A segunda tomada de posse de Carlos Moedas como presidente da Câmara de Lisboa tinha tudo para ser mais feliz do que a primeira. O social-democrata conseguiu aumentar a vantagem face ao PS nas urnas e garantir uma maioria (ainda que relativa) na Assembleia Municipal (AML), que durante o seu primeiro mandato foi presidida pelos socialistas. Mas a eleição para a mesa da AML, que ocorreu já depois da tomada de posse, viria dar um inesperado sabor amargo ao início de mandato de Moedas: o desentendimento da direita perdeu face à disciplina de voto à esquerda.
André Moz Caldas foi eleito presidente da AML com os votos dos 37 deputados da esquerda, depois de os socialistas terem conseguido, à última da hora, alcançar um acordo com o PCP. Isso não seria suficiente para a eleição do ex-secretário de Estado de António Costa caso o Chega se juntasse aos partidos da coligação de Moedas e toda a direita votasse a favor de Margarida Mano, a escolha do presidente da Câmara para a mesa da AML. Esse cenário não se verificou e o número de votos na lista do PSD deixa a dúvida sobre se foi o Chega que não quis aliar-se ao centro direita ou se houve boicote interno (da coligação ou do próprio PSD) ao nome proposto por Moedas.
Por outro lado, algo que se esclareceu, logo à entrada na Gare Marítima de Alcântara, é que, ao contrário do que aconteceu em Sintra, no executivo municipal de Lisboa não haverá alianças com o Chega, segundo garantiu Mariana Leitão. Moedas cumpre assim o compromisso pré-eleitoral nesse sentido e volta a estar afastado um cenário que, pelo menos publicamente, nunca esteve em cima da mesa.
Contudo, Bruno Mascarenhas sugeriu que em Lisboa não houve entendimento com o PSD “porque há uma entropia de um dos parceiros da coligação” — neste caso, a IL. A verdade é que um acordo com o Chega só traria mais estabilidade se os liberais não saíssem do executivo, porque ambos os partidos têm dois vereadores. Sem a direita unida, Moedas utilizou o seu discurso para deixar o alerta contra eventuais entendimentos pontuais entre o Chega e a esquerda: “Quem exerce a oposição deve deixar governar!”
A lista encabeçada por Margarida Mano à mesa da AML teve apenas 31 votos, menos um do que o número de deputados municipais eleitos pela coligação de Carlos Moedas, que juntou PSD, IL e CDS. Por outro lado, houve duas abstenções e cinco votos nulos, ao passo que o Chega tem seis deputados municipais. O líder desta bancada municipal, Luís Pereira Nunes, não revelou ao Observador qual foi o sentido de voto do partido na votação para a AML, garantindo apenas que “o Chega não vai fazer acordos pós-eleitorais com nenhum partido”.
Por outro lado, o líder do PSD/Lisboa, Luís Newton, admitiu ao Observador que tem de “ir fazer contas” para compreender o que esteve por trás do insucesso na eleição da presidente da AML. “Parece-me claro que houve uma união da esquerda para subverter o resultado eleitoral, mas é preciso fazer uma análise dos votos à direita“, disse, fazendo referência à diferença entre o número de votos e o número de deputados municipais. A explicação mais simples seria que um dos deputados PSD/CDS/IL não terá tido um voto válido e que o Chega votou contra a eleição de Margarida Mano. Nesse caso, o Chega seria responsável por uma abstenção e cinco votos nulos.
Outro dos possíveis cenários é que alguns dos seis deputados da IL não tenham votado favoravelmente à lista do PSD. Uma possível explicação é que estes liberais não tenham perdoado ser excluídos da candidatura apresentada pelos sociais-democratas: após a candidata a presidente Margarida Mano (PSD), o candidato a primeiro secretário era Jorge Nuno de Sá, igualmente um social-democrata, e o nome para segundo secretário era Martim Borges de Freitas, do CDS. Fonte dos liberais em Lisboa rejeita esse cenário e garante ao Observador que todos os deputados IL fotografaram o seu voto na lista do PSD para evitar serem acusados de terem sido eles a falhar no voto em Mano.
Também existe um cenário em que os votos em falta seriam da bancada do CDS, que tem quatro deputados na AML. O democrata-cristão Francisco Camacho reagiu à votação dizendo que “é evidente que o CDS-PP esteve do lado da solução legitimada nas urnas”. Ainda que pelo menos um dos deputados da coligação de Moedas não tenha votado em Margarida Mano, Camacho diz ser “claro” que “foi o Chega quem deu a vitória à esquerda”. Por fim, a única outra alternativa é que a indisciplina de voto tenha vindo de dentro do PSD e que esta seja mais uma manifestação da guerra interna do partido em Lisboa.
Por outro lado, se a esquerda não se conseguiu unir antes das eleições, para a eleição do presidente da AML a CDU disse presente. O Observador apurou que houve um entendimento, em cima do momento da votação, entre a coligação liderada pelo PS (30 deputados) e os comunistas (7), que bate certo com os 37 votos a favor de André Moz Caldas. Neste caso, a CDU nem sequer pediu para entrar na candidatura do PS, que resultou também na eleição de Ofélia Janeiro, do Livre, como primeira secretária da mesa e de António Morgado Valente, do PAN, como segundo secretário.
