Há mais de 30 anos que o mundo não vê um teste nuclear de uma das duas grandes potências. Na Casa Branca e no Kremlin prepara-se tudo para mudar isso
Fogo com fogo, poder com poder. Não passou sequer um par de horas do comunicado dos Estados Unidos sobre o Minuteman III e a reação da Rússia, que se reuniu de urgência para discutir o que parece ser uma escalada nuclear, mesmo que apenas na retórica.
O presidente russo, Vladimir Putin, ordenou os principais responsáveis das Forças Armadas a apresentarem ideias para retomar os testes nucleares pela primeira vez desde o fim da Guerra Fria.
Em bom rigor, a Rússia nunca fez um teste nuclear, uma vez que o último data de 1990, quando ainda existia a União Soviética. Depois disso não voltou a pegar neste tipo de armas, com os Estados Unidos a seguirem o mesmo passo em 1992. Agora, Vladimir Putin ordena um novo passo que, para já, pode ser apenas retórica, mas não deixa de ser uma escalada.
De lá para cá apenas França, China, Índia, Paquistão e Coreia do Norte fizeram testes do género, sendo que só Pyongyang é que optou por esse caminho neste século, realizando seis lançamentos em cinco períodos diferentes, o último dos quais em 2017.
Por isso mesmo, o lançamento do Minuteman III, um míssil disparado a partir de um silo e que é uma das principais armas para transporte de ogivas nucleares, é um passo em frente da parte dos Estados Unidos, que certamente esperam uma resposta da Rússia.
De resto, o próprio Donald Trump anunciou que pediu ao Pentágono para começar “de imediato” a preparar a retoma dos testes nucleares numa “base igualitária” à Rússia e à China. Dessas palavras ficou logo a dúvida: são testes com bombas nucleares ou testes com propulsão nuclear.
Em conversa no Conselho de Segurança da Rússia, Vladimir Putin disse aos ministros da Defesa e dos Negócios Estrangeiros, bem como aos responsáveis dos serviços especiais e às agências civis de relevo para o assunto, que é necessário estudar o assunto e “apresentar propostas coordenadas sobre o possível começo do trabalho para preparar o teste de armas nucleares”.
Em resposta ao pedido do presidente russo, o ministro da Defesa, Andrei Belousov, afirmou que seria “apropriado começar de imediato as preparações para testes nucleares em pleno”.
Mais uma vez, e tal como no caso dos Estados Unidos, não ficou claro se a Rússia está a falar de testes de detonação nuclear ou apenas de propulsão. A título de exemplo, a realização de um teste com o míssil Poseidon implicou o lançamento de um projétil de propulsão nuclear, que pode levar ogivas nucleares, mas que não as carregou nesse teste de 29 de outubro.
Procurando esclarecer a visão do Kremlin, o porta-voz da presidência russa, Dmitry Peskov, clarificou que “o presidente [Vladimir Putin] não deu ordem para prepararmos um teste”, tendo apenas ordenado um estudo sobre essa possibilidade.
Além do Poseidon, a Rússia também anunciou um teste com um novo míssil de cruzeiro que batizou de Burevestnik. Essas duas armas, aliadas ao teste do Minuteman III, marcam uma clara escalada, pelo menos na retórica, o que traz de volta algumas sensações da Guerra Fria.
Apesar de tratados como o START terem levado os dois países a abandonarem os testes nucleares e o New START ter procurado o desmantelamento faseado dos arsenais de cada uma das duas potências, o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI) nota que o armazenamento global de armas nucleares está a aumentar em vez de diminuir.
Neste momento são nove os países com capacidade nuclear: Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido, França, Paquistão, Índia, Israel e Coreia do Norte.
Em toda a história, e de acordo com a Associação de Controlo de Armas, foram realizados 2.056 testes, dos quais 1.030 foram feitos pelos Estados Unidos e 715 pela Rússia.