O candidato presidencial Henrique Gouveia e Melo foi o convidado desta segunda-feira na Grande Entrevista, da RTP. O ex-chefe do Estado-Maior da Armada frisou que vem “lutar pelos portugueses” e reiterou que não foi Marcelo Rebelo de Sousa a motivar a sua candidatura.

Ontem saiu uma notícia que alegava que o senhor presidente teve um papel decisivo na minha decisão. Isso não é verdade. Essa notícia é baseada num livro de entrevistas que foi escrito e não há nada como verificar a entrevista”, declarou Gouveia e Melo. “Nessa entrevista não digo isso, e portanto é uma falsa alegação que me foi atribuída”, afirmou.

As declarações surgem depois de, esta segunda-feira, Gouveia e Melo ter vindo desmentir uma notícia de 9 de novembro da agência Lusa com o título Presidenciais: Gouveia e Melo revela que foi tentativa de Marcelo para o travar que o levou a candidatar-se.

O candidato presidencial garantiu, em comunicado, que esta informação é “falsa e enferma de uma falta de rigor inaceitável, razão pela qual se exige a reposição da verdade dos factos”.


A notícia original da Lusa baseia-se em excertos do livro Gouveia e Melo – As Razões, uma longa entrevista conduzida pela jornalista e diretora-adjunta do Diário de Notícias, Valentina Marcelino, e que será colocado à venda na quinta-feira.


Nessa entrevista o almirante revela que decidiu avançar para Belém quando leu uma notícia no Expresso de que Marcelo Rebelo de Sousa pretendia travar a sua candidatura presidencial através da sua recondução como chefe da Armada.

Questionado esta noite pelo jornalista Vítor Gonçalves sobre se ficou ou não com a convicção de que Marcelo tentou travar a sua candidatura, Gouveia e Melo respondeu que não foi essa convicção que o fez decidir.

“Não foi essa convicção que me fez decidir por um lado ou por outro. Esse problema é do passado. O que me interessa são os problemas do futuro”, afirmou.

O candidato clarificou ainda que, quando na entrevista a Valentina Marcelino respondeu que a notícia com Marcelo o motivou a candidatar-se, estava a referir-se ao título do artigo e não ao seu conteúdo.

“A minha resposta não tem a ver com o conteúdo do artigo, tem a ver com o título do artigo, que indiciava que eu estava a fazer chantagem com o Governo. Isso era uma coisa muito feia que me atribuíram e que eu não gostei”, elucidou.

“Nesse momento, achei que não tinha também condições para continuar a exercer as minhas funções de forma normal dentro da defesa”.

Confrontado com declarações do candidato presidencial Luís Marques Mendes, que esta segunda-feira veio dizer que Gouveia e Melo “sempre que fala, tem uma certa tendência para três coisas: ou para dizer alguns disparates, ou para entrar em contradições, ou para gerar precipitações e polémicas”, o almirante respondeu que prefere ignorar.

“Isso para mim é pequena política. É pequena intriga. E parece que o doutor Luís Marques Mendes tem uma fixação em mim. E o protetor dele também tem uma fixação em mim”, disse, referindo-se a Cavaco Silva.


“Posso contribuir para uma mudança significativa”

O candidato assegurou que o que motivou foi “a instabilidade internacional, a democracia com sinais de fragilidade interna e de descrédito interno, uma economia que não é pojante e que distribui pobreza em vez de distribuir riqueza, e alguma falta de ambição geral”.


“Eu concorro porque acredito que devo servir a minha pátria e os portugueses neste momento de forma política, e não continuando a servir na Defesa”, salientou. “O meu partido é Portugal e eu venho lutar pelos portugueses”.

Questionado sobre se o presidente pode ter um papel ativo nos problemas que enumerou, Gouveia e Melo disse acreditar que pode ter “um papel ativo através da magistratura de influência, mas não só”.

“Porque a alterativa é dizer que o topo da pirâmide política é só figurativa, não serve para nada. E isso não me parece que seja o que é o semipresidencialismo nem o que é o nosso sistema”, explicou.

