Figuras da oposição russa reagiram com raiva e consternação à decisão da União Europeia de introduzir uma proibição de vistos para o espaço Schengen para cidadãos russos, anunciada nos últimos dias.


Começar uma guerra e esperar circular livremente na Europa é difícil de justificar”, disse a chefe da diplomacia da União Europeia, Kaja Kallas, ao anunciar a decisão na passada sexta-feira.

A alta representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros acrescentou que as regras mais rígidas são uma resposta às incursões de drones russos no espaço aéreo europeu e aos ataques de sabotagem ligados à Rússia.

No entanto, muitos opositores de Vladimir Putin consideram que a medida é contraproducente. “Não se pode culpar um país inteiro pelas ações do seu governo”, disse Ilya Yashin, político da oposição russa que foi detido no final de 2022 por se opor à guerra na Ucrânia, numa entrevista por telefone. Yashin foi libertado numa troca de prisioneiros no ano passado e vive agora na Alemanha.

Em declarações ao jornal britânico The Guardian, Yashin afirmou que a decisão sobre os vistos faz parte de uma tendência para restringir a entrada de russos comuns no Ocidente, enquanto os membros da elite de Putin “encontram sempre brechas se precisarem”.Os vistos Schengen já eram difíceis de obter para os
russos, e alguns países da União Europeia, como a Polónia e a
Finlândia, proibiram a entrada a todos os cidadãos russos que não
possuem autorização de residência.

 

Além disso, muitos exilados russos tiveram as suas contas bancárias europeias encerradas ou congeladas nos últimos meses.

Há muitos russos pacifistas e pessoas que querem ver mudanças na Rússia. Seria mais sensato aliar-se a estas pessoas e unir forças com elas para formar uma frente conjunta contra Putin”, acrescentou Yashin.

Também o jornalista russo exilado Sergey Parkhomenko concordou, descrevendo a decisão sobre os vistos como “extraordinária na sua idiotice, ineficácia e evidente impotência”, e afirmando que era um sinal de uma elite europeia que queria mostrar que estava a fazer algo, mas não sabia o quê.As regras já estão em vigor e, embora cada país da
zona de livre circulação de Schengen tenha margem de interpretação, uma
fonte em Moscovo disse que até a Hungria, o país mais amigo da Rússia na
zona, tinha deixado esta semana de emitir vistos de múltiplas
entradas.

Um porta-voz do Ministério italiano dos Negócios Estrangeiros, o destino de férias preferido dos russos ricos, revelou que Roma também acataria a política da União Europeia.

“Os Estados-membros mantêm o direito de emitir vistos de múltiplas entradas excecionalmente em casos justificados, desde que os requerentes demonstrem uma integridade e fiabilidade excecionais”, explicou o porta-voz.



A União Europeia afirmou que poderá haver algumas exceções limitadas à regra para pessoas com familiares próximos a viver no exílio, ativistas dos direitos humanos ou jornalistas independentes
, mas figuras da oposição rejeitaram esta medida, considerando-a inútil, uma vez que significa que as autoridades russas classificariam automaticamente qualquer pessoa com um visto Schengen de múltiplas entradas como inimiga do regime de Putin.

Elena Kostyuchenko, jornalista russa premiada que vive no exílio, afirmou que a nova regra dificultaria significativamente a vida dos órgãos de comunicação da oposição, que dependem de colegas que trabalham anonimamente na Rússia para obter informações em primeira mão.

“Um visto de múltiplas entradas possibilita encontros presenciais e a coordenação com equipas editoriais em países seguros”, esclareceu.

Muitos ucranianos e alguns políticos europeus dizem que os russos devem aceitar algum grau de responsabilidade coletiva pela guerra na Ucrânia, numa altura em que as atividades híbridas russas na Europa estão a intensificar-se. “Viajar para a União Europeia é um privilégio, não um direito”, acrescentou Kallas.

“Para a segurança dos seus próprios cidadãos, todos os países democráticos deveriam adotar regras muito mais rigorosas para a admissão de cidadãos russos no seu território, e isso deveria ter sido feito muito antes”, afirmou Andriy Yermak, chefe de gabinete do presidente ucraniano, saudando a decisão.

Toomas Hendrik Ilves, antigo presidente da Estónia, afirmou na rede social X que os russos que protestavam contra a decisão pareciam estar mais revoltados com a recusa de vistos do que com os crimes de guerra cometidos na Ucrânia, criticando o seu “sentido de direito revoltantemente arrogante”.

Quando lhe foi apontado que há russos que receberam penas de prisão de oito anos ou mais por falarem honestamente sobre a guerra na Ucrânia, Ilves afastou a alegação. “Duvido que alguém tenha recebido oito anos por publicações nas redes sociais sobre o Bucha. Mas estamos habituados a mentiras”, afirmou o ex-governante estoniano.Ilya Yashin, que foi condenado a oito anos e meio de prisão em 2022 por
uma série de publicações nas redes sociais que detalhavam crimes de
guerra russos em Bucha, afirmou que “não conseguia acreditar” ao ler a
publicação de Ilves.

Segundo o político da oposição russa, é necessário compreender que não existem “meios legais ou ilegais” para os cidadãos russos derrubarem Putin, embora tenha admitido que era válido para os ucranianos criticarem os russos por não fazerem o suficiente para mudar a situação política no país.

Se alguém está sentado numa trincheira, arriscando a vida todos os dias, então acho que essa pessoa tem o direito moral de acusar outra de cobardia, mas se está sentado num escritório confortável, em segurança, tem esse direito moral? Não tenho a certeza”, frisou Yashin.