AMOR POR ACASO || Natacha e Hugo não sabiam na altura mas eram os únicos tripulantes de cabine portugueses no Catar. Um dia, um telefonema por engano mudou tudo

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Quando Natacha atendeu o telefone naquele dia em abril de 2006, não imaginava que do outro lado estaria o futuro marido.

Hugo tinha acabado de chegar a Doha, onde iria começar o curso de tripulante de cabina para trabalhar na Qatar Airways. Em Portugal, já tinha trabalhado noutra companhia aérea, mas aos 28 anos ambicionava mais. “Eu fui para o Catar com espírito de aventura”, conta à CNN Portugal. “Tinha acabado de sair da companhia aérea onde estava e continuava com aquela vontade de trabalhar na aviação e de voar.”

Natacha mudara-se de Portugal para o Catar um ano antes, para cumprir o mesmo sonho. Afinal, o pai era piloto na Qatar Airways e já lá estava “há muitos anos”. Depois de ter sido “rejeitada” na primeira vez que se candidatou, à segunda conseguiu entrar na companhia aérea. Tinha 21 anos.

Assim que chegou ao Catar, Hugo tentou contactar um piloto com quem tinha feito amizade anos antes, quando ainda trabalhava em Portugal. Dirigiu-se ao segurança do prédio onde viviam os tripulantes. “Agora não sei como é que é, mas na altura havia prédios para tripulantes masculinos e prédios para tripulantes femininas. São muito rigorosos com isso”, conta. “Disse-lhe que andava à procura de um piloto, português.”

Bastou essa descrição para o segurança adivinhar, pelo menos assim pensou, de quem estaria a falar. Afinal, “na altura, havia pouquíssimos portugueses” a trabalhar na aviação em Doha. “Passado um ou dois dias, não me recordo ao certo, o segurança veio ter comigo e disse-me: ‘Tenho aqui o contacto, não é do piloto mas é da filha’.”

Hugo estranhou. “Este piloto de quem eu estava à procura era um piloto novo, estava lá há um ano ou coisa assim, eu sabia que ele não tinha filhos nem filhas. Pelo menos, quero dizer, uma filha que pudesse atender o telefone. Se tivesse, seria eventualmente um bebé”, diz, entre risos.

Ainda assim, telefonou para o número que lhe deram. Do outro lado, atendeu uma voz feminina, com um sotaque familiar. Disse-lhe que queria falar com o seu amigo Frederico. 

O nome desvendou a familiaridade. “Are you portuguese?”, perguntou Natacha. O desconforto inicial deu lugar à estupefação. “Um português? No Catar? O que estás aqui a fazer?”, lembra-se de ter questionado.

Hugo explicou que estava ali para começar o curso de tripulante de cabina. “Que engraçado, eu estou a terminá-lo”, respondeu Natacha. Foi então que lhe perguntou se tinha a certeza que procurava um Frederico e não um Carlos – o nome do seu pai.

“Ele disse que não e riu-se quando percebeu o motivo da confusão: o segurança do prédio tinha-lhe dado o meu número pensando que ele procurava o meu pai, também piloto e português.”

“Éramos os únicos portugueses”

Nessa semana falaram “todos os dias” por telefone – ora sobre o curso, para tirar dúvidas sobre os exames, etc. “Éramos os primeiros tripulantes de cabina portugueses no Catar. Já estavam lá alguns pilotos, um deles era o pai da Natacha, mas tripulantes de cabina éramos os únicos.”

Resolveram então marcar uma hora para se encontrarem no edifício onde tinham a formação. “Lembro-me perfeitamente de ela estar numa porta ao fundo, eu chego, olho para ela, ela olha para mim. Não tinha bem a certeza se ela tinha ar de portuguesa, porque ela tinha um estilo um bocado diferente, apesar de estar formal, de fato e gravata e cabelo apanhado.”

Depois desse primeiro encontro, decidiram marcar outro, desta vez fora das instalações. “Eu estava com medo e levei uma amiga”, recorda Natacha, entre risos. “A partir daí, começámos a encontrar-nos com muita regularidade. Sempre que tínhamos possibilidade, íamos jantar fora”, acrescenta Hugo.

Certo dia, num desses encontros, Natacha surpreende-o oferecendo-lhe um bilhete. “Dizia: ‘queres namorar comigo?’ E depois dois quadrados desenhados com a opção de sim ou não”, recorda Hugo, que admite que não estava à espera. 

