Mas há um terceiro elemento que, reconhece o responsável, pode contribuir para que o Wero tenha mais sucesso do que o fracassado projeto Monnet (abandonado em 2012). Agora, ao contrário do que acontecia no início da década passada, “os responsáveis políticos estão mais preocupados com a soberania europeia” e com a necessidade de não depender quase totalmente de Donald Trump e do seu lema “America First” (A América em Primeiro).
A reeleição de Trump, os conflitos comerciais em torno das tarifas e as divergências na área da defesa criam uma maior urgência para criar um sistema europeu, diz o responsável. “Sentimos da parte dos nossos acionistas, dos bancos, uma vontade clara de ter um sistema de pagamentos europeu — não apenas devido a pressões geopolíticas vindas do Oriente, mas também, em certa medida, agora do Ocidente”, afirma Daniel van Delft, acrescentando que “o facto de o mundo já não ser tão aberto como gostaríamos obriga-nos a garantir que existe um sistema de pagamentos europeu”.
Em contraste com o projeto Monnet, que assentava no modelo de transações entre cartões bancários, o Wero funciona através de transferências (e pagamentos) “conta a conta”, ou seja, o Wero não emite quaisquer cartões bancários, usa a infraestrutura de contas que é uniformizada em toda a Europa, através das regras da SEPA – outra evolução que, para Van Delft, irá contribuir para a adoção deste esquema por parte dos europeus.
“Todos os cidadãos europeus devem ter a possibilidade e o direito de efetuar um pagamento sem depender de uma infraestrutura proveniente dos EUA — leia-se, os esquemas internacionais, baseados em cartões —, ainda que estes possam coexistir com os nossos sistemas domésticos”, conclui o COO do Wero.
Ainda não foram estabelecidas “pontes” com os bancos portugueses, confirma Daniel van Delft, embora estes estejam “envolvidos nestas discussões, indiretamente, através da SIBS”, da qual são acionistas. Mas um dos principais bancos portugueses, o Novo Banco (que também é acionista da gestora do Multibanco e do MBWay), está prestes a concretizar a passagem para o controlo dos franceses do BPCE – e esses são um dos 14 grandes grupos bancários europeus que estão a lançar o Wero.
Assumindo que, nesta fase, o Wero está a competir com a parceria de que faz parte a SIBS (a EuroPA), cria-se, aqui, um cenário constrangedor? Ou, mesmo, um conflito de interesses? “Pelo contrário, pode ser uma grande oportunidade“, defende o COO do Wero.
“Penso que pode ser uma oportunidade porque acredito que o BPCE irá influenciar a SIBS no sentido de entrar em negociações connosco – porque, como dizia, se os nossos acionistas se unirem isso só irá trazer vantagens para todos”, afirma Daniel van Delft.
Noutros países, como na Alemanha e em França, as plataformas nacionais “tiveram a coragem de dar o passo de submeter o seu esquema ao Wero”, diz Daniel van Delft. Mas estaria a SIBS, há poucos anos multada pela Autoridade da Concorrência por abuso de posição dominante no mercado português, disponível para aceitar diluir a posição que conquistou com o MBWay? Dando a entender que a SIBS poderia abdicar do MBWay e, mesmo assim, sobreviver graças a outras fontes de receita, o COO do Wero responde com uma pergunta: “Mas a SIBS é mais do que o MBWay, não é? Também são uma emissora de cartões…”.
Entre o Wero, que nasceu no centro europeu, o EuroPA, formado pelos países do sul, e o esquema Vipps, dos países nórdicos, Daniel van Delft recusa a ideia de uma luta fraterna. “No final de contas, é quase irrelevante qual é a marca que as pessoas usam, o que importa é que seja possível pagar no contexto europeu – mas a nossa ambição é que no futuro todos [os europeus] venhamos a pagar com o Wero“, diz o responsável, pedindo que nunca nos esqueçamos quem é o “inimigo”.
“O inimigo”, reforça, são as empresas internacionais de cartões – que é como quem diz as norte-americanas Visa e Mastercard. E porque é que são “o inimigo”? “Bem, dou-lhe um exemplo, desde o momento em que a Visa Europe foi absorvida pela Visa Inc., em 2016, as taxas cobradas aos bancos e aos comerciantes aumentaram cerca de 80% – esse dado mostra a necessidade que os comerciantes sentiram de mudar rapidamente”, responde Daniel van Delft.
BCE avança no “euro digital”, que pode começar a ser emitido a partir de 2029
E o “euro digital“, que o Banco Central Europeu (BCE) confirmou no final de outubro que deverá chegar ao terreno em 2029? Será esse, também, um inimigo? Daniel van Delft recorda que, na última semana, a European Payments Initiative (EPI) – a dona do Wero – enviou uma carta aberta aos responsáveis europeus pedindo-lhes que repensem a intenção de lançar o “euro digital“.
Nessa carta, os 14 bancos que integram a EPI avisam que o euro digital não irá criar um valor claro para os consumidores e que arrisca dar a empresas como a Apple (Pay), a Paypal e a chinesa Alipay ainda mais poder – e não menos. Os bancos defendem, também, que o euro digital que o BCE quer lançar irá sobrepor-se, de forma redundante, à infraestrutura que já foi criada (a SEPA, na vertente instant payments) e, além disso, não chegará antes de 2029, um calendário muito distante mesmo que se acredite que será possível cumprir.
Daniel van Delft diz ter muitas dúvidas sobre se o euro digital irá tornar-se uma realidade em 2029. “Parece-me um objetivo muito ambicioso mas acredito que irá acabar por haver uma forma de ‘euro digital’ – irá, porém, ser algo que será disponibilizado em articulação com aquilo que nós oferecemos com o Wero”, antevê o holandês, assinalando que “seria uma pena que tivéssemos de competir com o euro digital, tendo em conta que o verdadeiro inimigo são os esquemas internacionais baseados em cartões e as grandes tecnológicas”.