Não foi preciso esperar muito para que os protagonistas abrissem a discussão sobre a governação da Câmara de Lisboa. À entrada para a cerimónia, Alexandra Leitão repetiu aquilo que tinha dito na noite eleitoral, sublinhando que o PS será uma “oposição rigorosa, muito exigente “. Mas a vereadora socialista derrotada por Moedas nas eleições de outubro trazia uma novidade: “Em princípio, será difícil viabilizar os orçamentos deste executivo.”
Desta forma, Alexandra Leitão anunciava que o PS vai adotar uma nova posição em relação à governação de Moedas. Com uma maioria de direita no executivo, a antiga ministra sugere que o presidente da Câmara vai ter de contar com o Chega para criar as maiorias para aprovar os orçamentos municipais, depois de terem sido os socialistas a ter esse papel nos últimos quatro anos. Além disso, esta terça-feira surgia a dúvida se a promessa de Moedas de não fazer acordos com o Chega se manteria efetivamente. Em declarações ao DN, Bruno Mascarenhas sugeriu que apenas não houve um entendimento nesse sentido porque a IL não o permitiu.
“Às vezes, não é possível fazer acordos não porque não queiramos. Haveria e há pontos de confluência, podem alterar-se políticas da cidade, mas, neste caso, cada um vai para seu lado porque há uma entropia de um dos parceiros da coligação, de um parceiro que não respeita as vontades dos eleitores e faz birras sem sentido”, disse o vereador do Chega. Mascarenhas acrescentou ainda que um dos partidos da coligação de Moedas “não tem a dimensão que lhe foi dada, faz birra e pensa apenas no seu projeto”, numa referência implícita à IL.
Se dúvidas houvesse sobre a possível distribuição de pelouros a vereadores do Chega, Mariana Leitão iria dissipá-las à entrada para a Gare Marítima de Alcântara. A líder dos liberais rejeitou a reedição do sucedido em Sintra, onde foi tirada a confiança política à vereadora eleita pela IL depois desta ter rejeitado romper o acordo com o PSD após um entendimento com o Chega. “A questão em Lisboa está muito bem definida”, garantiu Mariana Leitão. No caso de Lisboa, o PSD não ganharia em trocar a IL pelo Chega, sendo que estes dois últimos partidos têm dois vereadores e Moedas apenas chegaria à maioria absoluta com o apoio de ambos.
Sem declarações para além do discurso de tomada de posse, o presidente da Câmara reeleito não comentou as alegadas negociações com o Chega, mas também não anunciou novidades sobre a governação da Câmara. Carlos Moedas prometeu “abertura ao diálogo para cumprir a vontade das pessoas”, mas deixou um aviso à oposição: “Quem exerce o governo deve governar, dialogando e encontrando compromissos. E quem exerce a oposição deve deixar governar, fiscalizando a ação de quem governa.”
Carlos Moedas não deixou cartuchos por utilizar durante a campanha e o discurso de tomada de posse não trouxe novas promessas para a cidade. Com uma plateia repleta de figuras de proa do PSD na Gare Marítima de Alcântara — que contou com nomes como Aníbal Cavaco Silva, Pedro Passos Coelho e Sebastião Bugalho — o autarca aproveitou para lembrar a “clara vitória eleitoral do dia 12 de outubro”. Para Moedas, o aumento da votação e de eleitos nos órgãos municipais significa que os lisboetas “reforçaram a confiança” no projeto político que encabeça.
Esse reforço eleitoral também permitiu ao social-democrata arrancar o mandato a bater-se por uma luta antiga que tem com o Governo central. “Seremos ainda mais exigentes para com o Governo. Exigimos ao governo mais PSP e mais Polícia Municipal. É um imperativo”, defendeu o autarca, num apelo assertivo ao Executivo com quem partilha a cor política. Neste tema, também aproveitou a vitória nas urnas para reclamar a vitória na discussão sobre a insegurança na cidade. Agiremos também na segurança, na segurança que durante tanto tempo foi reduzida a um mero problema de perceção”, disse, considerando que este é “um tema real e concreto” para os lisboetas.
O presidente recém-empossado aproveitou ainda para voltar a enunciar medidas que marcaram a sua campanha eleitoral. Entre elas, o fim da divisão de competências na higiene urbana entre a Câmara e as Juntas de Freguesia, a “transformação” do Parque Papa Francisco ou a reabilitação de 700 casas no centro histórico para serem arrendadas a jovens, a preços acessíveis. Deu também destaque aos projetos de mobilidade, nomeadamente o elétrico e o Metrobus que vão ligar Lisboa aos concelhos vizinhos de Sintra e Loures.
Na plateia, Moedas pôde igualmente contar com outros autarcas eleitos da Área Metropolitana de Lisboa como Isaltino Morais (Oeiras), Ricardo Leão (Loures) e Marco Almeida (Sintra). Assim, o presidente da Câmara de Lisboa aproveitou a oportunidade para lhes lançar um desafio. Depois de ter sido capital europeia da inovação em 2023, o autarca quer agora que Lisboa seja a capital mundial da Inovação, Justiça Social e Cultura, “nos próximos anos”. Se Pedro Duarte disse que queria ser o “líder do Norte”, Carlos Moedas mostrou-se disposto a promover a aproximação dos municípios à volta da capital: “Não temos medo de sonhar em grande e esse sonho deve ser não só de Lisboa, mas da nossa Área Metropolitana.”