Numa noite eleitoral em que as atenções estavam concentradas em Nova Iorque, onde foi eleito Zohran Mamdani, os democratas obtiveram uma vitória tão ou mais relevante do que a protagonizada na “Big Apple” e que, em teoria, pode esvaziar muito do poder do Presidente Donald Trump.

Na Califórnia, os eleitores votaram largamente a favor da Proposta 50, uma iniciativa legislativa que permite que o Congresso estadual possa redesenhar os círculos eleitorais, ignorando o trabalho de uma comissão independente que esteve até agora encarregada dessa tarefa.

O principal efeito é permitir que os distritos eleitorais possam ser desenhados de acordo com a vontade do Partido Democrata, que detém a maioria no Congresso estadual. No limite, a nova geografia eleitoral do maior estado do Colégio Eleitoral poderá permitir que os democratas consigam eleger mais cinco congressistas nas eleições intercalares do próximo ano, passando de 43 para 48.


A vitória da Proposta 50 com mais de 60% dos votos está integrada num confronto a nível nacional entre os dois partidos pelo controlo para redesenhar círculos eleitorais que os venham a beneficiar nas próximas eleições para o Congresso. A prática conhecida tradicionalmente como gerrymandering é algo comum nos EUA, mas ganhou um impulso inédito com os esforços recentes de Trump, que tem incentivado governadores republicanos a redesenhar os mapas eleitorais dos seus estados para favorecer o partido no futuro.

Em termos simples, trata-se de alargar círculos eleitorais que pendem para um dos partidos que sejam vizinhos de círculos do adversário e integrá-los no mesmo, diluindo a maioria no círculo que tradicionalmente apoia o partido adversário.

Em Julho, Trump deu instruções aos republicanos que detêm a maioria no Congresso estadual do Texas para redesenharem vários círculos que habitualmente votam maioritariamente no Partido Democrata, sobretudo nas zonas urbanas de Dallas, Houston e Austin, unindo-os a círculos suburbanos ou rurais alinhados com os republicanos. Os cálculos apontam para que o Partido Republicano possa conseguir eleger mais cinco congressistas com estas mudanças nas intercalares do próximo ano.

Os democratas acusam o Presidente de querer instrumentalizar as maiorias republicanas nas assembleias estaduais para distorcer os resultados das eleições intercalares do próximo ano — será eleita uma nova Câmara dos Representantes e um terço dos lugares no Senado —, de forma a garantir artificialmente que o partido mantém a maioria no Congresso.

Esse objectivo é fundamental para a segunda metade do mandato de Trump. Caso perca as maiorias parlamentares, a sua acção ficará severamente limitada e, potencialmente, poderá haver espaço para investigações e até para novos processos de impeachment.

Para contrariar os esforços de Trump, os democratas querem usar a mesma estratégia. O governador da Califórnia, Gavin Newsom, pôs-se firmemente ao lado da Proposta 50, dizendo que o partido está a “combater o fogo com o fogo”.

Ao contrário do que se passou no Texas, o poder para redesenhar os círculos eleitorais não depende em exclusivo do Congresso estadual. Em 2010, foi constituída uma comissão independente para esse efeito e a Proposta 50 tinha como objectivo suspender o poder desse órgão e deixar nas mãos da maioria democrata a competência para elaborar um novo mapa eleitoral do estado.

“Mantivemo-nos firmes na resposta à imprudência de Donald Trump e, esta noite, depois de perturbar o urso, o urso rugiu com uma participação eleitoral inédita numa eleição especial com um resultado extraordinário”, afirmou Newsom após a divulgação dos resultados, aludindo ao urso como símbolo do estado.

No entanto, a guerra do gerrymandering pelos estados norte-americanos está longe de terminar. O governador republicano da Florida, Ron DeSantis, já manifestou intenção de redesenhar os círculos do seu estado e há planos semelhantes gizados pelos dois partidos para estados como Nova Iorque, Illinois, Missouri, Ohio e Indiana.