Os números de cinco anos no Brasil e no comando do Palmeiras, cumpridos esta quinta-feira, já falavam por si. Aliás, se Jorge Jesus foi um fenómeno na temporada que passou pelo Flamengo, aquilo que Abel Ferreira fez no Verdão aumentava e muito essa fasquia de sucesso. Todavia, e como tem provado a cada competição que disputa, há sempre margem para fazer melhor – mesmo quando arrisca desafiar o “impossível”.

Abel assinalou o quinto aniversário como treinador do conjunto de São Paulo com uma série de recordes: dez títulos (duas Taças dos Libertadores, uma Supertaça Sul-Americana, dois Campeonatos, uma Taça, uma Supertaça e três Campeonatos Paulistas), mais de 200 vitórias num total de 385 jogos, quase 350 milhões de euros realizados em vendas de jogadores que foram lançados a partir da formação ou potenciados quando chegaram ao clube como Estêvão, Endrick, Richard Ríos ou Vítor Reis. Com isso, e de forma natural, foi imortalizando o seu nome na história do Palmeiras e do futebol brasileiro: treinador com mais títulos do Verdão, técnico estrangeiro com mais partidas no clube, melhor do século no Brasil para os adeptos.

Quis o destino que a data fosse assinalada no dia de um dos maiores desafios desde que chegou ao Palmeiras em 2020: virar uma eliminatória das meias-finais da Taça dos Libertadores, a principal prova continental da América do Sul, tendo perdido na primeira mão frente à Liga de Quito no Equador por 3-0. O português tinha pedido uma “noite mágica”, os adeptos acreditaram com uma receção apoteótica à equipa na chegada ao Allianz Parque já depois de todo o apoio na saída da equipa da Academia rumo ao estádio, os jogadores materializaram aquela que ficou como uma das maiores reviravoltas de sempre da competição.

Mantendo o mesmo 3x4x3 que não foi além de um nulo diante do Cruzeiro de Leonardo Jardim na última jornada do Campeonato (que mesmo assim permitiu uma subida isolada à liderança depois da derrota do Flamengo frente ao Fortaleza), Abel Ferreira mexeu nos posicionamentos das unidades mais adiantadas e apostou tudo em Allan e Piquérez para dar a largura de jogo necessária pelas alas para furar a densa muralha defensiva dos equatorianos. Ao intervalo, meio caminho estava feito: Ramón Sosa inaugurou o marcador com um desvio de cabeça na área a entrar a partir de trás após cruzamento de Allan da direita (20′), Bruno Fuchs fez o 2-0 no quinto minuto de descontos da primeira parte após uma combinação após bola parada. O Liga de Quito conseguiu depois serenar a partida mas havia uma arma secreta pronta para ser lançada: Raphael Veiga marcou dois minutos depois de ter entrado (66′) e fez mesmo o 4-0 da reviravolta de penálti, na sequência de mais uma jogada individual fabulosa de Allan pela direita a passar por vários adversários (80′).

O Allianz Parque “explodia” de vez com os festejos, Abel Ferreira não aguentou a emoção e caiu de joelhos no relvado em lágrimas depois de uma das páginas mais marcantes no reinado no comando do Palmeiras, sendo depois levantado por outros elementos da equipa técnica antes do abraço coletivo de todos os jogadores ao seu treinador. Mais tarde, houve ainda outro episódio que mostrou bem o peso do português no clube e no seio do grupo, quando viu a tarja que o capitão Gabriel Gómez levantava com uma frase sua que dizia “90 minutos no Allianz Parque é muito tempo”. Estava escrito mais um capítulo de sucesso no Verdão, que chegou pela terceira vez à final da Libertadores em cinco anos depois dos triunfos de 2020 e 2021. Próximo adversário? O Flamengo, naquela que será mais uma decisão continental entre dois clubes brasileiros.

“Ainda não consigo desfrutar das vitórias, penso que todos os dias tenho de estar a provar o lugar que mereço. Não consigo pensar, não tenho de provar nada a ninguém. Tenho que provar todos os dias que mereço estar onde estou. Não sei se vou conseguir sempre ser capaz de entregar este tipo de vitórias porque no futebol há ganhar, perder e empatar. Por isso sou tão mau perdedor… Jogo? Sobra o sentimento de alívio. Quero agradecer às pessoas que estão comigo, queria abraçar a minha filha que não está agora comigo, está em Portugal. A família para mim é a base de tudo. Chorei, estou a chorar agora mas não gosto de mostrar a minha parte fraca. Mas é isso mesmo, é um alívio para mim”, comentou após o triunfo.

Noite mágica? Magia para mim é acreditar sem ver. Aconteça o que acontecer, dá o teu melhor, prepara-te para uma montanha-russa de emoções mas se não acontecer vamos continuar na mesma. Isso não é algo que se encontra em lado nenhum”, destacou Abel Ferreira.

De forma inevitável, o futuro voltou a ser questionado, com o português a reforçar algo que já tinha deixado em variadas ocasiões: não precisa de assinar para ficar… desde que sinta ter condições. “Não preciso de assinar contrato, a Leila [Pereira] sabe o que eu quero. Fiquei muito magoado com aquilo que ouvi de uma parte dos adeptos, não estava à espera. Por isso, digo à Leila: não vale a pena assinar, porque não vou continuar se não houver condições de assinar. Há clubes que já me ligaram, de todos os lados. É duro estar no Brasil. Não pelo clube mas porque vocês jornalistas são duros, alguns passam do ponto, e às vezes questiono se é nisto que quero continuar. Olhando para o clube, para a estrutura, o Palmeiras para mim é um oásis. Não sei se vamos ganhar títulos ou não mas a Leila sabe o que quero, os jogadores sabem que gosto de os treinar. Temos cinco anos, pensei que seriam cinco meses. Eu gosto de estar aqui. Não preciso ter nada assinado, para mim basta de boca”, assegurou o treinador português de 46 anos a esse propósito.

E, no meio da festa, ainda houve outro momento inusitado mas que mostrou bem o impacto da conquista do Palmeiras: Leila Pereira, líder do Verdão, entrou na sala de conferência de imprensa enquanto Abel Ferreira falava para lhe dar um abraço de parabéns. “Este homem sabe o que faz. Ele disse ‘Leila, hoje será uma noite histórica, mágica’ e realmente foi. Obrigada Abel. É o maior treinador da história do Palmeiras, sem dúvida absolutamente nenhuma. Ele sabe disso e que sempre o apoiei nos momentos positivos e nos momentos difíceis. Falando como presidente do Palmeiras e como Leila Pereira, a gratidão que eu tenho pelo seu trabalho, pela pessoa que é e por tudo o que proporcionou a mim e aos milhões de adeptos, não tem preço. Seremos eternamente gratos. Obrigada, realmente tinha razão, foi uma noite mágica”, destacou.