Durante quinze anos, entre o auge da Crise dos Mísseis de Cuba e 1977, os mísseis balísticos intercontinentais Minuteman dos Estados Unidos estiveram protegidos por um código de lançamento que dificilmente poderia ser considerado seguro: “00000000”.
A revelação foi feita pelo antigo oficial da Força Aérea Bruce Blair, especialista em política nuclear, que revelou o facto décadas mais tarde, já nos anos 2010. Segundo Blair, esta decisão não resultou de erro técnico, mas de uma opção deliberada das forças armadas norte-americanas.
Em 1962, alarmado com o risco de lançamentos nucleares acidentais ou não autorizados, o presidente John F. Kennedy assinou o National Security Action Memorandum 160, que determinava a instalação de dispositivos de segurança conhecidos como Permissive Action Links (PALs) em todas as armas nucleares dos EUA.
Estes mecanismos tinham como objetivo garantir que um míssil só poderia ser ativado após a receção de um código secreto emitido pelo comando superior, código esse que não seria conhecido pelas equipas de lançamento.
Contudo, o Strategic Air Command (SAC) — a força responsável pelos bombardeiros e mísseis nucleares — viu nestas medidas um obstáculo à capacidade de resposta imediata em caso de ataque. Os generais do SAC temiam que, num cenário de guerra, problemas de comunicação pudessem impedir uma retaliação nuclear rápida.
A solução encontrada foi tão simples quanto arriscada: definir o código de todos os mísseis como “00000000”. Assim, qualquer operador autorizado poderia ativar o sistema de lançamento sem precisar de validação adicional.
Bruce Blair, que serviu como oficial de lançamento na década de 1970, afirmou que esta era a prática padrão e que o sistema dependia essencialmente da chamada “two-man rule” — a “regra dos dois homens” —, que exigia que duas pessoas autorizadas participassem em qualquer ação crítica.
Na prática, porém, esta medida era frequentemente contornada. “Durante os longos turnos, era comum um dos operadores dormir enquanto o outro tinha acesso completo ao painel de controlo”, explicou Blair.
Isso significava que, sabendo que o código era composto por oito zeros, um único indivíduo poderia teoricamente iniciar uma sequência de lançamento nuclear.
A vulnerabilidade manteve-se até 1977, quando o SAC implementou uma reforma designada “Rivet Save”, que introduziu novos painéis de controlo Launch Enable Control Group.
A partir daí, as equipas passaram a necessitar de um código dinâmico de desbloqueio, transmitido em tempo real através de uma Emergency Action Message (EAM) do comando superior.
Sem essa sequência — normalmente composta por combinações como “P7P7P7P7P7P7” —, os mísseis permaneceriam inativos, mesmo que as chaves fossem giradas na sequência correta.
Segundo o ZME Science, esta mudança teve dois objetivos principais: reduzir os riscos de erro humano, numa altura em que se planeava diminuir o número de equipas de lançamento, e responder às preocupações com a vulnerabilidade do sistema Minuteman a lançamentos acidentais.
Durante quinze anos, a segurança nuclear global esteve literalmente pendurada por um fio — ou, neste caso, por uma sequência de oito zeros.
O episódio, mantido em segredo durante décadas, demonstra como decisões internas e práticas administrativas podem ter colocado o mundo em risco de um conflito nuclear catastrófico.
Hoje, o código dos mísseis norte-americanos já não é “00000000”. Mas a revelação de Bruce Blair levanta uma questão inquietante: até que ponto a segurança global continua dependente de sistemas humanos tão frágeis?