Está em causa uma ação judicial proposta por uma acionista minoritária, titular de 900 ações da Luz Saúde, que pretende exercer o seu direito de alienação potestativo. Mas pede que a compra seja feita a mil euros por ação e a Fidelidade contesta este valor e apresenta uma análise preliminar baseada em dois critérios de avaliação que avaliam a empresa, sem incluir a dívida, entre 715,5 milhões de euros e 890,2 milhões de euros.

A Fidelidade vai ter de comprar 900 ações da Luz Saúde de uma acionista minoritária ao preço que for determinado pelo Tribunal do Comércio de Lisboa.

A acionista minoritária, Ana Cristina Meireles, pôs uma ação contra a Fidelidade junto deste Tribunal para exercer o direito de alienação potestativa de ações da Luz Saúde invocando o artigo 490º do Código das Sociedades Comerciais (Aquisições tendentes ao domínio total) e pede que o Tribunal declare a transmissão das suas ações para a Fidelidade e que fixe judicialmente o respetivo valor a pagar.

A obrigação de aquisição potestativa das ações decorre do facto de a Fidelidade ter ultrapassado os 90% da Luz Saúde. A Fidelidade detém uma participação histórica no capital da Luz Saúde, a qual neste momento ainda representa 99,86% do respetivo capital social (há 0,14% de capital disperso por minoritários).

Recorde-se que a Fidelidade acordou em setembro a venda de 40% da Luz Saúde ao grupo australiano Macquarie por 310 milhões, mantendo a posição maioritária na empresa. O que avalia a totalidade da empresa pelo Entreprise Value (inclui a dívida) em 1,1 mil milhões de euros. Mas a conclusão do negócio está sujeita a aprovações regulatórias e deverá ocorrer até ao final de 2025, pelo que mantém ainda os 99,86%.

A acionista minoritária da Luz Saúde pede que a empresa seja avaliada em mil milhões, já que indicou “que o preço que considerava justo seria de, pelo menos, 1.000,00 (mil euros) por ação – ou seja, 900 mil euros no total –, sem prejuízo de a avaliação implícita no anúncio relativo à oferta pública inicial que tem vindo a ser sistematicamente anunciada, apesar de sempre falhada a intenção e do preço implícito no acordo que estão a tentar firmar para a entrada de outros acionistas na sociedade”.

A seguradora liderada por Rogério Campos Ferreira já contestou a ação da acionista minoritária Ana Cristina Meireles.

A Fidelidade, na contestação, apresenta outros valores para a Luz Saúde. Na contestação a cargo da Linklatters, a que o Jornal Económico teve acesso, a Fidelidade elabora uma análise preliminar e apresenta dois critérios de avaliação que avaliam a empresa, sem incluir a dívida, entre 715,5 milhões de euros e 890,2 milhões de euros. Isto porque nesta transação só está em causa a compra de ações e não a assumpção de dívida.

Há no entanto quem defenda que o método certo de avaliação de uma empresa é pelos fluxos de caixa descontados.

Pelo critério de múltiplos de mercado (e aplicando um múltiplo de 9,2x ao Enterprise Value (EV) que é de 115,3 milhões o valor a que a Fidelidade chega é de 1.061 milhões de euros. Mas pelo Equity Value  (EV de 1.061 milhões – Dívida Líquida que é de 343,5 milhões) chega ao valor de 717,5 milhões de euros. Logo o valor por cada uma das 95.542.254 que compõem o capital é de 7,51 euros.

Depois pelo critério de múltiplos de transação – e aqui foram tidas em conta operações de aquisição de controlo de sociedades do mesmo setor no contexto europeu nos exercícios mais recentes, abrangendo operações como a
aquisição da Groupe Elsan (França), Grupo Quirónsalud (Espanha), GHG Group (Reino Unido), e Ramsay Santé (França), o valor sobe ligeiramente.

Foi aplicado um múltiplo de 10,7x EV/EBITDA. Para aplicação desta metodologia, “procedeu-se à determinação do EBITDA ajustado da Luz Saúde que ascende a 115,3 milhões de euros”, diz a Fidelidade na contestação.

Assim, aplicando o múltiplo 10,7x ao Enterprise Value (EV) de 115,3 milhões chega-se a um valor de 1.233,7 milhões de euros.

Mais uma vez retirando aqui o valor da dívida líquida de 343,5 milhões, chega-se ao Equity Value de 890,2 milhões de euros (1.233,7 milhões – 343,5 milhões de euros).

Mas o valor das ações da Luz Saúde vai ser determinado por perícia colegial de três peritos, um nomeado pelo Tribunal do Comércio, outro pela Fidelidade e outro pela Autora da ação.

Citada a sociedade, o juiz designa perito para proceder à avaliação.

Na contestação os advogados da Linklatters sublinham que “para efeitos de determinação do valor de uma participação social, deve o perito  designado recorrer a metodologias de avaliação comummente aceites tanto nos mercados financeiros internacionais como em processos judiciais de natureza societária, designadamente os métodos de múltiplos de mercado e de múltiplos de transação, com referência ao indicador EV/EBITDA (Enterprise Value/EBITDA)”.

