O mesmo festival onde Kleber Mendonça Filho e Wagner Moura receberam os troféus de melhor diretor e ator, por “O Agente Secreto”, há seis meses, também marcou o primeiro encontro da dupla. Foi em Cannes que nasceu o desejo de ambos trabalharem juntos. O fato aconteceu há exatamente 20 anos, quando Wagner acompanhava a exibição de “Cidade Baixa”, dirigido por Sérgio Machado. Enquanto Kleber fazia a cobertura para um jornal pernambucano, como crítico de cinema.

“Quando você faz filmes como cineasta, existe uma lista muito pessoal de nomes com quem queremos trabalhar, mas nem sempre os filmes se encaixam com a pessoa. E às vezes se encaixam, mas aí ela está fazendo uma série para a Netflix”, registra Kleber, em tom bem-humorado. “Eu já sabia que ele era bom ator, já tinha visto bons trabalhos feitos por ele, mas sabe quando você encontra uma pessoa e tem a sensação de que aquele é um cara que vai fazer muita coisa boa?”, afirma.

A dupla comemora as escolhas que fizeram até aqui, ao toparem, a pedido da distribuidora internacional Neon, “seguir o filme onde ele fosse”, como gosta de dizer o diretor. No exterior, passaram por dezenas de países, realizando exibições especiais para votantes da premiação máxima do cinema. No Brasil, Kleber chama a atenção para a ordem das cidades que receberam pré-estreias. “Aconteceu uma coisa interessante: a ordem foi invertida. Então, o Recife, o Nordeste, mas também Manaus e Belém, viram o filme antes”.

A exibição na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, na semana passada, marcou uma contagem regressiva para a estreia, que acontece nesta quinta-feira. “Para ficar claro, a Mostra é uma âncora na programação cinematográfica do país. O Festival do Rio também, na maneira como a gente olha para a programação de exibições especiais no país. Mas queria que o filme fosse exibido, em sua primeiríssima vez no Brasil, em Recife”, explica Kleber, citando a cidade onde nasceu e que serviu de locação para o filme.

Para essa exibição especial na capital pernambucana, aliás, foram levados 110 exibidores de todo o país. “Foi uma inversão maravilhosa também da lógica, porque normalmente um filme vem para o Itaim (bairro de São Paulo) ou para o Leblon (no Rio de Janeiro), mas dessa vez a gente levou todo mundo para o Recife para ver o filme pela primeira vez. Eu achei isso chique”, destaca o diretor, que ainda reforçou a necessidade de um cinema plural, fora do eixo Rio-São Paulo.

“Qualquer filme precisa ser autêntico e honesto. E quanto mais o cinema brasileiro puder ser produzido, filmado e visto, nós teremos menos barreiras para detalhes como, por exemplo, o sotaque. Eu cresci no Recife ouvindo as novelas da Globo com o sotaque carioca. E vendo histórias de atores pernambucanos e de todo o Nordeste que iam para o Sudeste, tendo que passar por uma lobotomia, por uma fonoaudióloga, para perder seus sotaques”, diz Kleber, que também não quis se filiar a um único linguajar. 

“Meus filmes nunca mudaram o sotaque. Na verdade, eles têm múltiplos sotaques. ‘O Agente Secreto’ tem paulista, gaúcha, alemão, pernambucano, sertanejo… Essa é a beleza de um bom filme brasileiro. A gente vê filme do Mato Grosso, do Pará, do Rio Grande do Sul, da Bahia, e claro, de São Paulo e Rio de Janeiro. Depois de fazer ‘Som ao Redor’, ‘Aquarius’, ‘Bacurau’ e “Retratos Fantasmas’, eu francamente espero que esse filme não seja recebido com nenhum estranhamento em relação a nenhum sotaque”, avisa. (Com Rodrigo Salem e Tetê Ribeiro/Folhapress)