Afinal, tinham passado três semanas desde aquele telefonema por engano. “A minha ideia não era essa. Eu não queria estar a atirar-me assim logo de cabeça, e ela provavelmente pensava o mesmo”, confessa.

“Eu estava caidinha”, corrige Natacha, com um largo sorriso nos lábios.

Foi assim, naquele 26 de abril de 2006, que começaram a namorar. Natacha lembra-se de receber um telefonema do pai poucos dias depois. “Ele ligou-me e perguntou: ‘Então namoras com um português chamado Hugo e não me dizes nada?”

“O mundo da aviação é muito pequenino”, explica. “Éramos os únicos portugueses”, recorda Hugo. “Toda a gente sabia que se falassem de um português e de uma portuguesa era eu e a Natacha.”

Um voo “surpresa”

Natacha resolveu convidar Hugo para ir lá a casa conhecer o pai, não sem antes pedir autorização. “Eu lembro-me que pedi ao meu pai se podias ir lá a casa e ele disse ‘claro que sim’ e desligou o telefone”, conta. “Dois minutos depois, o meu pai telefona-me e diz: ‘Olha Natacha, o Hugo é muito bem-vindo mas não quero que tu tragas o Hugo hoje e depois daqui a uma ou duas semanas conheceste não sei quem e não pode ser. Portanto é assim: se achares que esta relação vai durar, ele vai, se não, ele vem noutro dia. E eu disse ‘está bem’. Virei-me para o Hugo e disse: ‘o meu pai convidou-te’”, lembra, entre risos.

Natacha não sabia explicar, mas não tinha dúvidas de que passaria o resto da vida ao lado de Hugo. Os anos que se seguiram colocaram-nos à prova.

Certo dia, com a data do seu aniversário a aproximar-se, Natacha fez um pedido ao pai: queria voar com ele. “Mas tu sabes que isso é proibido”, respondeu-lhe o pai. Ela insistiu: nunca tinham feito um voo juntos e sabia que um dia mais tarde iria querer guardar essa recordação.

“Quando saiu a escala dos voos, fui ver os nomes. Vejo o nome do meu pai, mas não estava à espera de ver o nome do Hugo. O meu pai pediu para colocarem também o nome dele. Foi uma surpresa.”

“O pai dela era um comandante à antiga, era carismático, toda a gente gostava dele. Na aviação, por vezes há pilotos e comandantes que são intragáveis, mas depois há outros que são impecáveis. O pai dela era assim”, descreve Hugo, explicando que talvez tenha sido por isso que aquele voo foi possível.

“Lembro-me que não dormi nessa noite, o pick-up era às 06:00 e eu estava acordadíssima de tão ansiosa e contente que estava”, recorda Natacha.

“Foi o único voo que fiz com o meu pai.”

O dia em que Natacha (a segunda da direita) voou com o pai (o primeiro da direita) e com o então namorado (o segundo da direita). "O que ninguém sabia era que éramos família."

O dia em que Natacha (a segunda da direita) voou com o pai (o primeiro da direita) e com o então namorado (o segundo da direita). “O que ninguém sabia era que éramos família.”

Em 2008 voltaram a Portugal. Entretanto, Natacha teve uma oportunidade para ir trabalhar para outra companhia aérea nos Emirados Árabes Unidos. “Fui sozinha para Abu Dhabi e fiquei lá a viver sete anos.”

“Foi uma altura difícil para nós”, admite Natacha. Dois anos depois, Hugo conseguiu arranjar emprego em Abu Dhabi como vendedor numa empresa de automóveis, mas confessa que não se sentia “realizado a nível profissional”. Cerca de um ano e meio depois, voltou para Portugal.

Apesar da distância, conseguiam sempre arranjar forma de estarem juntos, fosse onde fosse. “Viamo-nos constantemente, ou porque ela vinha para a Europa – para Madrid, Roma, Londres – ou porque eu ia ter com ela a Abu Dhabi.”

“Como estávamos sempre a encontrar-nos em sítios diferentes, parecia que estávamos sempre em lua de mel”, lembra Hugo. “Cada vez que nos víamos um ao outro era uma coisa arrebatadora.”

"A distância aumentava ainda mais a vontade de nos vermos um ao outro." Natacha e Hugo faziam de tudo para se encontrarem, fosse onde fosse. "No máximo, passámos um mês longe um do outro."

