta. Foi ali que percebi que algo dentro de mim se partia — não por ele ir embora, mas por eu não saber lidar com o que ficava. Desde então, a rotina continua igual: treino, jogo, descanso. Mas há um vazio novo no meio disso tudo. O futebol, que antes era tudo o que eu tinha, já não me basta.

Talvez porque, pela primeira vez, alguém me mostrou que há mais na vida do que correr atrás de uma bola. Que há outro tipo de ligação — humana, verdadeira — que também faz parte de nós, mesmo quando não sabemos dar-lhe nome. Não sei o que este sentimento quer dizer. Hoje, quando entro em campo, já não jogo só por mim. Jogo também por tudo aquilo que ficou por dizer, pelas palavras que engoli, pelas conversas que nunca tivemos, pelas emoções que não soube nomear. Jogo por aquilo que ainda me confunde e, ao mesmo tempo, me dá sentido. Jogo por essa memória que vive comigo, que me acompanha em cada treino, em cada golo, em cada silêncio depois do apito final.

Por vezes, imagino que um dia o volto a ver. Não sei o que diria. Talvez não dissesse nada — talvez bastasse o olhar. Mas às vezes sonho que terei coragem de dizer tudo o que não disse, de gritar ao mundo este sentimento que guardei em segredo. De o chamar pelo nome certo, sem medo, sem vergonha, sem dúvida.

Talvez esse dia nunca chegue. Mas se um dia acontecer — se um dia tiver coragem de o dizer em voz alta — sei que será o momento em que serei, pela primeira vez, verdadeiramente livre. Livre ao viver um grande amor.

E talvez, nesse dia, o futebol volte a ser o que sempre foi para mim: um campo aberto, onde se corre não só por vitórias, mas também por aquilo que nos faz humanos.

Este conteúdo contou com a participação de inteligência artificial na sua elaboração.

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