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Largo Martim Moniz

Para os que dizem que “isto está bonito”: está ou sempre foi?

“Está tudo doido”; “as pessoas estão malucas”; “está tudo descontrolado”; “já não há quem meta ordem nisto”; “isto agora é tudo assim”; “antes não se via disto”. Todas frases que se têm ouvido muito em Portugal nos últimos tempos. Mas muitos portugueses que hoje se sentem inseguros, já tinham há 30 anos “medo de andar na rua” por causa da criminalidade e insegurança.

A perceção não é de agora. A comunicação social já falava do aumento do crime e insegurança nos anos 90, culpando as drogas pelo aumento da criminalidade de 1993 para 1994.

“Nunca como agora o medo de ser assaltado foi tão grande”, ouvia-se no pequeno ecrã, em 1995: “já não é assim tão simples andar na rua, de carro, ou sair para um passeio à noite”.

“Assaltos, roubos, violações são palavras do dia-a-dia” em Lisboa, dizia a jornalista Sandra Sá Couto aos portugueses, com números concretos que justificavam o medo.

“Alguém se recorda dos anos 80 e 90 do consumo de heroína, em que não havia família que não tivesse um familiar que tivesse sofrido”, perguntou o diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ), Luís Neves, no início deste ano. “Em Arroios e Intendente não se podia entrar. Querem comparar esses períodos com o período em que vivemos e dizer que hoje é que é mau?”, questionou. Quem viveu no Porto naquela década diz o mesmo sobre a baixa, onde hoje os turistas substituem os criminosos: os portuenses nem junto às calmas águas da Ribeira se sentiam seguros. Mas há uma grande diferença entre os tempos de hoje e os de há 30 anos: hoje, os números não justificam o medo das pessoas.

Lisboa está mais segura

Primeiro, Lisboa: “temos uma redução ligeira da criminalidade violenta e grave na área de todo o Comando Metropolitano” da capital, diz à Lusa o comandante da PSP de Lisboa, superintendente-chefe Luís Elias.

A criminalidade em Lisboa registou em 2024 a segunda maior descida dos últimos 10 anos. Se a criminalidade geral caiu 12,6%, também a criminalidade grave e violenta desceu, 10,4%. Menos crimes do que no ano passado, nos últimos 10 anos, só mesmo nos anos da pandemia — 2020 com 23.638 crimes e 2021 com 24.691.

São números que contrariam a afirmação do presidente da Câmara de Lisboa Carlos Moedas que tem vindo a repetir que “nos últimos anos tem havido mais violência e mais crimes”.

Os jornais e o medo

“Houve de facto alguma concentração e alguma mediatização em alguns destes casos, mas os números globais não traduzem exatamente em ternos numéricos o aumento destes crimes”, disse ainda o comandante da PSP de Lisboa.

E de facto, a criminalidade participada em Portugal diminuiu ligeiramente (1,3%) entre 2020 e 2024, mas as capas dos principais jornais do país não refletem isso. Pelo contrário: capas de jornais com destaque para crimes aumentaram 130% nesse período de 4 anos, segundo um estudo do Observatório de Segurança e Defesa da SEDES.

“Estamos a assistir a um momento de desinformação, ‘fake news’ e ameaças hibridas e é isso tudo que leva a fundamentar a perceção de insegurança”, disse o diretor nacional da PJ, em janeiro. “Temos hoje vários canais de televisão que passam uma e outra vez aquilo que é notícia de um crime“, explicou, reconhecendo que isso vem “criar uma ideia de insegurança que não tem a ver com a insegurança plena do crime” real.

Também o diretor nacional da PSP assegurou em finais de maio que Portugal “é um dos países mais seguros” do mundo.

“Isto não é retórica institucional, esta é uma realidade que deve ser dita, celebrada e protegida”, referiu Luís Carrilho. O Índice Global da Paz de 2024 pôs Portugal na sétima posição.

Os números do crime em 2024

A criminalidade geral em Portugal desceu 4,6% (354.878 participações) face a 2023 (371.995 ocorrências), embora ainda esteja acima dos valores pré-pandemia Covid-19, segundo o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI).

Os números não são novos; já os conhecemos desde março, mas vale sempre a pena recordá-los.

A criminalidade violenta e grave, intensivamente coberta pelos meios de comunicação, aumentou 2,6% no ano passado em relação a 2023 (14.385 crimes registados), mas se compararmos aos níveis pré-pandemia de 2019, mantém-se praticamente igual — 2019 registou 14.398 crimes violentos e graves. Já para não falar de anos anteriores de 2015 a 2017 referidos no relatório, que foram piores (18.964 crimes em 2015, 16.761 em 2016 e 15.303 em 2017).

E homicídios? Havia muitos mais no virar do século. Até ao momento, em 2025, já se registaram 95 homicídios, um número superior aos 89 do ano passado, mas ainda muito abaixo dos anos de 1999 e 2000 quando foram contabilizadas 299 e 247 mortes, respetivamente.

Também o número de furtos (26% do total de crimes participados) se tem mantido estável, com uma ligeira subida em 2024 face ao ano anterior, mas bem abaixo dos valores anteriores à pandemia.

A criminalidade em grupo registou um aumento de 7,7% do que no ano anterior, com um crescimento de 53% no número de investigações abertas em 2024 neste tipo de crime, e mais de metade dos processos (52%) concentrados nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Entre os suspeitos e arguidos identificados, 69% são do sexo masculino e 62% de nacionalidade portuguesa.

Os crimes relacionados com imigração ilegal diminuíram significativamente em 2024. Foram registados 343 casos, menos 29,6% do que em 2023. A redução tem sido contínua ao longo dos últimos anos.

As áreas de maior preocupação mantêm-se em redor da violência doméstica, (um dos crimes mais participados em Portugal, mas cujas ocorrências desceram 0,8% face a 2023) das violações (registaram um aumento de 49 casos de 2023, com valores acima dos de pré-pandemia) e da delinquência juvenil (voltou a aumentar, atingindo as 2.062 ocorrências em 2024).

Olhando para os detidos em Portugal, Luís Neves já referiu também que, excluindo os oriundos de países extra-europeus, de África e de América Latina que estão relacionados com crimes que nada têm a ver com imigrantes, os valores são muito baixos.

“Um imigrante é estrangeiro, mas um estrangeiro não é necessariamente um imigrante. As cadeias têm muita gente que é estrangeira, mas não é imigrante”, disse Luís Neves em fevereiro.

“É possível observar que o número de reclusos não acompanha o aumento do número de estrangeiros residentes em Portugal, registando-se, inclusive, uma descida de 28,08% dos reclusos estrangeiros em 2023, face a 2013, enquanto que o número de estrangeiros residentes em Portugal aumentou 160%”, lia-se na análise que entregou na altura aos deputados na Assembleia da República.


Tomás Guimarães, ZAP //


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