Era uma vez… a ironia

Do conto de fadas ao dramalhete, vai um gesto walseriano e a encenação de Carinhas. Está a chegar às tábuas do São João, onde Nuno Carinhas foi director artístico entre 2009 e 2018, uma peça que leva à cena a reinterpretação que Robert Walser fez de três histórias bem conhecidas. Tudo “com ironia e delicadeza”, salvaguarda a folha de sala.

A Branca de Neve perdoa a madrasta, a Gata Borralheira (Cinderela para os amigos) desconfia das intenções do príncipe e a Bela Adormecida entedia-se com os detalhes do seu despertar. É a pena do autor suíço a subverter o “era uma vez”, a pôr em causa todo o cânone e a abrir portas a “temas como a liberdade ou a procura da felicidade”.

Entre princesas e pajens, rainhas e príncipes, são oito os actores que se multiplicam nas personagens de Branca de Neve & Outros Dramalhetes: Alberto Magassela, Joana Carvalho, Lisa Reis, Luísa Cruz, Patrícia Queirós, Paulo Freixinho, Pedro Almendra e Sara Carinhas.

O tom de “antifábula” transborda do palco para uma conversa sobre o autor, para um ciclo de cinema com dois filmes que Walser inspirou (Institute Benjamenta, or This Dream People Call Human Life, dos Irmãos Quay, e Branca de Neve segundo Stanley Schtinter, remake do filme de João César Monteiro) e ainda para Microgramas, uma exposição de pinturas de Avelino Sá (mais informações em tnsj.pt).




Branca de Neve & Outros Dramalhetes
José Caldeira

E vai ao centro

A atravessar um momento de grande fôlego, a comédia nacional conta com cada vez mais palcos especializados. E festivais. No país onde já tinha aparecido um Risorius em Albergaria-a-Velha e onde, mais recentemente, eclodiu um Mock Fest no coração de Lisboa, inventa-se agora Alcobaça – Capital do Humor.

Pátria de batalhas lendárias e doçuras conventuais, a cidade passa também a centralizar algum do melhor humor que se faz por cá. E não o faz por menos que um cartaz com Carlos Coutinho Vilhena, Guilherme Duarte, Guilherme Fonseca, Jel, Joana Marques, Joana Miranda, Luís Franco-Bastos, Manuel Cardoso, Mariana Rosária, Salvador Martinha e muitos outros.

Na calha estão ainda conversas, open mics em cafés, bares e restaurantes da cidade e, para os pequenos risonhos, uma Commedia a La Carte Kids. A rematar – e a lembrar, como manifesta a organização, que “o humor é uma poderosa forma de reunir pessoas e de gerar impacto positivo” –, Ricardo Araújo Pereira e a sua equipa contribuem como um emissão especial e solidária de Isto É Gozar com Quem Trabalha.


Partida para o real

Abre com uma Romaria de Carla Simón. Fecha em família com Pai Mãe Irmã Irmão de Jim Jarmusch (e respectivo Leão de Ouro trazido de Veneza). Entre eles, dá a ver dezenas de variações do “cinema do real” – mais exactamente, 135 filmes – que ajudam a “encontrar vias de pensamento que possam modificar o mundo”, explica a carta de intenções do 12.º Porto/Post/Doc, onde também se lê a vontade de sublinhar o papel do cinema como “espaço de empatia, encontro e apelo à acção”.

É uma jornada em que têm lugar Lina Soualem e Andrei Ujică como realizadores em foco, Madonna, Butthole Surfers, Yerai Cortès e Orlando Pantera a bordo da secção Transmission e “um olhar profundo sobre o acto de partir” lançado pelo programa O Tempo de Uma Viagem, bem como sessões no Planetário, Docs4Teens, conversas, masterclasses, festas e concertos.


Absurdo Em Processo

A insanidade e bizarria burocrática em que Franz Kafka mergulhou o protagonista d’O Processo ganha corpo numa nova produção da Este – Estação Teatral, que assim faz coincidir a sua 50.ª criação com os 100 anos da publicação (póstuma) do romance “onde o absurdo, a alienação e a busca por sentido se transformam em matéria viva para a cena”, assinala a companhia.

Cabe a Tiago Poiares encenar a “abordagem disciplinar” proposta pela companhia que, Em Processo, procura construir “um organismo cénico dinâmico e inquietante, onde imagem, som e jogo teatral se fundem num discurso estético singular e profundamente sensorial”, acrescentam.

Ana Márcia e amigos

De timbre suave, lírica que toca, guitarra delicada e criança interior (re)encontrada, Márcia encaminha-se para um concerto especial. Não é o primeiro em que apresenta Ana Márcia, álbum tripartido entre a menina que foi, a jovem que cresceu e a mãe que se revê na infância dos filhos. Mas este conta com Catarina Salinas, Jorge Palma e Sérgio Godinho como convidados – eles que entraram, respectivamente, nas canções Quem cá está, Um passo ao lado e Às vezes o amor.

Lançado este ano, Ana Márcia é o sexto longa-duração da cantautora, depois de Dá (2010) – saído um ano depois de um EP homónimo –, Casulo (2013), Quarto Crescente (2015), Vai e Vem (2018) e Picos e Vales (2022). Outro caminho para o seu mundo está no livro de poesia As Estradas São para Ir (2020).