A escritora e professora santa-cruzense Marli Silveira tem na filosofia uma de suas áreas de formação e de atuação. Sua condição de pensadora deve ter sido colocada à prova, em busca de resiliência, diante da gravidade do cenário da enchente no Rio Grande do Sul em abril e maio de 2024, com reflexos que se estendem até os dias atuais (e ao futuro). Ocorre que Marli era para ter vivenciado, justamente naqueles dias de calamidade, as alegrias como homenageada da Feira do Livro de sua terra natal. Por causa das chuvas, nada do planejado pôde acontecer.
Só agora, um ano e três meses depois, finalmente poderá desfrutar dessa honraria. A 35ª Feira do Livro, mantida a numeração, foi aberta nessa sexta-feira, 1º, na Praça Getúlio Vargas, e a homenagem a Marli segue devidamente reafirmada. Assim, essa mestre em Filosofia e doutora em Educação poderá curtir, com serenidade, dias de celebração da sua obra, composta por mais de 30 livros. Dois inclusive terão lançamento na feira: Corpos ardidos e Inventário das estações, este em parceria com seu editor, Roberto Schmitt-Prym (pela Bestiário), também seu colega na Academia Rio-grandense de Letras (ARL), que terá sessão de autógrafos no sábado, 9, às 14 horas.
Marli é a atual presidente da Academia de Letras de Santa Cruz do Sul, além de ter sido a primeira (e até agora única) mulher da região a ingressar na ARL. Em entrevista ao Magazine, ela fala de sua relação com Feira do Livro e compartilha alguns de seus gostos em termos de obras e autores.
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Pingue-pongue literário
Qual sua mais antiga lembrança associada a uma Feira do Livro?
Difícil localizar no tempo-espaço a lembrança mais antiga associada a uma Feira do Livro, pois são muitas as memórias vinculadas ao livro, às bibliotecas, aos livros nas praças e/ou ambiências literárias trazidas pelas proximidades sentidas da leitura, do convívio, do cheiro e dos sons da literatura. Posso dizer, com razoável lucidez, que vivo das múltiplas e misturadas maneiras de lembrar de tudo o que vivi, do cultivo das cercanias que o tempo cicatriza na minha memória e das saudades de tantos afetos, sentidos e pessoas que continuam comigo sonhando pelas páginas dos livros e pela leitura de letras e mundos, mesmo que a distância, muitas vezes, seja incapaz de reparar os fragmentos, lampejos e tonalidades. Mas guardo como uma espécie de indicação no horizonte a lembrança da primeira vez que vi alguém lendo um livro meu. Tinha 16 anos quando lancei meu primeiro livro: é absolutamente indescritível este instante que parece demarcar uma trajetória que pouco se sabe, como uma intuição afinada às chegadas antevistas.
Primeiro livro de que tem memória de ter lido?
A cabana do Pai Tomás, coleção Minha Biblioteca.
Qual livro citaria como o mais importante de todos os que leu?
Realmente não tenho uma única resposta para essa pergunta, pois são muitos os livros que marcaram e continuam marcando minhas leituras. Na Filosofia, por exemplo, minha incursão às implicações da fenomenologia e da filosofia existencial me aproxima de autores como Heidegger, Merleau-Ponty, Husserl, Sartre, Simone, Camus, entre outros. Como também me ocupo da estética, além de outros temas, transito dos gregos aos contemporâneos. Na literatura, são tantos autores e autoras, impossível destacar uma obra. Para responder, momentaneamente, vou citar O mito de Sísifo, de Albert Camus.
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O que estás lendo nesse momento?
Leio diversas obras de dois autores brasileiros e ou que vivem no Brasil: Jeanne Marie Gagnebin e Márcio Seligmann-Silva. Tenho me ocupado da pesquisa sobre o tema do testemunho e são autores fundamentais para pensar a memória, a história, a literatura, o esquecimento, entre outros.
Qual o personagem mais marcante entre todos que já leu?
São muitos, mas vou citar o narrador ou o “homem ridículo”, da obra O sonho de um homem ridículo, de Dostoiévski.
Um autor e uma autora nacionais de sua predileção.
Guimarães Rosa e Lygia Fagundes Telles.
Um autor e uma autora internacionais de sua predileção.
Albert Camus, Milan Kundera, Martha Nussbaum, Dostoiévski, Kafka, Tolstoi, Wislawa Szymborska, Fernando Pessoa, Bertolt Brecht, entre tantos outros.
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Qual seu gênero literário preferido?
Como já referi em uma das questões, sou melhor leitora de livros teóricos, muito embora a fronteira entre filosofia e literatura seja um dos recortes pelos quais desdobro minhas incursões de pesquisa e produção filosófico-literária, inclusive.
Qual livro mais vezes releu e por quê?
Ser e tempo, de Martin Heidegger, e “A terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa. Porque Heidegger é meu autor de base das pesquisas que realizei e realizo no campo da Filosofia, reconhecendo a necessidade de uma postura crítica, e Rosa porque o referido conto atravessa conceitos e categorias que abordo nas minhas aulas e discussões nessa tensão entre filosofia, literatura e humanidades.
Qual livro gostaria de ter escrito, de que gostaria de ser a autora?
Sou a autora dos livros que gostei/gosto de escrever.
Quantos livros tens na biblioteca pessoal?
Em torno de 7 mil livros.
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Qual o próximo livro que deseja adquirir?
O espírito da floresta, de Davi Kopenawa e Bruce Albert.
Sobre qual tema gostaria de escrever um livro, mas ainda não o fez?
Sobre o ressentimento e o feminicídio. Escrevi um pequeno artigo sobre o tema, mas pretendo aprofundar a pesquisa. Também desejo ampliar meus estudos sobre o testemunho e, quem sabe, adentrar o tema da loucura. O que vou fazer de inédito, mas com paciência, é a minha primeira tradução, que deve começar em 2026.
Qual a maior emoção pessoal em relação à leitura de um livro?
Quando “vejo” melhor.
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