Na semana em que se assinalou os 50 anos da independência de Angola, divulgamos um livro cujo protagonista foi um dos perseguidos ao lutar por ela.
Luandino Vieira nasceu em Portugal, mas cedo foi viver para Angola. Tornou-se angolano “pela sua participação no movimento de libertação nacional”, descreve-se nos seus livros.
O escritor foi condenado pela PIDE a 14 anos de prisão e passou oito deles no campo de concentração do Tarrafal, na ilha de Santiago, em Cabo Verde, de 1964 a 1972. Foi lá que viveu a amizade com um pardal.
“Esta é uma estória real. A estória de Luandino Vieira, escritor de Angola, que lutou pela independência do seu país. Mas é uma história tão bonita que eu bem gostaria de tê-la inventado”, escreve a autora de Um Amigo para sempre, a brasileira de origem etíope Marina Colasanti (1937-2025).
O escritor contou-lhe a história em Cuba e ela contou-a em livro assim, com a delicadeza que a caracterizava: “Lá fora era uma espécie de grande jardim rodeado de muros altos e vigiado. Na verdade, nem jardim era, porque não tinha asseio de canteiros. Mas jardim, sim, no pensamento do homem, porque às vezes tinha flores, as árvores desenhavam manchas de sombras no chão e havia pássaros.”
O homem ansiava diariamente por aquele pequeno período em que podia sair da cela e que se tornou mais desejado depois que um pássaro se foi habituando a dele receber migalhas de pão.
“Porque pensava diferente dos que chefiavam seu país, aquele homem estava preso. Ficava sozinho numa cela”
Guazzelli
“E a partir de então o homem percebeu que à alegria de sair se juntava outra, a alegria de um encontro.”
Na prisão, espalhou-se “que aquele homem tinha domesticado um passarinho”. Os homens das outras celas quiseram ver.
“E todos viram e comprovaram: havia um passarinho que confiava em um homem, e lhe fazia festa, e pousava nos seus dedos para comer migalhas na palma aberta.”
“Agora, cada vez que cruzava a porta maior mergulhando no sol, perguntava-se se o passarinho estaria lá, esperando-o. E sempre estava”
Guazzelli
Desenhar a tristeza e a esperança
A acompanhar as palavras da autora nove vezes premiada com o Prémio Jabuti, o maior e mais prestigiado prémio literário do Brasil, temos as imagens de Guazzelli. Com muito poucos elementos e um uso inteligente das cores, consegue criar uma atmosfera que revela a passagem do tempo, a tristeza, mas também a esperança.
No final do livro, o ilustrador fala do seu pai, que foi advogado e defendeu muitos presos políticos da ditadura militar no Brasil. Por isso conheceu “muito cedo a realidade dos presídios e também de muitos ex-prisioneiros políticos”. Fala deles como heróis anónimos que “ajudaram a resgatar essas liberdades que hoje ainda desfrutamos”.
Conclui: “Dessa forma aprendi a amar a liberdade e aqueles que lutam por ela, pessoas que não precisam de monumentos porque são maiores que eles, pessoas que conversam com os animais e que não querem prender ninguém.” Numa nota ainda mais pessoal, diz: “Herdei o nome do meu pai, Eloar, e durante a confecção deste livro senti a sua presença. Por isso amei ilustrar esse livro.”
O resultado é uma ilustração poética que muito bem se entrelaça com a qualidade literária de Marina Colasanti e a sensibilidade de Luandino Vieira.
Texto: Marina Colasanti
Ilustração: Guazzelli
Posfácio:Fanny Abramovich
Notas biográficas: Benjamin Abdala Junior e Ruth Rocha
Edição: Caminho/Leya
48 págs., 13,90€ (online 12,51€)
Comprar