“Acredito que posso contribuir para uma mudança significativa e para impulsionar Portugal com o Governo e com todo o sistema político”, continuou o candidato.


O almirante disse ainda ter a sensação de que não está a concorrer a umas eleições presidenciais, mas sim a umas “segundas legislativas”, já que “todos os partidos têm um representante e todos os candidatos, excetuando-me a mim, têm um partido de origem, um partido que o apoia”.

“Candidatura verdadeiramente independente”
Gouveia e Melo afirmou-se como “verdadeiramente independente” e
considerou que os seus adversários estarão “reféns” dos interesses
partidários por mais que prometam ser “o presidente de todos os
portugueses”.

“Eu sou a pessoa mais liberta desses interesses”, garantiu, rejeitando
em absoluto a possibilidade de ser condicionado pelos seus apoiantes.

“Se acham que me vão mudar os ideais, que vou mais para a esquerda ou mais para a direita, que me vão capturar como se eu fosse um cavalo montando-se no meu lombo, vão levar um coice e saltar do lombo rapidamente”, pode ler-se no livro Gouveia e Melo – As Razões, citado pelo jornalista Vítor Gonçalves na entrevista.


“Eu não gostaria de ver na Presidência nenhum cavalo de Tróia de nenhum partido”, defendeu.

“A nossa população está a ser atraída por soluções cada vez mais
radicais”, considerou. “Quando a população é atraída por soluções muito
radicais, o que começa a perigar é a própria democracia”.

“Eu vou tentar, de alguma forma, dar uma hipótese e contrariar isso”.

“Só há uma sondagem verdadeira”
Henrique Gouveia e Melo declarou ainda que “só há uma sondagem verdadeira”, a do dia das eleições presidenciais, a 18 de janeiro.

Questionado sobre se ficou preocupado com o resultado de uma sondagem de 31 de outubro, realizada pela Intercampus, em que fica em terceiro lugar, atrás de Marques Mendes e André Ventura, Gouveia e Melo rejeitou a preocupação porque “outras três sondagens de outras três empresas indicam precisamente o inverso”.

O candidato a Belém não sente nenhuma “erosão” na sua candidatura, mas reconhece que o aumento do número de candidatos “para todos os gostos e feitios” diminuiu as intenções de votos dos portugueses em si.

Claro que isso baixou de alguma forma as intenções de votos num candidato que não faz parte nenhum partido. Mas acredito muito que o partido que é Portugal e que une os portugueses vai ter um bom resultado”, afirmou.

No entanto, reconhece que alcançar a vitória “não são favas contadas, tenho de fazer o meu trabalho, tenho de convencer”.

“Servir sem me servir”
Sobre o seu currículo e a falta de experiência política apontada pelos adversários, Henrique Gouveia e Melo realçou ter “a experiência que interessa” na resolução de problemas.

“Eu falo da experiência que interessa. A experiência de resolver problemas. Eu julgo que já demonstrei suficientemente a capacidade de resolver problemas, julgo que já demonstrei suficientemente a minha capacidade de adaptação, a minha flexibilidade e a minha leitura moderada do que é mundo, já demonstrei isso à exaustão”, afirmou.

O candidato presidencial apresenta-se como uma pessoa “moderada” e “equilibrada”, cuja “única coisa que deseja é o bem de Portugal e dos portugueses e servir, sem se servir”.

“Um bom acordo é dez vezes melhor que uma luta”
Sobre a greve geral contra a reforma laboral proposta pelo Governo para o próximo ano, agendada para 11 de dezembro, Gouveia e Melo reconheceu que é necessário flexibilizar a lei laboral mas alertou para o perigo de “clivagem social” com a implementação desta reforma.

“Há necessidade de fazer flexibilização sem deslaçar o que é verdadeiramente nuclear dos direitos dos trabalhadores, porque os direitos dos trabalhadores são mais de 99 por cento da população. Nós estamos a falar de afetar direitos de 99 por cento da população, é preciso muito cuidado quando se mexem nestas coisas”, alertou.

