Luís Montenegro acusou CGTP e UGT de estarem a ser utilizadas por PCP e PS para a luta política, a propósito da discussão das mudanças da lei do trabalho – e também a propósito da marcação de uma greve geral. As centrais sindicais reagem e dizem que o Governo está a fazer com esta discussão o mesmo que já fez com os “incêndios” e “com o SNS”. E também não gostaram do timing da reação de Marcelo

Não é inédito mas é raro: duas centrais sindicais unidas contra o Governo convocam uma greve geral. Desta vez por causa da proposta do Executivo para alteração ao Código do Trabalho, a qual, dizem, contém “mais de 100 medidas lesivas dos direitos dos trabalhadores”. “Mau seria se, perante esta afronta, as duas centrais sindicais não se sentassem à mesa e não acordassem formas de luta. Houve conversas e houve entendimento prévio”, garante Tiago Oliveira, secretário-geral da CGTP-IN (Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical Nacional).

“Nós achamos que não há muito mais a discutir quando uma parte interessada no processo diz que há traves-mestras que não são para mexer. Consideramos que não há sequer discussão possível”, corrobora Sérgio Monte, secretário-geral adjunto da UGT (União Geral de Trabalhadores). “Em 1988 tivemos a primeira greve geral convocada pelas duas centrais sindicais e foi precisamente por causa da discussão de alterações à legislação laboral.”

A CGTP organizou no sábado uma marcha contra o pacote laboral – que está em discussão desde julho -, com milhares de pessoas a descer a Avenida da Liberdade, em Lisboa, de acordo com a organização. O protesto replicou-se em várias cidades do país. Foi, aliás, no fim do protesto em Lisboa que a CGTP resolveu anunciar a greve de 11 de dezembro. “Nós aproveitámos a manifestação de sábado para anunciar, mas tinha havido acordo prévio com a UGT”, explica Tiago Oliveira.

Tiago Oliveira, secretário-geral da CGTP, no fim do protesto de sábado, em Lisboa

“Insulto”

O Governo reagiu: considera o protesto “incompreensível” e aponta questões políticas, nomeadamente “a existência” de influência de PCP e PS na CGTP e UGT, respetivamente. Sobre as acusações de aproveitamento político por parte dos dois partidos de esquerda, as duas centrais sindicais consideram um “insulto” e falam ainda em “declarações infelizes”.

“Isso é um insulto. O primeiro-ministro tem sido hábil a fugir às suas responsabilidades e à responsabilidade do Governo. Quando foi questionado sobre os incêndios, o primeiro-ministro disse que foi por oportunismo partidário de quem o questionou. Nas questões relacionadas com o SNS, o primeiro-ministro diz que é oportunismo partidário de quem o questiona. Agora nesta questão da reforma da lei laboral, isso está a acontecer novamente”, refuta Tiago Oliveira.

O responsável da CGTP-IN toma como exemplo a manifestação do último sábado: “Quando 100 mil pessoas vêm para a rua, não vêm para a rua por protagonismo político. Vêm para a rua porque querem retirar de discussão o pacote laboral, vêm para a rua porque querem melhores salários, porque querem rendas mais baixas, querem um SNS que responda, querem uma escola pública que responda”.

Sérgio Monte, da UGT, diz que “as declarações do primeiro-ministro foram, no mínimo, infelizes”. “Ele sabe bem que a UGT nunca pautou a sua atuação por partidarismo político. Fizemos acordos com governos de diferentes partidos, de direita e de esquerda. Fizemos greve em governos do PS e do PSD”, diz o secretário-geral adjunto da UGT.

Sérgio Monte, secretário-geral adjunto da UGT (segundo a contar da esquerda na fotografia), classifica de “infelizes” as declarações do primeiro-ministro. 

O timing da reação de Marcelo

A convocação da greve numa altura em que o documento ainda está em discussão mereceu críticas do Presidente da República, que alegou que “a procissão ainda vai no adro”, e do Governo, que diz que o protesto não se justifica.  

A CGTP-IN diz que os representantes dos trabalhadores não se podem “deixar condicionar pelo ditado que diz ‘casa roubada, trancas à porta’”. “Não podemos esperar que o documento entre na AR para agir. Temos de agir é agora”, acrescenta Tiago Oliveira.

O dirigente da CGTP-IN diz mesmo que “foi preciso anunciar uma greve geral para o Presidente da República, o primeiro-ministro e outras personalidades virem a terreiro falar da reforma da legislação laboral”. “Há dois meses, houve uma reunião com o Presidente da República, a pedido da CGTP. Nunca se ouviu o Presidente falar do assunto, entretanto. Foram precisos dois meses e o anúncio de uma greve geral para ouvirmos o Presidente da República falar publicamente do assunto.”

Tiago Oliveira diz que os sindicatos não vão “abdicar da luta”: “Há meses que andamos a dizer que, quanto maior for a afronta, maior será a resposta dos trabalhadores. Mal seria de uma central sindical, que está a representar trabalhadores, colocar a sua assinatura num documento que prejudica os trabalhadores”.

“Se o Governo quiser melhorar as condições de trabalho tem de retirar de cima da mesa o pacote laboral. Com esta proposta, nunca terá o acordo da CGTP. Nunca, nunca, nunca”, sublinha.

Sérgio Monte diz que já foram adiadas duas reuniões plenárias de concertação social. “O que tem havido são reuniões bilaterais. Reuniões com os patrões e reuniões com os sindicatos e nestas reuniões só sabe o que se passa quem está lá dentro”, diz o dirigente da UGT.

“O Governo já recebeu os pareceres das entidades patronais, que vão ao encontro, obviamente, da proposta apresentada. E já recebeu também os pareceres dos sindicatos. Nós apresentámos também as nossas propostas e, até hoje, não recebemos nenhuma resposta, nem sim nem não nem talvez”, conclui Sérgio Monte.