A defesa da Fidelidade refere ainda que “no apuramento do valor justo de mercado de uma participação social minoritária ilíquida, as características intrínsecas dessa participação devem ser consideradas, o que acontece através da aferição do justo minority discount (desconto sobre a participação minoritária). Este minority discount corresponde a uma redução do valor atribuído a uma participação social minoritária numa empresa, refletindo de forma justa a ausência de controlo e de influência associada a tal posição (lack of control)”.

Isto significa que “uma participação minoritária é, frequentemente, avaliada abaixo do correspondente valor proporcional ao capital social, pela inexistência de poder para, a título de exemplo, dirigir a gestão, aprovar decisões estratégicas, influenciar a distribuição de lucros ou determinar a alienação de ativos relevantes, bem como pela ausência de procura no mercado deste tipo de participações, o que diminui também o seu valor”.

O documento cita uma carta datada de 11 de agosto de 2025, onde “a Autora comunicou à Fidelidade que pretendia que a mesma adquirisse a sua participação social (de 900 ações) no capital da Luz Saúde, exigindo, por escrito, que a Fidelidade lhe fizesse uma oferta para esse efeito mediante uma contrapartida em dinheiro”.

Ana Cristina Meireles indicou ainda que, “caso a Fidelidade não apresentasse qualquer oferta ou se a mesma não fosse satisfatória” para os seus interesses, “iria propor uma ação judicial peticionando ao tribunal que declarasse as ações da sua titularidade como adquiridas pela Fidelidade desde a data da propositura da ação, fixasse o valor em dinheiro da
participação minoritária em causa e condenasse a Fidelidade a pagar o valor apurado, nos termos do artigo 490.º, n.º 6 do CSC”.

O que diz a Fidelidade?

Contactada fonte oficial da seguradora diz que “trata-se de uma ação judicial proposta por uma acionista minoritária, titular de 900 ações da Luz Saúde, pretendendo exercer o seu direito de alienação potestativo, ação esta que foi contestada, por um lado, com fundamento em razões processuais (erro na forma do processo) e, por outro, com fundamento em razões de mérito, pois a Autora exige, sem qualquer fundamentação, lhe seja pago o preço (totalmente exagerado) de 1.000 euros por ação”.

“Ora, na contestação da Fidelidade no processo número 23395/25.9T8LSB que aqui está em causa, a Fidelidade avalia as ações da Luz Saúde entre os 7,51 euros e os 9,32  euros por ação. Ou seja, avalia a Luz Saúde entre os 717,5 milhões e os 890,4 milhões de euros. Estes são os valores que resultam da aplicação das metodologias de avaliação comummente aceites, tanto nos mercados financeiros internacionais, como em processos judiciais de natureza societária, mais precisamente os métodos de múltiplos de mercado e de múltiplos de transação, com referência ao indicador Enterprise Value/EBITDA, para o presente exercício, os quais estão explicados em detalhe no Documento 4 da Contestação, e que permitem captar o valor económico expectável para a totalidade do capital, quer em situação de mercado contínuo, quer em casos de transferência de controlo, constituindo uma referência objetiva, ancorada em dados efetivos de mercado e de operações realizadas com entidades semelhantes, tal como minuciosamente explicitado nos artigos 48 a 61 da Contestação”.

A Fidelidade sublinha que “como é bom de ver, não há qualquer aproximação possível entre a proposta não fundamentada e absurdamente excessiva, apresentada pela Autora, na ação judicial (1.000 euros por ação) e o valor a que chega a Fidelidade de acordo com critérios objetivos e de mercado supra-indicados, valores estes que se situam entre os 7,51 e os 9,32 euros por ação”.

“Por este motivo a ação judicial não pôde deixar de ser contestada e seguirá os seus trâmites”, refere a Fidelidade.

Quem é Ana Cristina Meireles?

Ana Cristina Meireles é uma acionista minoritária que tem mais do que as 900 ações da Luz Saúde que está a usar nesta ação. Pois tem outras ações da empresa a sustentar a outra ação judicial interposta há mais de 10 anos.

Isto porque Ana Cristina Meireles integra também uma ação popular mais antiga sobre as ações da Luz Saúde quando eram cotadas e que deu este ano entrada no  Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

Esta ação foi interposta por um grupo de três investidores que comprou ações da Espírito Santo Saúde (ES Saúde) após o lançamento da oferta pública de aquisição (OPA), em outubro de 2014, e que não teve direito a exercer o mecanismo de alienação potestativa. A Fidelidade lançou na altura uma oferta pública de aquisição (OPA) sobre a então Espírito Santo Saúde (ES Saúde), tendo ficado com mais de 96% do capital e mudado o nome, meses depois, para Luz Saúde.

O grupo de investidores que se queixa da atuação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) avançou para os tribunais e o Supremo Tribunal Administrativo (STA) decidiu agora submeter o processo à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), depois de aquele já ter passado por duas instâncias em Portugal, de acordo com um acórdão do STA, datado de 13 de fevereiro deste ano.