Tânia Rêgo / Agência Brasil

Após um caso de violação na semana passada, na noite Lisboa, a PJ recorreu às redes sociais para tentar sensibilizar para os perigos da vida noturna. Só que o exemplo dado – consideram os internautas – não foi o mais feliz. Mulheres apresentam queixa contra a Polícia.
A polémica surgiu numa publicação nas redes sociais, onde a Polícia Judiciária (PJ) tentava sensibilizar para os perigos da vida noturna.
Para isso, deu o exemplo de uma jovem que foi violada na última quarta-feira, em Lisboa.
A PJ mencionou o “estado de inconsciência após consumo excessivo de álcool”, questionando: “quando se sai à noite nunca se pensa neste desfecho, pois não?”
“Em contexto de diversão noturna, e não só, o álcool vulnerabiliza, reduzindo a capacidade de vigília e reação a episódios de violência e abuso sexual. Foi o que aconteceu. A incapacidade de reação, nestas condições, ditou mais uma vítima”, escreveu a autoridade.
A generalidade das pessoas entendeu o post como uma desresponsabilização do agressor, que cometeu o crime, e não da vítima, que estava embriagada.
Afinal, “a vítima é que tem culpa?”, questionaram vários utilizadores, na publicação de Instagram, cujos comentários foram, entretanto, desativados.
“Aqui colocou-se o ónus do lado errado. A vítima tinha direito a ingerir álcool e aliás também não é ilegal ficar inconsciente por isso. No entanto, é crime violar alguém. Que tal mudarmos a narrativa? Sensibilizar o outro lado para que percebam que violar é crime. Uma mulher ter de pensar em beber com muito cuidado porque depois tem menos capacidade de reação só se coloca em causa porque há quem pratique estes crimes, ou seja, o problema está de que lado?”, atirou uma internauta, num comentário que acumulou já quase 1300 gostos.
“Podem não culpabilizar a ingestão de álcool da vítima e sim o ato horrível que o homem cometeu?”, questionou outra utilizadora, também com mais de um milhar de likes.
“Dá para sensibilizar sobre o consumo excessivo de álcool sem ser necessário culpar a vítima do crime”, lembrou ainda outra internauta.
“Estou a achar estranho que quem escreveu isto não tenha dito que usar mini-saia também ajudou ao abuso”, disse, com ironia, um utilizador, lamentando que se coloque “o ónus de um crime no comportamento da vitima em vez de ser no criminoso”.
O comentário com mais apreciações diz: “Polícia Judiciária, não foi a incapacidade de reação que originou a violação, foi a existência de um predador sexual. É fundamental que uma Instituição como a vossa, que muito nos orgulha, promova o discurso correto e seja objetiva onde realmente está o que ónus do crime, no violador, e não culpabilizar a vítima pelo crime de que foi alvo”
“Ninguém, mulher ou homem ‘se põe a jeito’ de forma alguma para justificar uma violação, seja na forma como se veste, onde anda e a que horas, no álcool que consome, etc. É imperativo que se retratem pela Instituição que são e o que representam para a comunidade, pois as vossas palavras deverão sempre ser um bom exemplo e referência”, acrescentou.
O agressor, do caso exemplificado pelo PJ, foi detido, como refere a própria autoridade, por um crime de abuso sexual sobre uma jovem de 17 anos.
Na publicação, a Polícia recomendou “moderar o consumo de álcool”, nas saídas à noite, “não aceitar e vigiar as bebidas” e “recusar boleia de desconhecidos”.
Mulheres apresentam queixa contra PJ
Segundo o Jornal de Notícias, o Movimento Democrático de Mulheres (MDM) apresentou queixa à Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género contra a PJ pelo post nas redes sociais.
O grupo considera que a publicação “estigmatiza, promove uma inaceitável responsabilização das mulheres e desculpabiliza os agressores por práticas criminosas”.
“O texto e a imagem escolhidos deslocam o foco do crime para uma imagem de mulher, insinuando um nexo causal entre ser mulher, sair à noite, consumir álcool e ‘maus desfechos’. Esta narrativa não informa nem previne: estigmatiza de forma inaceitável”, refere a queixa da MDM , citada pelo matutino.
“A prevenção da violência não se faz com sermões às vítimas, reais ou potenciais, nem com mensagens que insinuam que ‘se puseram a jeito’; faz-se nomeando a responsabilidade de quem agride, comunicando de forma processualmente neutra e dirigindo a mensagem a quem deve ser interpelado: sem consentimento explícito, é crime; se a outra pessoa não pode ou não quer, para; quem presencia, intervém em segurança e pede ajuda”, acrescenta.