A juíza foi obrigada a avisar o arguido que não podia olhar para o advogado cada vez que lhe colocava uma pergunta e este acabou por não falar e “recusar prestar declarações”

Um triplo homicídio em outubro de 2024, numa barbearia, em Lisboa, chocou o país. Fernando Silva, o autor dos tiros que tiraram a vida a três pessoas, começou esta quinta-feira a ser julgado. Aparentemente tranquilo, o arguido sentou-se na sala de audiências, que começou uma hora atrasada. Na sala, além dele, estão também familiares seus e das vítimas.

Questionado pela juíza presidente, não soube indicar o seu nome completo, nem o nome do pai. Apenas referiu que mãe se chamava Maria e que tinha 33 anos. Afirmou à magistrada que não sabia o que estava ali a fazer e esta leu a acusação: “Acusado de três crimes de homicídio qualificado agravado com recurso a arma de fogo, homicídio tentado e detenção de arma proibida.” Fernando Silva alega que não se recorda do que aconteceu em outubro do ano passado.

A juíza foi obrigada a avisar o arguido que não podia olhar para o advogado cada vez que lhe colocava uma pergunta e este acabou por não falar e “recusar prestar declarações”.

A primeira testemunha a ser ouvida foi Fábio Ferreira – testemunha de acusação – que é o empregado da barbearia que sobreviveu, apesar de ter sido disparado um tiro na sua direção. Tem medo de retaliações e pediu para a família não estar presente na sala. Quando se apercebeu que o arguido estava sentado na sala de audiência, levantou-se, sem permissão, e saiu desesperado.

O arguido e os seus familiares acabaram por sair e a testemunha regressou para contar o que se tinha passado. “Foi mais um dia como os outros. Estávamos no trabalho. Eu e o Carlos Pina estávamos no trabalho. Fomos buscar qualquer coisa para comer. Voltámos. Estava um miúdo de 17/18 anos à porta para cortar cabelo.” Nesta altura, a testemunha começa a chorar.

Mesmo assim, retoma o testemunho: “Entrámos e entra o Fernando Silva, mais o pai dele. O Fernando começa a falar para o Pina. E a dizer ‘vais cortar-me o cabelo’. Estava alterado. Nunca o vi assim. Eu estava a cortar o cabelo ao rapaz. Virei-me e perguntei se estava tudo bem. De repente, fez o que fez ao meu colega. Chegou à porta e disparou contra o Bruno que estava na entrada. Peguei no miúdo para fugir e ele tentou disparar contra mim. Consegui fugir. Mas voltei a entrar pouco depois para ir buscar o meu telemóvel quando o Fernando já estava a ir para o carro dele.”

A testemunha acrescenta que soube, durante a noite, que ele teria batido na mulher e nos filhos. “Não me digam que ele é maluco porque ele não é maluco. Nunca houve razão para queixas. Sempre foi lá, tranquilo, pagou sempre. O Carlos nunca me contou nada sobre ele. Era um cliente normal.”

A sessão de julgamento foi interrompida para almoço e depois novamente retomada. Fábio Ferreira continuou a ser ouvido em tribunal e descreveu como o sucedido afetou a sua vida e como depois daquele dia nunca mais foi o mesmo.

“Depois de tudo o que aconteceu afastei me de toda a gente, até do meu filho. Agora aprendi a desabafar com a música. Ninguém imagina o que gastei em medicamentos depois de tudo o que aconteceu. O Carlos Pina era o meu pilar, mais do que um amigo, o meu pai. Senti receio, estive em constante alerta com medo de sofrer represálias comigo e com a minha família”, conta.

Neste momento assume que toma “medicação para a ansiedade. “O meu trabalho mudou. Muita coisa mudou. Os meus pensamentos, as pessoas a perguntarem me tudo e eu não quero falar, não me sinto à vontade. Há locais onde não entro. Deixei de fazer muita coisa depois de tudo. Deixei de passear com família, com o meu filho. Há certos sítios que não me sinto seguro. Sozinho vou para todo o lado mas com a minha família não. Temo por eles e por mim”, confessou.