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O sistema imunitário é uma verdadeira maravilha biológica repleta de mecanismos celulares e outras moléculas com capacidades que parecem saídas da ficção científica.
Entre essas proteínas que parecem impossíveis, destacam-se os anticorpos, pequenas máquinas biológicas produzidas pelos linfócitos B cuja função é reconhecer e neutralizar os inimigos. Para isso, eles são formados por duas partes: uma que é muito semelhante em todos eles e que serve como estrutura e outra incrivelmente variável, localizada nas extremidades, que é usada para reconhecer tudo o que possa representar uma ameaça.
Guiando essa incrível capacidade de reconhecimento, os investigadores conseguiram desenvolver ferramentas extremamente específicas contra praticamente qualquer toxina ou patógeno. Essas ferramentas, denominadas anticorpos monoclonais, baseiam-se na criação de anticorpos específicos para um objectivo concreto e, posteriormente, na sua produção em massa através do cultivo das células B que os produzem. Para isso, eles precisam unir o linfócito B a uma célula de mieloma, dando origem ao que é conhecido como hibridoma, um tipo de célula imortal que produz anticorpos constantemente.
No entanto, o desenvolvimento de anticorpos monoclonais específicos é uma tarefa complexa, uma vez que se baseia principalmente em métodos experimentais. Ou seja, para obter um anticorpo monoclonal humano contra um vírus ou uma bactéria, é necessário encontrar um humano ou animal que tenha sido infectado pelo patógeno e cujas células B produzam anticorpos contra ele. Depois disso, é necessário extrair as células B, criar os hibridomas e, finalmente, iniciar a produção. Este processo, embora tenha sido optimizado ao longo do tempo, continua a ser muito complexo, trabalhoso e, em muitos casos, pouco rentável, o que limita as possibilidades desta tecnologia.
ACELERANDO A PRODUÇÃO COM IA
Por isso, um estudo publicado recentemente na revista Cell é muito promissor para a investigação e produção de anticorpos. Neste estudo, uma equipa multidisciplinar de diferentes centros demonstrou que um modelo de inteligência artificial especializado no desenvolvimento de proteínas era capaz de projectar anticorpos humanos. Além disso, esses anticorpos podiam reconhecer proteínas e outras características específicas de vírus.
Para testar o modelo de linguagem, ao qual chamaram MAGE (do inglês Monoclonal Antibody Generator, ou Gerador de Anticorpos Monoclonais), os investigadores treinaram-no oferecendo-lhe sequências de anticorpos monoclonais específicos contra o vírus da gripe aviária H5N1. Depois de aprender as sequências, o MAGE conseguiu projectar novos anticorpos contra outras estirpes do vírus que não foram observadas na natureza, mas que podem surgir no futuro.
CELL (2025), © 2025 THE AUTHORS. PUBLISHED BY ELSEVIER INC.
Resolução por microscopia electrónica criogénica (cryo-EM) da estrutura de uma proteína de fusão do vírus sincicial respiratório (tons rosados) ligada a fragmentos de dois anticorpos (escuro/claro e azul/verde) concebidos pelo modelo de linguagem proteica dos investigadores, MAGE.
Portanto, o MAGE permitiria preparar defesas contra possíveis ameaças sanitárias emergentes. Desta forma, os investigadores poderiam saltar a primeira etapa da produção de anticorpos monoclonais. Agora, em vez de terem de encontrar uma pessoa ou animal infectado com o vírus e examinar os seus linfócitos B até encontrarem o que lhes interessa, poderiam projectar directamente os hibridomas à medida, introduzindo neles as sequências geradas pelo MAGE.
Como indica um dos seus autores, Ivelin Georgiev, “este estudo é um marco importante no caminho para o nosso objectivo final: usar computadores para projectar de forma eficiente e eficaz novos produtos biológicos a partir do zero e transferi-los para a clínica“.
BOAS NOTÍCIAS PARA DIFERENTES TERAPIAS
Actualmente, os anticorpos monoclonais são utilizados como terapias para doenças muito diferentes entre si. Por isso, Georgiev afirma que “esta nova abordagem terá um impacto positivo significativo na saúde pública e pode ser aplicada a uma ampla gama de doenças, incluindo cancro, doenças auto-imunes, doenças neurológicas e muitas outras”, afirmou.
De acordo com a Antibody Society, todos os anos são aprovados aproximadamente entre 10 e 15 novos medicamentos baseados em anticorpos monoclonais, tanto nos Estados Unidos como na Europa. Estas terapias são utilizadas para combater doenças tão diferentes como a asma, a artrite reumatóide, a doença de Crohn, para evitar rejeições em transplantes ou como tratamento para o cancro.
Mas com a implementação da IA, espera-se que este número aumente substancialmente. Como indicam os autores do estudo, eles analisaram pormenorizadamente e experimentaram apenas uma pequena parte das sequências geradas pelo MAGE, mas acreditam que, ocultos entre os dados, possa haver muitos outros anticorpos interessantes com propriedades funcionais melhoradas. No entanto, pedem prudência ao usar essa tecnologia contra outros antígenos para os quais ainda não foram desenvolvidos anticorpos monoclonais. Nesses casos, esperam que a eficiência do resultado seja muito menor. Mesmo assim, este resultado pouco optimizado poderia servir como um raio de esperança para pacientes com doenças aparentemente incuráveis.