Ainda que tenha assinado o projeto das casas de dezenas de clientes, Rómulo Neto defende que nenhum se comparou ao exercício “bastante doloroso e difícil” de criar a sua própria residência. “Se me perguntasse o que faria hoje, provavelmente seria algo totalmente diferente”, confessa à NiT.
Esta resposta, porém, nada mais é do que uma prova da exigência do arquiteto. “Quando alguém chega ao escritório, tem uma ideia do que quer. Todas as imagens e pesquisas, em busca do caminho mais original, fazem com que a cabeça fique tão cheia que, no momento de fazer algo para nós, ficamos confusos”.
A solução foi olhar para trás e recordar-se da infância. Dessas memórias nasceu uma nova casa na linha da Costa Nova, em Aveiro, onde vive com a família. Com vista para a ria, a Casa Cor de Sal é inspirada nas casas típicas da Costa Nova e mistura várias referências do passado e do presente.
“Cresci numa aldeia chamada Ermida, que fica junto à linha de água. Soube que a minha ideia de comprar um terreno teria de ter sempre esse vínculo com a água que mantenho desde criança. Era essa a minha expectativa desde o início”, explica Rómulo.
O arquiteto conseguiu encontrar o lote há cerca de cinco anos, onde já existia uma casa de pescadores. Decidiu demoli-la para fazer um projeto de raiz naquele local, mas sempre com a ideia em mente de que a localização e a pré-existência iriam informar as soluções para a nova construção.
“É importante a arquitetura basear-se no sítio em que se insere. Esta casa não se podia construir no Porto ou em Lisboa, não teria sentido. É isso que faz com que cada obra seja única”, defende.
A principal solução foi o uso das riscas tão presentes na Costa Nova. Aplicou-as na fachada da casa através de ripados verticais feitos de alumínio, enquanto no interior, mais especificamente na sala, colocou redes que fazem a analogia às que os pescadores usavam para dormir.
O interior é branco e luminoso.
A escolha das cores passou por uma paleta leve, em tons de branco — ou em tons de sal, como sugere o nome —, para uma maior difusão da luz. É o caso do pavimento flutuante nas várias divisões e o mobiliário. Estas cores continuam no exterior, garantindo uma continuidade entre as duas esferas.
Quanto ao programa, apesar da hesitação inicial da mulher, Rómulo acabou por convencê-la a organizar as divisões “ao contrário”. “Como no primeiro andar conseguimos ter uma visão melhor para a ria e uma maior relação com a envolvente, soube que a sala tinha de ficar”, explica.
As áreas sociais, o que inclui também a cozinha e a sala de jantar, funcionam em comunhão umas com as outras, em open space, e comunicam com o terraço e a churrasqueira, na cobertura. “Desce-se um vão de escadas e estamos logo na cozinha com tudo o que precisamos.”
Já no rés-do-chão surgem os três quartos, um deles virado para o pátio interior, e há ainda uma cave que funciona como uma sala de música. “Desde pequeno que tinha o sonho de ter um estúdio onde pudesse ter as minhas guitarras. Seja desenhar, pintar ou escrever, tudo o que envolve arte é uma das minhas grandes paixões.”
Cumpriram-se não só vários sonhos, mas também a missão do atelier de Rómulo, que trouxe o passado para um Aveiro atual. Foram precisos dois anos de obras para que a família, em 2022, se mudasse oficialmente para uma casa que foi erguida tal como idealizou.
Carregue na galeria para ver mais imagens da casa captadas pelo fotógrafo Ivo Tavares.