Sincronizar a alimentação com o relógio biológico pode ser uma estratégia poderosa na perda de peso. Um estudo recente apresentado no Nutrition 2025, um dos maiores congressos de nutrição do mundo, mostrou que adultos com sobrepeso ou obesidade que seguiram uma dieta adaptada ao seu cronotipo – a tendência natural de ser mais ativo e alerta pela manhã ou à noite – tiveram uma perda de gordura corporal maior e melhorias na saúde metabólica e na microbiota intestinal em comparação com quem seguiu apenas uma dieta hipocalórica tradicional. Com o avanço das pesquisas sobre ritmo circadiano, entender e respeitar o cronotipo individual começa a ganhar espaço como ferramenta prática no cuidado nutricional e no controle do peso.
Cada pessoa tem um ‘relógio biológico’ que regula os processos cíclicos do corpo, como o sono e a fome Foto: skypicsstudio/Adobe Stock
O que é cronotipo e por que ele importa
Cada pessoa tem um “relógio biológico” que regula os processos cíclicos do corpo, como o sono, a vigília, a fome, a temperatura corporal e a liberação de hormônios ao longo das 24 horas. Esse sistema é coordenado por estruturas no cérebro que recebem a sinalização de luz e escuro captada pela retina e controlam a liberação de melatonina, o hormônio que regula o ciclo sono-vigília.
“As funções do organismo são reguladas por um sistema temporal interno, que está em sincronia com o ambiente externo. Assim, a alternância entre o claro e o escuro sinaliza ao organismo o dia e a noite, de modo que as funções seguem uma ordem temporal interna. Dessa forma, o organismo está preparado para comer durante o dia e não à noite, uma vez que o ser humano é diurno (ao contrário da coruja, por exemplo, que é noturna)”, explica Claudia Moreno, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em cronobiologia.
Já existem evidências de que fazer refeições mais tarde pode favorecer o ganho de peso. Em um estudo com mais de 20 mil brasileiros, Claudia e outros pesquisadores analisaram a relação entre o horário em que as pessoas comem e a obesidade. Os resultados mostraram que padrões de alimentação com refeições tardias estavam significativamente associados a um IMC (Índice de Massa Corporal) mais alto, além de maior risco de sobrepeso e obesidade.
Mas essa temporalidade não é idêntica para todos. “As pessoas variam em termos de fase da ordem temporal interna, isto é, há quem tenha uma fase de ritmos internos mais adiantada e outros, mais atrasada”, diz Claudia.
“Em outras palavras, há pessoas matutinas, que realizam suas funções mais cedo, assim como há pessoas vespertinas, que expressam comportamentos como comer, dormir e acordar mais tardios. A essa característica dá-se o nome de cronotipo”, afirma. Veja ao fim do texto o teste para identificar seu perfil.
O impacto de comer de acordo com o cronotipo
Alinhar os horários das refeições ao cronotipo pode aumentar a eficiência metabólica, facilitando a perda de peso e a redução de gordura em quem tem sobrepeso ou obesidade.
“O cronotipo indica em que momento do dia o nosso metabolismo funciona melhor, e isso varia se a pessoa é matutina ou vespertina”, explica Monica Andersen, professora do departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Os mecanismos fisiológicos que explicam esse fenômeno incluem melhor aproveitamento dos picos metabólicos ao adaptar as refeições aos períodos de maior atividade metabólica (pela manhã para matutinos e à tarde/noite para vespertinos), quando há maior eficiência na digestão e absorção de nutrientes; aumento da atividade anti-inflamatória; melhora da microbiota intestinal e melhora da sensibilidade à insulina.
Outros benefícios
Além de ajudar na perda de peso e na redução de gordura corporal, ajustar os horários das refeições ao cronotipo pode trazer ganhos importantes para a saúde cardiometabólica, como a queda nos níveis de glicemia, colesterol total e LDL.
“Esse alinhamento também pode melhorar a composição da microbiota intestinal e aumentar a adesão à dieta, principalmente entre os vespertinos, que costumam ter mais dificuldade para seguir os horários tradicionais das refeições”, afirma Monica.
