Com os sinais de um tempo mais fresco, condizendo com o outono, é reconfortante o calor proporcionado pela dúzia de castanhas a escaldar nas mãos, compradas em resposta ao apelo apregoado do “quentes e boas”. Hoje quase uma guloseima sazonal, a castanha foi, durante séculos, um alimento essencial em grande parte do território português, substituindo o pão quando este faltava nos rigores do inverno.

Cozidas, assadas ou transformadas em farinha, as castanhas integram a alimentação humana desde a Antiguidade. O castanheiro europeu (Castanea sativa), árvore de grande porte e excecional longevidade, tem origem provável na Ásia Menor, Balcãs e Cáucaso, regiões onde existem registos palinológicos com mais de três mil anos. A difusão pelo Mediterrâneo ocidental deveu-se aos Romanos, que valorizavam a castanha como fonte energética portátil para as legiões. Encontrando na Península Ibérica condições ideais de solo e clima, o castanheiro tornou-se parte do quotidiano agrícola muito antes da fundação de Portugal.

A Castanha na cozinha e tradição portuguesas

O termo “castanheiro” surge citado num documento de 960 d.C. em terras onde mais tarde se formaria Portugal. Durante a Idade Média, a castanha aparece recorrentemente em listas de dízimos ao lado de produtos como azeite e cereais, indício claro da sua relevância económica. Antes da introdução da batata e do milho, nos séculos XV e XVI, foi alimento basilar no Norte e Centro do país. Em anos difíceis, chegou a substituir o pão: fazia-se a “falacha”, massa de castanha pilada e água, ou papas espessas consumidas em épocas de maior escassez.

No século XVII, continuava a ser um dos produtos de base dos beirões e transmontanos. Em Terras de Barroso, fazia-se um caldo de castanhas reduzidas a puré, enriquecido apenas com um pouco de unto. No Minho, Beira Interior e Alto Douro, as castanhas piladas — secas e demolhadas durante vários dias — eram usadas em sopas e guisados. A tradição mantém-se ainda em muitas aldeias, ligada ao ciclo da colheita e às práticas comunitárias dos soutos.

Portugal é hoje o quarto maior produtor europeu de castanha, depois da Itália, Turquia e Espanha. Trás-os-Montes representa cerca de 90% da produção nacional, com destaque para as variedades Judia, Longal e Côta. As exportações rondam anualmente os 40 a 50 milhões de euros, sobretudo para França, Itália e Brasil.

O castanheiro, contudo, enfrenta desafios significativos desde o final do século XX. Doenças como a tinta (Phytophthora cinnamomi) e o cancro do castanheiro (Cryphonectria parasitica) devastaram soutos inteiros. Portugal tem investido em programas de recuperação e resistência genética, sendo citado em estudos internacionais como caso de sucesso na aplicação de técnicas de hipovirulência — a introdução de vírus benignos que reduzem a agressividade do fungo.

Castanhas pelo São Martinho

Assadas com sal grosso, cozidas com ervas aromáticas, secas e piladas para sopas ou transformadas em puré a acompanhar pratos de inverno, as castanhas consumem-se entre finais de setembro e o início da primavera. Contudo, atingem particular protagonismo no dia de São Martinho, a 11 de novembro.

Os magustos, celebrados ao ar livre, reuniam comunidades em torno de grandes fogueiras. Leite de Vasconcelos descreve grupos que cantam e dançam enquanto as castanhas estalam no calor das brasas, num ritual que assinala o fim das colheitas e o início das reservas para o inverno. O vinho novo, a jeropiga ou a água-pé acompanhavam a celebração, como recorda o adágio: “No dia de São Martinho vai à adega e prova o vinho.”

Entre tradição, memória e renovação

Apesar das ameaças fitossanitárias, os soutos continuam a marcar a paisagem do Norte e Centro — de Trás-os-Montes ao Barroso, da Beira Interior a serras mais atlânticas como Sintra e Monchique. Todos os anos, com a chegada do outono, a castanha volta a reunir o país à volta de mesas simples, fogueiras de aldeia e receitas que atravessaram séculos. Ora alimento de subsistência, ora símbolo festivo, ora iguaria sazonal, mantém-se como uma das expressões mais vivas da cultura outonal portuguesa.