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Um dos problemas mais polémicos da paleontologia é um Tiranossauro rex (T. rex) adolescente com uma crise de identidade. Agora, dois cientistas afirmam ter resolvido o caso.
Em 1942, investigadores do Museu de História Natural de Cleveland, nos EUA, encontraram o crânio de um pequeno terópode na Formação Hell Creek, em Montana. Depois de os cientistas o classificarem como uma nova espécie, Nanotyrannus lancensis, em 1988, o crânio desencadeou quatro décadas de aceso debate: esses fósseis de tiranossauros pequenos e esguios representam uma versão adolescente do temível T. rex ou um dinossauro totalmente distinto?
Agora, após analisar mais de 200 fósseis de tiranossauros, os autores de um novo estudo, publicado recentemente na Nature, declararam que o Nanotyrannus era um dinossauro ágil e esguio que viveu, lado a lado, com o T. rex no crepúsculo do reinado do tirano.
“Não queríamos contribuir para alimentar a discussão. Queríamos encerrá-la”, diz Lindsay Zanno, paleontóloga do Museu de Ciências Naturais da Carolina do Norte e co-autora do artigo. “Decidimos apenas garantir que íamos tirar a limpo essa questão sob todos os ângulos.”

MUSEU DE CIÊNCIAS NATURAIS DA CAROLINA DO NORTE
O focinho do Nanotyrannus contém uma cavidade sinusal adicional na parte superior da boca, que não é vista no T. rex.
Alguns especialistas que não participaram no estudo elogiaram o rigor da investigação, dizendo que ele poderia ser um ponto de inflexão que finalmente encerraria o debate que já dura décadas.
“Eles não deixaram pedra sobre pedra, nenhum fóssil sem examinar”, diz Lawrence Witmer, paleontólogo da Universidade de Ohio. “O resultado dos seus estudos cuidadosos é claro e tão definitivo quanto podemos obter em paleontologia: o Nanotyrannus é real.”
Outros paleontólogos alertam que a descoberta, embora convincente, pode ser apenas a mais recente reviravolta na saga do Nanotyrannus.
“Estas descobertas, tal como os relatórios anteriores, apresentam hipóteses. O que parece ser a resposta num dia pode ser refutado no dia seguinte com novas abordagens ou novos dados”, afirma Holly Woodward Ballard, paleo-histologista da Universidade Estadual de Oklahoma, cujo estudo anterior sobre as taxas de crescimento das patas dos tiranossauros colocou o Nanotyrannus na categoria do T. rex.
O dilema dos “Dueling Dinosaurs”
Em 2020, o Museu de Ciências Naturais da Carolina do Norte anunciou a aquisição do famoso fóssil de 67 milhões de anos do fóssil “Dueling Dinosaurs”. Há muito tempo em mãos privadas, o espécime primorosamente preservado mostrava um Triceratops e um pequeno tiranossauro aparentemente travando um combate mortal. Alguns cientistas achavam que o tiranossauro era um T. rex jovem que morreu antes de se desenvolver para a forma adulta, enquanto outros acreditavam que era um Nanotyrannus.

Esta aquisição levou o fóssil para um museu pela primeira vez, permitindo que paleontólogos como Zanno tivessem um acesso mais directo ao que era essencialmente um esqueleto completo da criatura. A investigadora recrutou James Napoli, paleontólogo da Universidade Stony Brook, em Long Island, que havia estudado o crescimento e o desenvolvimento dos crocodilos, para ajudá-la a estudar o espécime.
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Evidências do “Dueling Dinosaurs” e outros fósseis sugerem que os braços do T. rex (à esquerda) eram mais curtos quando comparados com os do Nanotyrannus (à direita).
Quando Zanno e Napoli se sentaram para estudar o fóssil, “ficou rapidamente claro que havia muitos sinais de alerta”, diz Zanno, que também é exploradora da National Geographic. Havia muitas coisas sobre o espécime que “não pareciam encaixar-se nas nossas expectativas de como o T. rex deveria crescer, ou realmente como qualquer animal deveria crescer”.
Os braços eram uma pista anatómica crucial de que algo estava errado. Eles já eram muito maiores do que os braços de um T. rex adulto. “Não há como esses braços encolherem durante o crescimento”, diz Napoli.
Os cientistas também descobriram que o dinossauro tinha uma cauda mais curta do que a do T. rex, pernas comparativamente mais longas e mais dentes nas mandíbulas. Uma tomografia computadorizada também revelou que os seus nervos cranianos e sistema respiratório pareciam diferentes dos do T. rex. Além disso, ele tinha uma cavidade sinusal extra. Essas características, segundo eles, geralmente são definidas no início do desenvolvimento, o que significa que esse tiranossauro não estava a caminho de se transformar num T. rex adulto antes de morrer.
Zanno e Napoli também retiraram secções finas dos ossos para analisar os seus anéis de crescimento, o que ajudou a indicar que tinha cerca de 20 anos e que era adulto, não juvenil.
“Não há como defender cientificamente que se trata de um T.rex”, diz Napoli. Em vez disso, a dupla afirma que ele deveria ser rotulado como Nanotyrannus lancensis, a mesma espécie do Nanotyrannus que gerou o debate quando recebeu esse nome em 1988.