Os vespertinos também podem ter como benefício a melhora na qualidade do sono, já que são mais vulneráveis aos efeitos negativos de comer tarde e em grandes quantidades. “Reduzir a ingestão de alimentos em horários biologicamente inadequados ajuda na consolidação do sono noturno e na regulação do ritmo circadiano”, diz.
Outro ponto relevante é o melhor controle do apetite e da compulsão alimentar noturna, favorecido pela maior estabilidade hormonal, incluindo a ação de grelina e leptina, hormônios fundamentais para o equilíbrio entre fome e saciedade.
Dietas adaptadas substituem o déficit calórico?
As dietas adaptadas ao cronotipo não substituem o déficit calórico, mas podem potencializá-lo, tornando o processo de perda de peso mais eficaz e sustentável. “Dietas hipocalóricas podem não ser efetivas quando a alimentação é feita em horários em que o organismo não está preparado para ingerir alimentos”, destaca Claudia.
Monica ressalta que a sincronia metabólica promovida pela dieta adaptada ao cronotipo não substitui a necessidade de déficit calórico para a perda de peso, mas pode otimizá-lo, tornando o processo mais eficiente e fisiologicamente coerente. Ela ainda acrescenta que respeitar os horários preferenciais favorece a adesão ao plano alimentar, fator essencial para o sucesso de longo prazo.
Existem riscos?
Até o momento, não existem contraindicações ou efeitos adversos relatados em dietas adaptadas ao cronotipo, mas é fundamental ter acompanhamento profissional para garantir a adequação nutricional e o alinhamento com condições de saúde específicas.
Em caso de transtornos alimentares, rotinas desreguladas ou condições de saúde como diabetes, por exemplo, a personalização deve ser cuidadosamente monitorada. Para crianças e adolescentes em fase de crescimento, dietas restritivas, mesmo quando adaptadas ao cronotipo, só devem ser aplicadas com supervisão especializada.
Como descobrir seu cronotipo
No livro O Ciclo da Vida (Editora Objetiva), o autor Russell Foster, professor de Neurociência Circadiana em Oxford e diretor do Instituto de Neurociência do Sono e Ritmos Circadianos (SCNi), inclui um questionário* que permite estimar o cronotipo.
Para cada pergunta, selecione a resposta que descreve seu caso, escolhendo o que melhor indica como você se sentiu nas últimas semanas.
1. A que horas, aproximadamente, você acordaria se tivesse liberdade total para planejar seu dia?
- 5h-6h30 (5)
- 6h40-7h45 (4)
- 7h45-9h45 (3)
- 9h45-11h (2)
- 11h-12h (1)
2. A que horas, aproximadamente, você iria dormir se tivesse liberdade total para planejar sua noite?
- 20h-21h (5)
- 21h-22h15 (4)
- 22h15-0h30 (3)
- 0h30-1h45 (2)
- 1h45-3h (1)
3. Caso tenha que acordar rotineiramente em um horário específico pela manhã, até que ponto você depende de um despertador?
- Nunca (4)
- Raramente (3)
- Às vezes (2)
- Quase sempre (1)
4. Com que facilidade você acorda de manhã (quando não acordam você inesperadamente)?
- Com muita facilidade (4)
- Com certa facilidade (3)
- Com certa dificuldade (2)
- Com muita dificuldade (1)
5. O quanto você se sente alerta na primeira meia hora depois de acordar, pela manhã?
- Nem um pouco alerta (1)
- Ligeiramente alerta (2)
- Razoavelmente alerta (3)
- Bastante alerta (4)
6. Quanta fome você sente na primeira meia hora depois de acordar?
- Nenhuma fome (1)
- Leve fome (2)
- Bastante fome (3)
- Muita fome (4)
7. O que você sente na primeira meia hora depois de acordar?
- Muito cansaço (1)
- Bastante cansaço (2)
- Bastante ânimo (3)
- Muito ânimo (4)
8. Quando você não tem compromissos no dia seguinte, a que horas vai dormir, na comparação com seu horário normal?
- Praticamente no mesmo horário (4)
- Até uma hora mais tarde (3)
- De uma a duas horas mais tarde (2)
- Mais de duas horas mais tarde (1)
9. Você resolveu começar a se exercitar. Um amigo sugere que treine duas vezes por semana, e para ele o melhor horário é entre 7h e 8h da manhã. Considerando apenas seu relógio biológico interno, como acha que estaria nesse horário?
