É a última extravagância do Presidente americano. E quer deixá-la concluída antes de sair em 2029. Mas ainda nem a empreitada começou e já faz estremecer quem tenta preservar a história de pedra e cal dos EUA
A promessa é grandiosa — um salão de baile com 90 mil pés quadrados, anexo à Ala Leste da Casa Branca, terminado “muito antes” do fim do segundo mandato, em 2029. O custo estimado ronda os 200 milhões de dólares.
Donald Trump já venceu batalhas no Supremo, já assinou megaprojetos domésticos e já obteve cedências de grandes parceiros comerciais. Agora quer deixar marca em pedra. Literalmente. Mas os especialistas em património histórico não estão a aplaudir.
A escala da ambição impressiona. O projeto seria uma das maiores alterações estruturais na residência presidencial em décadas. Só que a pressa anunciada causa desconforto entre quem estuda, preserva e defende a memória arquitetónica dos Estados Unidos.
“Pode prejudicar o edifício enquanto património”, alerta Richard Longstreth, antigo professor de Estudos Americanos na Universidade George Washington. “Não há, infelizmente, um verdadeiro sistema de pesos e contrapesos neste processo.” O aviso ecoa entre vários especialistas ouvidos pelo New York Times.
Apesar de existirem leis rigorosas sobre património histórico, a Casa Branca, tal como o Capitólio e o edifício do Supremo Tribunal, está isenta do regime da Lei Nacional de Preservação Histórica de 1966. Essa legislação obriga agências federais a avaliar o impacto de obras em edifícios históricos e a submeterem-se a análises formais. Mas não se aplica aqui, em Washington, D.C., no número 1600 da Pennsylvania Avenue.
Em vez disso, o que existe é um comité consultivo — o Comité para a Preservação da Casa Branca — presidido pelo diretor do Serviço Nacional de Parques e composto por representantes de várias instituições federais, como o Instituto Smithsonian, a Comissão de Belas Artes e a Galeria Nacional de Arte, além de alguns nomeados diretamente pelo presidente. Mas as recomendações desse comité não são vinculativas. Ou seja: Trump pode, tecnicamente, fazer o que bem entender.
E é isso que preocupa quem conhece por dentro os labirintos técnicos e éticos da preservação arquitetónica. Michael Spencer, professor da Universidade Mary Washington, não esconde o cepticismo: “As minhas expectativas quanto à preservação são bastante baixas”, reconhece. “Normalmente, somos vistos como entraves ao progresso. E neste caso, há personalidades muito fortes envolvidas, sem qualquer obrigação real de seguir as boas práticas da área.”
Jonathan Jarvis, que liderou o Serviço Nacional de Parques entre 2009 e 2017, diz que qualquer adição à Casa Branca deve respeitar o traço arquitetónico, o estilo e a cor do edifício original. E duvida seriamente dos prazos avançados pela administração. “É muito otimista pensar que um projeto desta magnitude se conclui até 2029. Nunca vi nada deste género ser feito tão depressa. Jarvis lembra que este tipo de construção “não é uma obra normal”: a Casa Branca tem de resistir a ataques terroristas e cada etapa deve ser escrutinada do ponto de vista da segurança e da integridade estrutural.
Foto: Samuel Corum/Sipa/AP
A chefe de gabinete da Casa Branca, Susie Wiles, veio dizer em comunicado que a administração está “plenamente empenhada em colaborar com as entidades apropriadas para preservar a história singular da Casa Branca”. Mas a falta de clareza sobre os nomes no comité — cujos membros nomeados por Joe Biden em 2023 viram os seus mandatos caducar com a posse de Trump — levanta dúvidas sobre a eficácia real desse compromisso. Trump ainda não nomeou formalmente um novo diretor nem substitutos para os lugares vagos no comité.
Quanto à equipa responsável pelo projeto, o Presidente escolheu a McCrery Architects como arquiteto principal. James McCrery, o fundador, foi nomeado por Trump em 2019 para a Comissão de Belas Artes e considera o salão uma “necessidade funcional” da residência presidencial. Diz querer manter “a elegância do design clássico e a importância histórica” do edifício. Mas a forma como o pretende fazer, e com que meios, continua pouco clara.
Quem paga toda esta megalomania?
E, sobretudo, não se sabe quem está a pagar a festa. A Casa Branca diz que Trump e “outros doadores patrióticos” financiarão o projeto, mas recusa divulgar pormenores. Questionado sobre a possibilidade de barrar donativos estrangeiros, Trump respondeu que “ainda não pensou nisso” e que existem “regras muito fortes” que serão respeitadas. Não deu garantias concretas.
Para Kathleen Clark, professora de Direito e especialista em ética governamental, a opacidade é “completamente escandalosa”. “Pergunto-me se os doadores estão à procura de formas de cair nas boas graças de Trump”, insinua. “Ele sente-se fortalecido. Sente que pode fazer tudo.”
Stewart D. McLaurin, presidente da Associação Histórica da Casa Branca, procura pôr alguma água na fervura. Diz que a residência oficial tem passado por várias alterações desde que a primeira pedra foi colocada, em 1792 — e muitas “enfrentaram resistência”. “Hoje, não conseguimos imaginar a Casa Branca sem a varanda Truman, as alas Este e Oeste ou os pórticos Norte e Sul”, aponta. “Também foram polémicas, na altura.”
O problema, segundo os críticos, não é a ideia de mudar. É a forma como se muda. Num edifício com o peso simbólico da Casa Branca, cada tijolo conta. Ainda que, no final, o salão de baile se construa — ou não —, o debate que deixa pelo caminho diz muito sobre o momento político americano. E sobre quem se senta à mesa de desenho.