“Muitos portugueses” usam apenas “o telemóvel para realizarem pagamentos”. Mas pode vir um dia (e já veio) em que o telemóvel deixa de servir

Pela primeira vez num documento oficial, o Banco de Portugal diz que é prudente os cidadãos terem algum dinheiro físico disponível. A recomendação é feita no âmbito de uma avaliação aos constrangimentos gerados pelo apagão de 28 de abril, quando muitos portugueses sentiram dificuldades em levantar dinheiro e em fazer pagamentos com meios eletrónicos.

Outros países europeus também aconselham uma reserva de emergência em dinheiro para apagões, ciberataques ou desastres naturais, só que ter dinheiro em casa levanta questões de segurança. “Depende do valor que estamos a falar. Acho que ninguém no seu perfeito juízo vai recomendar ter uma quantia elevada em casa”, afirma Gustavo Nunes, advogado e ex-inspetor da Polícia Judiciária.

Apesar de o número de furtos em residências estar em queda em Portugal, no ano passado foram registados cerca de 12 mil, “o que significa que, a cada dia, há 33 casas a serem assaltadas”, aponta Gustavo Nunes. Assim sendo, sugere que “uma quantia razoável para dois, três dias de compras essenciais” seja cuidadosamente guardada num cofre – se possível fixo.

Além disso, Gustavo Nunes sublinha que “o dinheiro tem de ser visto como uma rede de segurança, não como um exercício de exibicionismo”, e por isso é necessário manter a “discrição” e “falar pouco”. “A segurança começa na forma como nós nos comportamos.” 

Natália Nunes, do gabinete de proteção financeira da DECO, concorda com as recomendações do Banco de Portugal, defendendo que “este princípio já deveria ter sido interiorizado” e “devia estar a ser praticado”. 

“A própria Autoridade Europeia Bancária também já o tinha sugerido logo a seguir ao apagão”, lembra Natália Nunes. “A Comissão Europeia também lançou um vídeo em que dava precisamente esta recomendação a todos os cidadãos e a todas as famílias, para terem em casa um pequeno valor para fazer face a estas emergências que podem surgir, como surgiram em Portugal e Espanha.” 

Natália Nunes afirma que não é apenas o apagão que motiva este princípio e que não se trata de pedir às pessoas que recuem vários anos, “quando colocavam o dinheiro debaixo do colchão”. “O que estamos a dizer é que deviam ter um valor relativamente pequeno, atendendo àquilo que são as características daquela família, os gastos na alimentação, transporte”, para dar resposta a emergências, esclarece. 

“Pode ser 70, 100 euros”

“É necessário realmente as pessoas precaverem-se e terem um fundo de emergência que pode ir de seis a 12 ordenados – e uma parte desse fundo de emergência, um pequeno valor, pode ser 70 ou 100 euros, em casa para qualquer necessidade imediata”, sugere Rute Marques. 

A gestora de acompanhamento ao investidor denota um “uso decrescente do dinheiro físico” por parte dos cidadãos, ao ponto de “muitos já saírem de casa apenas com o telemóvel” para realizarem pagamentos. “Nem o cartão levam para a rua porque conseguem fazê-lo através do MBWay.” 

Por consequência, e no caso do apagão, Rute Marques destaca que muitas pessoas não tinham dinheiro para comprar um rádio a pilhas ou comida. Sugere por isso que as recomendações sejam encaradas com “atenção” mas “sem alarmismo”. “É um valor para necessidades básicas, não um montante que depois nos pode colocar em risco.”

A jornalista da CNN Portugal Isabel Loução Santos sublinha que, “quando guardamos dinheiro no colchão, ele perde valor”. “A pessoa está a perder dinheiro. Usando uma imagem mais bem-humorada, o colchão pode aumentar de preço 5% porque a inflação é de 5% e eu deixo de poder comprar aquele colchão com aquele dinheiro porque está 5% mais caro e o meu dinheiro não valorizou.”

Por outro lado, lembra que essa perda de valor já acontece de outra maneira: “A taxa média dos depósitos em Portugal já está abaixo da média de inflação esperada para o próximo ano”.