O candidato presidencial disse ser defensor de um capitalismo “humano e humanista” e viu como “um bom passo” a reunião entre a ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, e a União Geral de Trabalhadores (UGT).

“Não há nada como um acordo. Um acordo é dez vezes melhor do que uma luta, porque a luta vai deslaçar a sociedade e mais do que isso não é justa”, disse.

Questionado sobre se limitaria o direito à greve, Gouveia e Melo defendeu o direito à greve mas assinalou que “o presidente não faz leis” e “deve respeitar os poderes da Assembleia da República”, caso queira fazer uma lei que tenha uma maioria relativamente estável.

“O direito à greve é um direito consagrado e que deve ser respeitado. Há muitas formas de evitar uma greve e há muitas formas, havendo uma greve, de continuar a trabalhar com o país, porque a lei assim o define, mesmo havendo a greve”, afirmou.

Relativamente ao veto político, o almirante Gouveia e Melo defendeu que este só deve ser exercido em “situações verdadeiramente cruciais, porque senão a Presidência está a sobrepor-se às funções da Assembleia da República”. “E não deve fazer isso porque são órgãos independentes”, insistiu. 

Nomeadamente, na privatização da Segurança Social que admitiu vetar “claramente” por “princípio”.

“Eu digo claramente aí sim. São princípios básicos para mim. Eu nunca deixaria que a Segurança Social, que é a base da confiança relativamente ao nosso futuro, ficasse dependente de gestores que um dia podiam fazer uma asneira qualquer”, argumentou. 

“Não basta enunciar às televisões reformas”
Questionado sobre a avaliação que faz do atual primeiro-ministro, Gouveia e Melo considerou positiva “a vontade reformista” de Luís Montenegro, que “encetou um conjunto de reformas”, mas advertiu que “não basta enunciar às televisões reformas”, é preciso gerir, controlar e responsabilizar-se pela materialização e concretização das mesmas.

“Essa vontade reformista é uma vontade importante porque senão o nosso país não evolui, é preciso que o país evolua. Mas é preciso também estar atento como é que isso vai ser feito, não é só enunciar para as televisões reformas, porque elas requerem uma gestão do dia-a-dia para que elas se materializem e concretizem”, declarou.

Acusado pelos seus adversários de ser uma pessoa autoritária, o almirante Gouveia e Melo rejeitou uma característica que não o define mas que teve de exercer no âmbito das suas funções anteriores, nomeadamente como comandante das Forças Armadas.

“Para já não sou autoritário. Eu tive de exercer autoridade nos momentos que foi necessário exercer”, afirmou. “Nunca exerci autoridades para lá do que era necessário para cumprir a minha missão”.

“E eu nunca, nunca, fugi às minhas responsabilidades. Dei sempre a cara pelas minhas responsabilidades”, salientou Henrique Gouveia e Melo.

O candidato presidencial garante que não trará o autoritarismo para a Presidência, porque ao contrário do sistema militar, esta “vive muito de consensos”.

Aborto e eutanásia
Questionado sobre o alargamento do prazo para o aborto, Gouveia e Melo considera que esse é “um assunto resolvido na sociedade portuguesa”.

Quanto à lei da eutanásia, o candidato assume ser um “assunto difícil” porque enquanto defensor da “vida até à última instância” considera que “deve ser vivida com dignidade, sem dor porque senão é uma tortura humana”, mas defende que não deve ser facilitada para não se tornar num “instrumento de utilidade”.

“Até que ponto nós podemos estender a vida com dignidade e sem tortura, é verdadeiramente a grande questão”, afirmou. “Agora há um perigo, nós não devemos facilitar a eutanásia porque senão a eutanásia pode ser um instrumento de utilidade”.

Caso não vença as eleições presidenciais, o almirante Gouveia e Melo admitiu “gozar finalmente a reforma” e dedicar-se a outras coisas, nomeadamente no campo tecnológico, que a sua “fixação de servir o país” não o deixou fazer.