Aníbal Cavaco Silva manifestou esta sexta-feira o apoio a Luís Marques Mendes nas Presidenciais de 18 de janeiro num artigo publicado no Observador. O ex-Presidente da República fez a defesa do seu antigo ministro em duas frentes: por um lado, elogia qualidades de Mendes como o “bom senso” e a “experiência política”; por outro, atira diretamente a Henrique Gouveia e Melo, que diz não ter as “competências e as qualificações” necessárias para ser Presidente. Cavaco Silva avisa mesmo que o país enfrenta um “risco de instabilidade” caso o chefe de Estado seja o almirante.

O antigo Presidente da República ignora os restantes candidatos e faz apenas uma avaliação a dois: a Marques Mendes, a quem faz rasgados elogios, e a Gouveia e Melo, sobre quem dispara de forma direta e dura. Cavaco Silva apresenta várias razões pelas quais considera que o almirante não seria um bom Presidente. Desde logo coloca em confronto a experiência política de Mendes (“conheço-o bem”) com a de Gouveia e Melo (“não o conheço”), alertando para a importância de ter alguém experiente à frente da Presidência da República no atual contexto internacional.

Por que voto em Luís Marques Mendes para Presidente da República

O antigo Presidente da República desvaloriza ainda aquele que é apontado como o maior feito do almirante. “Sei que fez um bom trabalho como coordenador da distribuição das vacinas Covid 19 durante 8 meses, tal como o fez o oficial das Forças Armadas que lhe sucedeu”, refere Cavaco Silva, que coloca Gouveia e Melo no mesmo patamar do sucessor Carlos Penha Gonçalves. E foi mais longe, puxando dos galões da sua própria experiência militar, para sugerir que haveria muitos militares capazes de fazer o mesmo que Gouveia e Melo: “Prestei serviço militar durante três anos e meio e sei que existem muitos oficiais das nossas Forças Armadas com conhecimentos de logística que seriam capazes de desempenhar igualmente bem a tarefa das vacinas.” Deixa depois uma constatação sobre essa capacidade de organização que caracteriza os militares: “Como é óbvio, não é esse tipo de conhecimento que qualifica um qualquer português para exercer as funções de Presidente da República.”

Cavaco Silva dispara ainda em direção ao almirante com a ideia de que o lado desconhecido de Gouveia e Melo já se começou a revelar (negativamente) e que isso só valida a sua opinião de que não tem capacidades para o desempenho do mais alto cargo da Nação. “As atitudes, afirmações e posições assumidas pelo Almirante Gouveia e Melo depois de desempenhar a tarefa de coordenador da distribuição das vacinas, em particular durante a sua campanha para a eleição presidencial, foram para mim esclarecedoras”, escreve Cavaco Silva.

A conclusão do ex-Presidente é que o almirante até pode ter “muitos predicados”, mas fica para ele claro que “não possui as competências e qualificações para exercer as funções de Presidente da República no quadro internacional incerto e complexo que se perspetiva para os próximos cinco anos.” Cavaco Silva destaca que o resultado das Presidenciais não o afeta “pessoalmente”, mas “em consciência” não podia deixar de “alertar os portugueses” para o “risco de instabilidade” que o país corre se Gouveia e Melo for eleito Presidente.

Cavaco Silva lembra que o próximo Presidente vai estar em funções num “tempo de grande incerteza e complexidade internacional”, elencando a “política errática e agressiva do Presidente Trump em relação à União Europeia”, “a violação das regras da Organização Mundial do Comércio que prejudica as exportações portuguesas”, “a ameaça da Rússia à segurança europeia”, e “a guerra na Ucrânia e no Médio Oriente e a instabilidade dos mercados financeiros.”

Para esse contexto, Cavaco sugere que os portugueses escolham um Presidente “capaz de garantir a estabilidade política, de construir pontes e facilitar consensos é da maior importância.” Daí que desaconselhe vivamente os “portugueses a votarem em candidatos que não possuam os conhecimentos, a experiência política e as qualificações indispensáveis para exercer uma magistratura de influência ativa facilitadora de consensos entre o Governo, a oposição e as instituições da sociedade civil e que não sejam capazes de atuar como reserva de último recurso no caso de Portugal ser atingido por uma crise grave.”

Cavaco Silva vê em Luís Marques Mendes um futuro Presidente que melhor encaixa nas características que elencou e diz sem rodeios: “É sabido que sou um social-democrata e quero dizer aos portugueses que votarei no candidato Luís Marques Mendes.” Depois concretiza o porquê de Mendes ser a pessoa certa para o cargo: “Tem experiência política, conhece o funcionamento e as especificidades das instituições da nossa democracia, da governação do país e da política externa. E é uma pessoa de bom senso, qualidade muito importante para um Presidente da República.”

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Cavaco Silva já tinha dado pistas sobre o seu sentido de voto quando em setembro escreveu um artigo no semanário Expresso em que apresentava aquelas que considerava que deviam ser as características de um Presidente da República. O antigo Presidente já tinha afirmado que, na sua opinião, os portugueses deviam ter “em devida conta”, o conhecimento do candidato “sobre o funcionamento das instituições da nossa democracia e das particularidades da política externa e a sua experiência sobre as especificidades da vida partidária e das tarefas da governação”. Ora, esta descrição encaixaria em Marques Mendes e António José Seguro, embora houvesse evidentes suspeições sobre qual seria a preferência de Cavaco Silva.

Nesse mesmo texto, Cavaco Silva dizia de forma velada que Gouveia e Melo não era um bom candidato (ao impor como condição a experiência política e partidária) e também atirava a André Ventura (quando escreveu que o Presidente deve ter em conta “o respeito das regras e procedimentos de bom senso dignos de um Presidente”), mas nunca os nomeou diretamente. O antigo Presidente deixava então a sugestão de que Mendes seria o melhor para o cargo e que Gouveia e Melo não serviria para a função. Agora, neste artigo no Observador, fica confirmada que é essa a opinião do também antigo primeiro-ministro.

Gouveia e Melo reagiu, na altura, com alguma ironia ao artigo do antigo Presidente da República: “Estranhei a posição, porque pelo perfil que o professor Cavaco Silva define para Presidente, parecia que estava a apoiar mais diretamente o candidato António José Seguro.” Para o almirante, além de ter apontado “alguém com experiência política anterior”, Cavaco também acabara de traçar “um perfil de distanciamento partidário e de seriedade, que cabe melhor a António José Seguro que a Marques Mendes.” E ainda sugeriu — nessa reação de setembro — que Cavaco Silva não estava a querer assumir verdadeiramente a sua posição: “Não teve a coragem de dizer, claramente, e assumir diretamente que é apoiante de Marques Mendes”.

O apoio ao ex-líder do PSD não é uma surpresa. Cavaco Silva e Marques Mendes têm uma boa relação. O agora candidato foi ministro de Cavaco Silva. Ainda agora nas recentes comemorações dos 40 anos do primeiro Governo de Cavaco Silva, Marques Mendes fez parte do grupo restrito (do lado de Cavaco Silva) que assistiu à cerimónia. Os dois têm boa relação e conversam com frequência. Mendes até apresentou um dos livros do antigo primeiro-ministro em 2020. E Cavaco Silva chegou a confessar que aos domingos, dia que passava com a família, não dispensava acompanhar os comentários do seu antigo ministro à noite, na SIC.