“A distância aumentava ainda mais a vontade de nos vermos um ao outro”. Natacha e Hugo faziam de tudo para se encontrarem, fosse onde fosse. “No máximo, passámos um mês longe um do outro.”

O pedido de casamento surgiu numa dessas viagens, em Milão, em dezembro de 2014. “Eu arranquei de Portugal já com a aliança no bolso”, recorda Hugo. “Eu tinha umas ideias para o pedido, mas os sítios onde eu queria ir ou estavam fechados ou não permitiam.” Quando estavam a passear pela Piazza del Duomo, Hugo dirigiu-se a um grupo de turistas para lhes pedir uma fotografia. “Vão fazer de conta que vão fotografar, mas eu vou pôr isto a gravar e vou pedi-la em casamento”, lembra-se de os ter instruído. E assim foi.

Em março do ano seguinte, casaram-se pelo civil na embaixada em Abu Dhabi e, um ano depois, reuniram a família e amigos numa cerimónia na praia em Phuket, na Tailândia.

Em 2020, sete anos depois de se ter mudado para Abu Dhabi, Natacha perdeu o emprego por causa da covid-19. “Eu estava tão bem lá, foi um dos melhores sítios onde já vivi”, confessa.

“Aliás, nós ainda gostaríamos de eventualmente voltar para os Emirados Árabes Unidos”, aponta Hugo. “Eu nem pensava duas vezes”, complementa Natacha.

Mas “há males que vêm por bem”, acrescenta Hugo. Nessa altura, regressaram a Portugal e cumpriram um sonho: foram pais. Optaram pela fertilização in vitro, devido a alguns problemas de fertilidade. “Começámos os tratamentos e sabíamos que as probabilidades de engravidar à primeira tentativa eram poucas, mas conseguimos.”

“Foi quase um milagre quando, ao fim de três meses, ouvimos o batimento do bebé”, recorda Hugo.

Um novo começo

Na altura, ainda não sabiam qual seria o próximo destino. Sabiam que não queriam ficar em Portugal. “Queríamos ir para a Ásia, mas por causa da covid-19 tínhamos receio”, diz Hugo. “Até me lembro de abrir um mapa e perguntar: qual é um país na Europa, desenvolvido, com bons ordenados e onde eu possa fazer alguma coisa?”

A resposta emergiu no centro: a Suíça. 

Com Natacha ainda grávida, a ideia era que Hugo viajasse primeiro para a Suíça e organizasse tudo antes de se mudarem definitivamente. “Só que eu andava a engonhar, a engonhar, porque estava sempre com coisas para fazer em Portugal, até que um dia, estamos a andar de carro, e ela ia agarrada ao telemóvel, que nem era costume.”

“Virou-se para mim e disse-me: ‘Já está. Já te comprei a passagem para a Suíça, vais no dia tal, voltas no dia tal, ficas em casa de X, ela empresta-te o carro, tens tudo pronto’”, conta Hugo. 

Nessa noite, Hugo, que já tinha experiência como professor de surf, enviou o currículo para trabalhar numa piscina de ondas que sabia que tinha acabado de abrir na Suíça. “No dia seguinte, apanhei o avião e quando aterrei tinha uma resposta deles a dizer que gostavam muito de me conhecer.”

Um mês depois, começou a trabalhar. Entretanto, Nicole nasceu. “Ao princípio ainda fui [para Portugal] e voltei algumas vezes, mas custava-me imenso deixá-las, eu sou doido por elas.”

Hoje, vivem os dois na Suíça, com as duas filhas – depois de Nicole, nasceu Naomi. Natacha abriu entretanto um negócio, NeonKids, uma loja de fatos de banho para crianças. Apesar de estar sediada na Suíça, cada venda reverte um valor simbólico para a associação Acreditar – Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro, em homenagem ao pai.

Apesar de já não trabalharem no setor que outrora os juntou por acaso, continuam com a mesma “paixão pela aviação”. Aliás, “vivemos mesmo ao lado de um aeroporto”, revelam. “Conseguimos ver a pista, vemos a torre de controlo, conseguimos ver uma parte dos aviões a descolar e a aterrar.”

Vinte anos depois daquele telefonema por engano, e após vários desafios superados, continuam lado a lado, tal como Natacha soubera desde início. “Muitas vezes perguntam-me: ‘Acreditas no destino?’ A minha resposta é ‘sim’. Eu própria não acreditava, até conhecer o meu marido.”

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