- Estaria em boa forma (4)
- Estaria em forma razoável (3)
- Sentiria dificuldade (2)
- Sentiria muita dificuldade (1)
10. A que horas da noite, aproximadamente, você sente cansaço e, por causa disso, precisa dormir?
- 20h-21h (5)
- 21h-22h15 (4)
- 22h15-0h45 3)
- 0h45-2h (2)
- 2h-3h (1)
11. Você quer estar no auge do desempenho para uma prova que sabe que será mentalmente cansativa e vai durar duas horas. Tem liberdade total para planejar seu dia. Considerando apenas seu relógio biológico interno, qual destes quatro horários você escolheria para fazer a prova?
- 8h-10h (6)
- 11h-13h (4)
- 15h-17h (2)
- 19h-21h (0)
12. Quando você vai dormir às 23h, até que ponto sente cansaço?
- Nem um pouco (0)
- Um pouco (2)
- Razoavelmente (3)
- Muito (5)
13. Suponha que você tenha ido dormir várias horas mais tarde que o normal, mas sem necessidade de acordar em um horário específico no dia seguinte. O que é mais provável que aconteça?
- Acordo na hora normal, mas não volto a dormir (4)
- Acordo na hora normal, mas dou umas cochiladas depois (3)
- Acordo na hora normal, mas caio no sono depois (2)
- Acordo mais tarde que o normal (1)
14. Certa noite, você precisou ficar acordado(a) entre as 4h e as 6h da manhã para dar um plantão noturno. Você não tem compromissos no dia seguinte. Qual destas alternativas corresponde melhor a você?
- Não durmo até a hora do plantão (1)
- Dou uma cochilada antes e durmo depois (2)
- Durmo bastante antes e dou uma cochilada depois (3)
- Durmo apenas antes do plantão (4)
15. Você tem pela frente duas horas de trabalho braçal pesado. Tem total liberdade para planejar seu dia. Considerando apenas seu relógio biológico interno, qual destes horários você escolheria?
- 8h-10h (4)
- 11h-13h (3)
- 15h-17h (2)
- 19h-21h (1)
16. Você resolveu começar a se exercitar. Uma amiga sugere que você treine durante uma hora, duas vezes por semana. O melhor horário para ela é entre 22h e 23h. Considerando apenas seu relógio biológico interno, como você acha que estaria nesse horário?
- Estaria em boa forma (1)
- Estaria em forma razoável (2)
- Sentiria dificuldade (3)
- Sentiria muita dificuldade (4)
17. Suponha que você pode escolher seu horário de trabalho. Sua jornada é de cinco horas diárias (incluindo intervalos), seu trabalho é interessante e você é remunerado pela produtividade. A que horas, aproximadamente, você escolheria começar?
- Entre 4h e 8h (5)
- Entre 8h e 9h (4)
- Entre 9h e 14h (3)
- Entre 14h e 17h (2)
- Entre 17h e 4h (1)
18. Em que horário do dia, aproximadamente, você se sente melhor?
- 5h-8h (5)
- 8h-10h (4)
- 10h-17h (3)
- 17h-22h (2)
- 22h-5h (1)
19. Você já ouviu falar em pessoas matutinas e pessoas noturnas. Qual desses tipos você considera ser?
- Com certeza do tipo matutino (6)
- Mais matutino do que noturno (4)
- Mais noturno do que matutino (2)
- Com certeza do tipo noturno (1)
Como interpretar e usar sua pontuação diurna/noturna
O questionário tem 19 perguntas, cada uma com uma pontuação. Primeiro, some os pontos das alternativas que escolheu e anote sua pontuação. Ela pode ir de 16 a 86. Pontuações de 41 ou menos indicam tipos vespertinos/noturnos. Somas de 59 para cima indicam tipos diurnos. Escores entre 42 e 58 indicam tipos intermediários:
16-30 – Muito noturno
31-41 – Moderadamente noturno
42-58 – Intermediário
59-69 – Moderadamente diurno
70-86 – Muito diurno
*O questionário se baseia em um artigo original de J. A. Horne e O. Ostberg, “A self-assessment questionnaire to determine morningness-eveningness in human circadian rhythms”, publicado no International Journal of Chronobiology.