Woodward Ballard concordou que os dados da investigadora parecem indicar que o espécime está a aproximar-se do tamanho adulto – e isso é um “forte argumento” para chamá-lo de Nanotyrannus, diz ela.
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Os ossos dos dedos e as garras do Nanotyrannus lancensis (mão direita) eram maiores do que os do T. rex.
Mas e quanto aos outros espécimes?
Uma nova imagem de um predador pré-histórico
Com base nas evidências do fóssil “Dueling Dinosaurs”, Napoli e Zanno também examinaram tiranossauros mantidos em colecções nos EUA, Canadá e Ásia. No total, eles identificaram alguns espécimes que, segundo eles, são Nanotyrannus, incluindo o controverso Jane, mantido no Burpee Museum, em Illinois, e o espécime do museu de Cleveland, que recebeu esse nome em 1988.
“O debate sobre o Nanotyrannus dura há décadas, e acho que a maioria dos cientistas concordou que se tratava de um T. rex juvenil”, diz David Evans, paleontólogo do Museu Real de Ontário. “Este novo estudo vai surpreender muita gente.”
As descobertas sugerem que o Nanotyrannus era um predador com cerca de metade do tamanho do T. rex e apenas um décimo da sua massa corporal. Se o T. rex – pesando 8.165 quilogramas e medindo mais de 12 metros – era o leão do final do Cretácico, o Nanotyrannus – medindo cerca de 680 quilogramas e 5,5 metros – pode ter sido uma chita construída para a velocidade, em vez de força bruta.
“A partir deste artigo, a nossa área precisa de partir do pressuposto de que o Nanotyrannus é uma espécie válida”, diz Napoli. “Há um grande volume de investigações que precisa de ser completamente reavaliado.”
Se confirmada, a descoberta poderá reformular o que os cientistas sabem sobre o predador pré-histórico mais famoso da Terra e fornecer informações sobre outros carnívoros que vagavam pela paisagem do final do Cretácico. Os autores acrescentam que os seus resultados também podem levar a uma reanálise abrangente de como o T. rex cresceu e se desenvolveu. Algumas das principais teorias, dizem eles, foram construídas com base na suposição de que os fósseis de Nanotyrannus representavam o T. rex durante a sua adolescência desajeitada, uma noção que a nova investigação pode derrubar.
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O espécime N. lancensis no fóssil Dueling Dinosaurs preserva a primeira cauda completa deste género.
“Ainda não estou pronto para proclamar que todos os esqueletos menores de tiranossauros são Nanotyrannus. Alguns deles devem ser T. rex juvenis”, diz Steve Brusatte, explorador da National Geographic e paleontólogo da Universidade de Edimburgo, na Escócia, que há muito argumenta que o Nanotyrannus é apenas um T.rex jovem. Mas ele diz que os argumentos a favor da existência do Nanotyrannus são inegavelmente fortes.
“É maravilhoso quando novas evidências mostram que algumas das nossas noções apaixonadas – as minhas noções apaixonadas como investigador de tiranossauros – provavelmente estão erradas”, acrescenta. “Isso é ciência, e com fósseis, sempre temos que ser humildes com a realidade de que estamos a lidar com amostras tão pequenas, pistas tão escassas de milhões de anos atrás, e cada nova descoberta tem a possibilidade de derrubar o conhecimento convencional.”