A escolha de Belém como sede da COP30 foi justificada por uma vontade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de que o mundo passe a olhar de uma forma diferente para a Amazônia. Essa necessidade é manifestada também por fotógrafos que há décadas buscam traduzir por meio de retratos a imensidão de biodiversidade da maior floresta tropical do mundo.

Quatro desses profissionais são Araquém Alcântara, Luiz Braga, Octavio Cardoso e Paula Sampaio. A pedido do GLOBO, eles selecionaram imagens que consideram emblemáticas em suas carreiras e contaram a história por trás dos cliques.

Alcântara entende ser preciso haver um esforço brasileiro de proteção da Amazônia, uma vez que “sem floresta não há futuro”. No cenário atual, em que secas, alagamentos e queimadas se encontram cada vez mais frequentes, o fotógrafo defende o investimento em políticas que valorizem a natureza em pé.

— É preciso resiliência, e que a sociedade brigue por políticas públicas, além de dar visibilidade aos amazônidas. Há 50 anos, venho mostrando a Amazônia ao mundo, destacando que ainda há um mistério ali, uma floresta que poucos conhecem. Existe uma fertilização imensa e fundamental para o futuro do planeta — aponta o fotógrafo.

Nascido em Belém, Braga entende que o trabalho dele é valorizado por “passar muito longe dos esteriótipos” e mostrar como é a vida de quem vive na Amazônia. O fotógrafo espera que a conferência possa fazer com que os governos “percebam” que as populações amazônidas existem e têm importância para a manutenção climática do planeta.

— Espero que as discussões na COP30 possam nos levar em conta e que as nossas cidades não sejam apenas utilizadas como palco. O desconhecimento sobre a Amazônia foi o que acabou permitindo os absurdos cometidos contra a floresta ao longo dos séculos — diz Braga.

Cardoso, por sua vez, dedicou grande parte da carreira a fotografar vaqueiros da Ilha de Marajó, no Pará. Foi lá que, ao longo de quatro décadas, ele observou os impactos das cheias e secas na vida desses trabalhadores.

Já Paula Sampaio fotografa a Amazônia desde 1987 e observa a “multiplicação de todos os tipos de violência”. Antes “mais pontual e velada”, a criminalidade agora “se materializou cotidianamente nas cidades, florestas e nas margens de todos os projetos de exploração”.

— Há uma espécie de guerra de versões sobre tudo e todos que existem ou resistem — afirma Sampaio.

Entre as coberturas marcantes realizadas pela fotógrafa está a construção da Transamazônica, na década de 1990.

Onça na Amazônia — Foto: Araquém Alcântara Onça na Amazônia — Foto: Araquém Alcântara

As onças e a destruição do ecossistema em cinco décadas

“Desde a primeira onça que fotografei, em janeiro de 1980, não parei mais de andar na floresta. Estou sempre atento porque adoro fotografar o animal que está no topo da cadeia. Essa foto foi em Rio Preto da Eva, no Amazonas, em 1996, na saída de um acampamento. A avistei do outro lado do igarapé. Ela era bem jovem e me olhou com curiosidade. Parecia nunca ter visto o ser humano.

A importância do Brasil está na sua biodiversidade, na Amazônia. Meu trabalho está voltado para mostrar a beleza e o horror do que acontece na natureza. Quero mostrar duas paisagens: a poética e a política. Além disso, destacar que é possível proteger a floresta desde que haja mobilização.

Fui mais de cem vezes à Amazônia na minha carreira e vi o ritmo de destruição em cinco décadas. Os bichos perdem os corredores, que usam para caçar. É uma cadeia alimentar sendo ameaçada.”

Foto em colônia de pescadores em Manaus — Foto: Luiz Braga Foto em colônia de pescadores em Manaus — Foto: Luiz Braga

Barqueiro azul e o ‘fenômeno de afetividade’ em Manaus

“Nasci, cresci e me transformei em fotógrafo no Pará, onde atuo na profissão há 50 anos. Ao longo do tempo, percebi que a Amazônia nunca fez parte do inconsciente do brasileiro, como o samba e o futebol. A floresta e os moradores da região são vistos de forma distante e estereotipada.

Esta foto se chama “Barqueiro Azul” e foi tirada em uma colônia de pescadores em Manaus, em 1992. Ela mostra Antônio Laborda e foi publicada em um livro meu de 2014.

O editor a escolheu como imagem de divulgação. A foto foi parar em uma revista de uma companhia aérea e uma moça que voltava de uma viagem me enviou uma mensagem porque reconheceu o avô dela na imagem. Ela se arrepiou inteira porque o parente tinha morrido de câncer em 2001, 13 anos antes. Nenhum familiar sabia da foto. Ela se tornou um fenômeno de afetividade. Conheci a família em 2022 e pude entregá-la aos parentes.”

Vaqueiro em Marajó — Foto: Octavio Cardoso Vaqueiro em Marajó — Foto: Octavio Cardoso

A força dos vaqueiros de Marajó, que lidam com seca e alagamento

“Eu fotografo os vaqueiros de Marajó há aproximadamente 40 anos. Essa foto de 2015 acompanha o trabalho deles no campo. Como monto a cavalo bem, pude acompanhá-los de perto. Até para garantir essa proximidade, que não é simples de alcançar.

O retrato é fruto da minha vivência na ilha. Entendo que o trabalho desses vaqueiros é muito especial, porque o Marajó tem uma condição climática muito específica, na qual metade do ano há alagamento, enquanto os outros seis meses são marcados por secas.

Diante dessa condição, a pecuária por lá é realizada de maneira extensiva. Ou seja, são poucas cercas junto ao gado. O boi é criado muito solto, e isso exige muito mais do vaqueiro como cavaleiro.

Essa cenário torna os vaqueiros de Marajó pessoas muito especiais, com uma habilidade muito própria para realizar esse trabalho.”

Lago em Tucuruí, no Pará — Foto: Paula Sampaio Lago em Tucuruí, no Pará — Foto: Paula Sampaio

Um fóssil de árvore que parecia um pedido de socorro no Pará

“De longe, na travessia de um lago gigante em Tucuruí, no Pará, vi o que achei, a princípio, ser uma pessoa se afogando, pedindo socorro. Apressei o barqueiro para chegarmos perto.

Estávamos atravessando uma ventania naquele momento, e o som das águas ecoava como gritos. Ao nos aproximarmos, fui percebendo que não era uma pessoa e sim uma das árvores fossilizadas da floresta alagada por conta da construção de uma hidrelétrica. A cena reverbera em mim desde então. Um encontro que gerou o projeto “O lago do esquecimento”, ao qual me dedico desde 2011.

Ele representa uma espécie de índice de toda a documentação fotográfica que realizo nessa parte da Amazônia desde a década de 1990. Esse fóssil abriga os sonhos, as dores e a resistência de todas as pessoas e paisagens que fotografei ao longo de quase 40 anos de encontros e desvios nessas margens amazônicas.”