O ambicioso projeto “The Line”, uma das faces mais visíveis do plano futurista Neom impulsionado pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, está a desmoronar-se sob o peso da realidade económica, técnica e física. Concebido como um “arranha-céus horizontal” de 170 quilómetros de comprimento, o megaprojeto foi reduzido a uma fração do plano original, e antigos responsáveis admitem agora que nunca será concretizado.
Segundo o jornal espanhol El Confidencial, que cita fontes internas, o projeto, que pretendia criar uma cidade linear de zero emissões e sem automóveis, colapsou devido às constantes mudanças de opinião do príncipe e à falta de coragem dos seus conselheiros em contrariá-lo. O resultado, afirmam, é “um delírio moderno” digno do conto O fato novo do rei.
O projeto The Line era a peça central do Neom, um empreendimento de 500 mil milhões de dólares situado no deserto do noroeste da Arábia Saudita. Planeada como uma metrópole futurista com capacidade para nove milhões de habitantes, seria construída entre duas muralhas paralelas de vidro e aço com 500 metros de altura e 200 metros de largura, visíveis até do espaço.
Contudo, a queda do preço do petróleo e o aumento do défice orçamental levaram o governo saudita a reavaliar as suas prioridades. De acordo com o Financial Times, que entrevistou mais de 20 antigos funcionários — incluindo arquitetos, engenheiros e executivos —, a velocidade e o custo da construção tornaram-se “insustentáveis”.
Um sonho faraónico que desafia a física
O conceito original, desenvolvido pelo estúdio californiano Morphosis, previa uma faixa urbana com dois quilómetros de largura ligada por um comboio de alta velocidade. Mas Mohammed bin Salman quis mais. O príncipe ordenou que o projeto fosse reconfigurado em duas torres verticais paralelas, exigindo que a estrutura atingisse 500 metros de altura.
“Disse à equipa: ‘E se rodarmos esses dois quilómetros e os transformarmos em duas torres?’”, afirmou o próprio príncipe num documentário do Discovery Channel. O novo desenho, imposto sem espaço para debate, incluiria apartamentos, estádios e até um porto oculto para cruzeiros de grande porte, encimado por um edifício invertido de 30 andares, o Chandelier, concebido por um diretor de arte de Hollywood.
Mas a realidade rapidamente se impôs. Um dos arquitetos envolvidos reconheceu que “a física talvez não coopere” com tais ambições. Ainda assim, ninguém ousava contradizer o príncipe. Um ex-planeador afirmou ao Financial Times que muitos técnicos se viram “obrigados a mentir sobre prazos e custos”, porque contrariar Bin Salman equivalia a pôr em risco a própria carreira.
O monstro que devorava cimento e aço
Os números envolvidos no projeto eram colossais. Para construir apenas 20 módulos de The Line, os empreiteiros calculavam que seria necessário mais cimento do que toda a produção anual de França. Cada módulo de 800 metros exigia 3,5 milhões de toneladas de aço estrutural e 5 milhões de metros cúbicos de betão, o que poderia consumir até 60% da produção mundial anual de aço.
Um arquiteto resumiu o absurdo logístico: “Se queres comprar todo o revestimento do mundo, o preço sobe.” Para manter o ritmo exigido pela direção de Neom, seria necessário receber um contentor de materiais a cada oito segundos, 24 horas por dia, apenas para concluir 12 módulos antes de 2030.
Do sonho ao colapso
Após 50 mil milhões de dólares gastos e milhares de estacas cravadas no deserto — visíveis até do espaço —, o projeto foi-se reduzindo de forma drástica. Dos 20 módulos iniciais, passou-se para 12, depois sete, mais tarde quatro, e desde o final de 2023 restam apenas três nos planos oficiais.
“Quando baixou para três, as 6.000 estacas que tínhamos construído deixaram de servir para nada. É o clássico caso de querer correr antes de saber andar”, afirmou um dos antigos responsáveis ao Financial Times.
A derrocada final deu-se quando os investidores estrangeiros se afastaram, considerando o projeto “não investível”. “Quando baixou para sete módulos, já ninguém o podia vender como investimento. Por isso, creio que morreu… simplesmente não é investível”, explicou outro membro da equipa.
Atualmente, o que resta de The Line são valas escavadas para um comboio ligeiro e alicerces abandonados. O porto, que implicou escavar o equivalente a quarenta pirâmides de Gizé, nunca saiu do papel.
O governo saudita tenta agora “deixar cair o projeto suavemente”, concentrando-se nos três módulos sobreviventes e em edifícios secundários nas proximidades do porto.
Um urbanista saudita resumiu o desfecho com ironia: “Como experiência mental, é genial. Mas não construas experiências mentais.”