Ao longo de 75, o GAC popularizou uma grandiosa homofonia revolucionária que, meio século depois, é mimetizada por outros jovens grupos de coros politizados. Os singles incontornáveis Alerta ou A Cantiga É Uma Arma são de edição própria, vendidos loja a loja, mão a mão, ou em “sessões de luta”, os concertos improvisados em comícios, associações, sindicatos, por onde seja, pelo pão e pela paz, e pela nossa terra.

A cantiga é uma arma, mas, convém lembrar que, como diz a canção, tudo depende da bala e da pontaria. A edição marginal à indústria não era somente de propósitos altruístas, ou de uma certa desenvoltura ideológica, apresento-vos o caso extraordinário da Editora Vitória, de José Crispim — se o nome vos diz alguma coisa é porque assistiam aos programas de variedades na década de 90, apimentados pela brejeirice tasqueira do duo Ele e Ela (ele, Crispim, ela, Lena Silva). Em 75, José Crispim fundou a Vitória para editar, com olho para o negócio, uma carrada de canções políticas, sem qualquer controlo de qualidade; é desta editora o primeiro single de Fernanda de Sousa, de fama Ágata, Heróis Trabalhadores, que aborda os homens que “sonham com mais tractores para trabalhar a terra” — uma temática que difere, ligeiramente, do primeiro single enquanto Ágata, Quentinha e Boa. O single revolucionário foi apresentado no Circo do Povo, ao Martim Moniz, um circo sem animais por falta de orçamento, confessa a organização — “é um circo pobre, mas honesto”. Outra pérola da Editora Vitória: a Ressurreição do Meu País de um sorridente Alex, O Fabuloso, de novo os camponeses e as inchadas, mas numa voz de bordel, inconfundível; nada mais, nada menos, que o Mister Gay, quando ainda era criança, em pleno PREC.

O panfleto musical mais célebre, responsável pela má fama da canção política, foi totalmente acidental. O casal Carlos Alberto Moniz e Maria do Amparo enjeitaram no estúdio, em Campo de Ourique, uma canção para acompanhar o single Daqui o povo não arranca pé! e, ocorreu-lhes, até porque ninguém ouve o Lado B, uma cantiga descartável, sequer afinada, de apoio ao primeiro-ministro: Companheiro Vasco. O refrão orelhudo — “Força, força companheiro Vasco/ Nós seremos a muralha de aço” — agradou aos chamados gonçalvistas, que, com acesso aos jornais, rádio e televisão, tornaram Companheiro Vasco no grande sucesso, quem sabe maldição, de Carlos Alberto Moniz e Maria do Amparo.

Estampado, em letras garrafais, os versos de uma canção: “FORÇA, FORÇA COMPANHEIRO VASCO”. A tarja estava em frente ao primeiro-ministro, durante o incómodo discurso na Escola D. António da Costa, em Almada, agosto de 75, quando anunciou que — preparem-se — “chegou enfim a hora da verdade da revolução portuguesa”. A “hora da verdade” contemplava, em primeiro plano, um programa ambicioso de nacionalizações, desde a banca aos seguros, sem esquecer a cultura portuguesa. A nacionalização do teatro foi a principal legislação apresentada para o setor, e, à boleia, o silenciar de canções inconvenientes ao regime gonçalvista.