Enraizado e abundante como o jazz

Immanuel Wilkins, saxofonista e compositor norte-americano de apenas 28 anos, vem esgravatar as raízes do jazz no seio de Blues Blood, o álbum que lançou em 2024 e que a DownBeat puxou para melhores do ano, com cinco estrelas e adjectivos como “assombroso, profundo, espantoso”. Cabe-lhe inaugurar o 34.º Guimarães Jazz. E também personificar a ponte que o festival programado por Ivo Martins constrói enquanto “divulgador da história passada e presente do jazz”.

É também nesta ligação temporal que Maria João entra no cartaz. Regressada ao evento após 20 anos, celebra 40 de carreira enquanto dá voz à ascendência moçambicana com Abundância, uma banda, um coro e a Orquestra de Guimarães.

O trio do pianista Fred Hersch, o quinteto do saxofonista Mark Turner, a junção de Craig Taborn, Tomeka Reid e Ches Smith “num afluente invulgar e desafiante de piano, violoncelo e bateria”, a actuação do pianista Danilo Pérez com a Bohuslän Big Band e André Carvalho a dar conta do novíssimo Of Fragility and Impermanence são outros concertos a não perder.


Foram cravos, foi o adeus

Em 1983, José Afonso subiu aos palcos dos coliseus rodeado de amigos, primeiro em Lisboa, depois no Porto. Foram momentos históricos. Além de terem celebrado a sua obra, ainda soam à despedida do poeta-cantor num longo aplauso. O segundo espectáculo foi o seu derradeiro. Quatro anos depois, era levado pela doença que já então o debilitava.

E é na Invicta que o TEP – Teatro Experimental do Porto estreia agora José Afonso, Ao Vivo nos Coliseus, 1983 (mais tarde também em Lisboa), um híbrido musical e teatral ao estilo gig theatre, encenado e dirigido por Gonçalo Amorim, que reinventa e reinterpreta essa memória “com liberdade criativa e profunda ressonância emocional”.


A missionária e o capitalista

Exploradores e explorados, oprimidos e opressores, os que trabalham e os que especulam, as entranhas perversas da luta de classes no âmago de um capitalismo desenfreado e manipulador. Assim vai Santa Joana dos Matadouros, peça de Bertolt Brecht focada numa Joana Dark – qualquer alusão à heroína-mártir francesa não é mera coincidência – na ressaca pós-crash da bolsa de 1929.

Passa-se num matadouro de Chicago; podia passar-se em qualquer lugar (ou tempo) engrenado no sistema. E “Joana podia ser aquela artista politicamente engajada, com fortes discursos em defesa de todos os oprimidos do mundo, que se alimenta das suas histórias e tragédias, e que inconscientemente contribui para a romantização das suas desgraças”, observa o Teatro da Didascália, que se prepara para estrear a sua abordagem ao texto do autor alemão. Bruno Martins encena e assina a dramaturgia.

Verdades e ironias do género

O Chão de Oliva estreia uma proposta de teatro documental que se posiciona “entre fragmentos de verdade e momentos de ironia” para falar do género “como performance, estigma, construção, discriminação”, explica na folha de sala. À polarização, aos extremismos e às ameaças às liberdades conquistadas, Prefiro Não Dizer contrapõe um lugar que convida à reflexão, “com espaço para o humor, a dor e a escuta”.

Susana C. Gaspar, responsável pela direcção artística e dramaturgia (além de co-criadora com os intérpretes), aborda conceitos como identidade, expressão e direitos humanos a partir de documentos e testemunhos concretos, alguns deles recolhidos com a ajuda da Ilga Portugal, consultora-parceira no processo.

Memórias animadas

Bruno Caetano filma uma onda de medos e adversidades Sequencial. Porque Hoje É Sábado ensaia a necessidade de “fuga” à vida doméstica com realização de Alice Eça Guimarães. Cão Sozinho, de Marta Reis Andrade, envereda pela solidão. São três curtas portuguesas a concurso no Cinanima – Festival Internacional de Cinema de Animação de Espinho.

Levada pelo tema Memória: o Futuro do Passado e já com o cinquentenário no horizonte, a 49.ª edição exibe, só nas competições oficiais, 110 filmes, já a contar com a secção-novidade deste ano, a All Aboard, dedicada a formatos e linguagens híbridas.

O número cresce para mais de 430 títulos, oriundos de 50 países, se contarmos com uma homenagem ao fundador António Gaio e outra ao pioneiro Vasco Granja (ambas a propósito dos centenários de nascimento), com o cinema imersivo a 360º (com Lendas Maori da Nova Zelândia e The Dark Side of the Moon – Pink Floyd NSC), com a retrospectiva dos vencedores do ano passado ou com a sessão Solidariedade com a Palestina, para não falar nas muitas actividades paralelas.